CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
O logro da opinião pública
Eu sou do tempo do pós-25 de Abril
em que toda a gente falava de Política. Muitas pessoas quase analfabetas
discutiam a sua opinião fazendo ressalvas sobre o não perceberem nada daqueles
assuntos, mas… E quando os interlocutores eram de uma elite que tinha passado
os anos precedentes a 74 a ler e discutir clandestinamente sobre assuntos
proibidos, invariavelmente a resposta a esse auto-apoucamento era de louvor à
livre expressão de opinião. Louvava-se a forma como o estavam a fazer,
argumentando em público sobre como gerir a coisa pública, já que em Democracia
isso era fazer Política. Bem entendido que esse foi o tempo em que a
percentagem dos que acorriam às urnas nas eleições fazia desses dias
verdadeiros dias de romaria e festa.
Era
a infância da Democracia em Portugal. Essa idade de ouro que muitos olham com
uma certa nostalgia. Uma nostalgia que se pode revestir de duas faces: a
realisticamente pessimista que lhes retira as expectativas de que alguma vez a
Democracia seja o adulto que tão feliz infância prometia; e a realisticamente
oportunista que continua a dizer que dá voz a todos, mas que acaba por usar
para si mais umas vozes que outras, resultando a habilidade que para calar umas
as outras berrem desalmadamente. E isto, obviamente, não faz nada bem ao
ambiente que se quer adulto, sem ser cinzento – ou vermelho, porque o que
importa não são as cores mas a monotonia das mesmas. Quando se mistura tudo não
se dá atenção a nada. Na mesma lógica, o que é de todos não é de ninguém. E
isto, em Democracia, é muito perigoso.
Vir
dizer que a opinião pública está mais exigente e escrutinadora é enganar as
pessoas. Tal como chega dizer às pessoas o que é permitido ou proibido em
Democracia, o que se despenaliza e o que se liberaliza, porque as pessoas
exigem integridade e transparência. E depois esquecer-se que já houve momentos
em que quem diz isto, como foi caricaturado, dizia que “é proibido, mas pode-se
fazer”. Tudo isto para agradar a quem é a favor e a quem é contra e, numa
chicana, vender-se a todos como se o todos fossem uma massa que se deseja
informe e mais fácil de moldar. Populismo, é o que se chama a isto.
Tratar
a opinião pública assim como uma confusão de vozearias e, quando útil,
promovê-la a fiel da balança de políticas públicas, usá-la usando os seus
imponderados e epidérmicos argumentos, que tantas vezes lhe são injectados por
elites bem organizadas e quando dá mais jeito, é um logro, uma intrujice, uma
peta. Mas, hélas!, essa opinião pública, assim aconchegadinha, é a que, quiçá,
se dará ao trabalho de ainda ir votar. E é por isso que o voto obrigatório já
foi para mim uma realidade menos necessária e mais distante.
A
opinião pública tem o seu quê de lirismo, e eu explico porquê. Quem não estuda
literatura – um campo com técnicas, métodos, história e teoria próprios –
poderia dizer que aquele menino que, quando a escola não era a tempo inteiro ao
terminarem as aulas não tinha ninguém em casa com quem ficar, dizia que ficava
“fechado na rua”, estava a fazer poesia. Não estava. A frase bonita que disse
era apenas reveladora de uma incompetência linguística, um ainda imaturo uso da
linguagem, facilmente confundido com a capacidade de metaforizar. Esta é
própria dos Poetas, aqueles que tantas vezes, como eu já também tantas vezes
disse e não me cansarei de repetir, olha para o Mundo com um olhar inaugural,
como se fosse a primeira vez, e lhe descobre o que está escondido ou esquecido.
Como também não me cansarei de, na medida das possibilidades que estão ao meu
alcance, contribuir para que a opinião de um que se juntando a outros, e
eventualmente contribuindo para a opinião pública, seja baseada no uso do siso,
usando as faculdades da razão, com a liberdade de ter a sua forma de,
precisamente, pensar por si.
Até
para a semana.
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