A Feira
de S. Bento
Na caixa das minhas
memórias existe uma catalogação que, de modo próprio e sem dar por isso, traz
ao de cima certas recordações em detrimento de outras e, os factos alinham-se
sem a relevância dos mais antigos ganharem uma maior notoriedade face a outros mais
recentes, contrariando-se, assim, a pseudonorma existente sobre esta
matéria!
De entre essas memórias, a Feira de S. Bento, teve uma
importância fulcral e marcou, indelevelmente, a minha meninice por razões de
ordem física, social e cultural.
Os fundamentos deste relevo materializam-se no
facto de eu, geograficamente, ter nascido e residir, ao tempo, no arrabalde da
Ermida de S. Bento, mais precisamente no Largo de S. Bento; depois, a Feira de
S. Bento (no século passado) foi um dos três eventos culturais e sociais
existentes, para além das sessões de cinema semanais e da Festa Anual em
Setembro! Logo, face à escassez, era notória a sua importância!
Pois é, juventude hodierna! Era mesmo muito pouco aquilo que,
na época, nos era oferecido em termos culturais! Vejam só! Nem campo de futebol
tínhamos! Os treinos coincidiam com os próprios jogos, sempre no campo dos
adversários! Apesar de tudo, na década de 1960/1970, houve um número
considerável de craques de futebol que, não fora a falta de infraestruturas, se
teriam afirmado no futebol local! Saudades…!
O Alandroal, esquecido pelos centros de decisão dos Governos
de antanho, escondia-se envergonhado face a outras povoações vizinhas! Porém, a
realidade, hoje, é outra! Na minha modesta opinião não houve, no pos-25 de
Abril, no distrito de Évora, povoação que tivesse evoluído mais que o nosso
Alandroal!
A propósito desta constatação, recordo aqui as palavras de um
amigo do coração (natural de um concelho vizinho) que, olhando para o Alandroal
democrático e moderno, me segredou: “ Quem te viu e quem te vê!” e logo teceu
elogios à evolução clara e , sobejamente, visível da nossa terra.
Aqui deixo postado o louvor e agradecimento a todos aqueles
que, sem mencionar nomes ou cores partidárias e após o Abril de 1974, lideraram
e, com a sua ação, elevaram o Alandroal e o concelho a patamares de excelência,
como é fácil constatar!
Ilustro esta afirmação com uma conversa entre dois visitantes
que, face ao dinamismo patente num dos eventos na altura realizados, dizia um
para o outro: “Vamos convidar o nosso Presidente para vir aqui colher
ensinamentos”. Num sorriso rasgado e num silêncio sonoro, soltei uma gargalhada
e o meu ego subiu ao ponto mais alto da minha satisfação!
Mas, voltemos à Feira de S. Bento! Ah… já me esquecia,
realizava-se no alto de S. Bento, junto à Ermida com o mesmo nome, na
terça-feira a seguir ao Domingo de Páscoa e foi, durante muitos anos, o dia do
feriado Municipal que hoje está irmanado com a Romaria de Nª Srª da Boa Nova em
Terena.
A véspera era vivida,
de uma forma especial, por toda a rapaziada do Alandroal, mas aqueles que
moravam no Largo e Rua de S. Bento, davam-se ares de que, pela proximidade real
com o sítio, aquela Festa era, prioritariamente, deles!
É que havia ali um verdadeiro exército, pois as proles eram
numerosas! Ao tempo havia, ali, 20 rapazes e raparigas em idade escolar!
Comparem com o número existente, hoje, naqueles locais! Deixo no ar e no vosso
imaginário a comparação!
Na véspera, com a porta fechada mas com o postigo entreaberto,
o meu pensamento estava focado no evento! Mal ouvia um barulho estranho, corria
à porta e contava o número de feirantes.
Quando a tarde já ia avançada e o sol se escondia no
horizonte, a plebe saía à rua e liderada pelos mais velhos rumava, num assomo
incontido de alegria e curiosidade, a S. Bento. As nossas mães estavam alerta
mas, havia sempre maneira de nos escaparmos para o local da Feira que, diga-se,
não era longe!
No caminho, junto às Sobreiras, degustávamos umas opíparas
amoras silvestres, ali postadas pela mãe natureza! Reconfortados os estômagos
lá íamos ver os preparativos dos feirantes e, nas nossas cabeças, fazíamos o
alinhamento da feira - o carrocel, as barracas do brinhol e dos brinquedos, o
local da feira do gado, enfim… o imaginário das crianças a funcionar!
Quem, com a minha idade, dormia na véspera da feira? O meu
pai, o Mestre Lila, era “avisado” para me acordar às 6 da manhã! Mas não era
preciso! Na manhã desse dia, nas Rua e no Largo de S. Bento o barulho era Rei:
ouviam-se os chocalhos, o mugir das vacas, o berro dos bois, o balir das
ovelhas e cabras, o zurrar dos burros, o relinchar dos cavalos, o grunhir dos
porcos, o ruído das carroças e de alguns (poucos) automóveis – tudo cheirava a
FEIRA!
Até ao meio-dia ocorriam os negócios virados para as transações
na feira do gado e, a partir da hora de almoço, a animação da feira irrompia
com a chegada dos habitantes do Alandroal e dos lugares limítrofes, enchendo
aquele espaço.
É o dia da Feira! Fazem-se negócios! Ecoam no ar as vozes dos
vendedores da “banha da cobra” , o barulho do
carrocel, a mistura de sons e cheiros das barracas de comes e bebes, da
fritura do brinhol, dos pregoeiros da venda de água … enfim, coisas próprias de
uma festa popular!
A rapaziada da minha idade e os mais velhos sabem que esta
Feira era, à época, apelidada de “FEIRA DOS CALMÊROS” (neologismo
alandroalense) pelo facto dos rapazes aparecerem na Feira com uma nova
namorada, dando assim um “chega para lá” à antiga princesa! Dizia-se, naquele
tempo, que as raparigas namoradeiras só iam à Feira acompanhadas dos namorados,
não fosse o diabo tecê-las! Levar um “calmêro” é que não!
Um lamento acolhe ao meu espírito: a Feira de S. Bento morreu há muitos anos!
Que os “deuses” do
Alandroal e os seus habitantes ganhem coragem para que o milagre da
ressurreição da Feira de S. Bento seja uma realidade!
O facto de a ter vivido, de a ter amado, de não a ter
esquecido e, por sentir que muitos dos
meus conterrâneos a lembram com saudade, tocou-me a nostalgia, escrevi estas
linhas e espero despertar as mentes e os corações dos “deuses” e das gentes do Alandroal!
Alenquer (Ota), 03 de Maio de 2020
Martinho Roma da Vila.
1 comentário:
Uma vez compraram-me uma bola na Feira de S. Bento. O Peixota viu a bola - «deixa-me lá dar um chuto» - Deu-o de tal maneira que a mesma foi parar a um faval que existia ali entre muros... até hoje nunca mais a vi....
E a alegria que era quando o Domingos Peças de surpresa aparecia na feira a anunciar que nessa noite havia cinema... E já espigadote...quando eu e o Balsante chegávamos à barraca do Manitas e ele dizia logo: «a primeira é por conta da casa» - Pudera já sabia que até se por o sol era ali o poiso da gente! - Era a abertura oficial da imperial que depois tinha seguimento nos Prazeres. Bons tempos....
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