Não queremos no entanto deixar de assinalar este
acontecimento cultural, em Aldeia da Venda, recentemente admitido a concurso
televisivo como uma das 7 maravilhas da
cultura popular.
Assim valemo-nos da Publicação dos «Cadernos do Endovélico -3» e transcrevemos em parte o que foi na
altura escrito pela Ana Paula Fitas:
«A FESTA
DA ALDEIA DA VENDA: Natureza, Cultura e Género ou o Encontro dos Contrários
Ana Paula Fitas
Ainda que popularmente associada às Festas da Santa Cruz, a
Festa da Aldeia da Venda constitui-se como um exemplo maior dos testemunhos
mais preciosos do património cultural imaterial do Alentejo, materializado na
festividade anual que se realiza nesta aldeia da freguesia de Santiago Maior,
concelho do Alandroal, exactamente no mês de Maio.
Esta festa não conta com a participação de qualquer
elemento do clero ou representante da Igreja Católica, caracterizando-se por
uma manifestação popular organizada, gerida, ensaiada e concretizada, desde que
há memória, pelas mulheres da aldeia.
Numa rotunda localizada no cruzamento das ruas que
atravessam a aldeia e onde foram colocados 4 mastros, posteriormente enfeitados
com flores de papel, as mulheres colocam, ao centro uma pequena mesa coberta
com um pano branco decorado com laços de cor, bem como almofadas coloridas, de
ambos os lados da mesa, enquanto, no chão do espaço envolvente espalham verdura
e flores.
Quando o espaço está arranjado, a aldeia espera por começar
a ouvir o som agudo e quase estridente com que as vozes das mulheres enchem o
espaço, entoando uma ladainha que se assemelha a um “pranto” e a que chamam “cântico”;
as mulheres surgem organizadas em dois grupos distintos, um dos quais desce,
enquanto o outro sobe, a rua principal da aldeia, até se encontrarem na pequena
mesa preparada para o efeito. O grupo que desce rumo à encruzilhada é liderado
pela Mordoma, vestida de branco e transportando nas mãos, a chamada Santa Cruz,
enfeitada com ouro emprestado pelos residentes na aldeia para o efeito; o grupo
que sobe para o local do encontro é liderado pela Madanela, vestida de negro e
transportando nas mãos o pano com o rosto de Cristo coroado de espinhos. Cada
grupo é constituído por um conjunto feminino formado por uma figura feminina
central ladeado por duas madrinhas em cuja retaguarda seguem 4 cantadeiras com
pandeiretas e por um conjunto masculino constituído por 3 atiradores que
caminham por cada lado do grupo. O rito integra, portanto, 26 jovens,
distribuídos em dois grupos de 13 jovens cada um (7 raparigas e 6 rapazes).
Com as protagonistas de cada
grupo face-a-face, uma de cada lado da mesa, e as respectivas acompanhantes a
cantar, ritmadas pelo som das pandeiretas e pelo som dos disparos dos
atiradores, sob o quente, muito quente das tardes de Maio, os grupos cantam e
desenvolvem uma encenação designada “Encontro”
que representa o esforço de união da diferença num momento cénico que
inicialmente parece opor as figuras centrais de cada grupo até ao contacto dos
objectos simbólicos que transportam (a Cruz e o Pano). Este momento conhecido
como “Beijo”, assinala a concórdia
entre os grupos e inicia a constituição de um grupo único que sobe a aldeia com
as 2 figuras centrais ao lado uma da outra, as 4 marinhas atrás, seguidas de
duas filas de 4 cantadeiras; o grupo é ladeado por 6 rapazes, atiradores, de
cada lado. O grupo dirige-se para a Casinha da Cruz e, à porta, as duas figuras
centrais, Madanela e Mordoma, apresentam juntas a Cruz, com o ouro comunitário
à aldeia, num gesto simbólico de eliminação da discórdia e de partilha comum de
riqueza. A Cruz sairá desta Casinha no dia seguinte para ser guardada na casa
da Mordoma até ao ano seguinte.
-------------------------------------------------------------------»
Extractos do livro Cadernos do Endovélico 3 (Ana Paula Fitas) - Fotos Filipe Bianchi e Vicente Arrifes
Sem comentários:
Enviar um comentário