Maria
Helena Figueiredo
Quando o trabalho nos entra pela casa
dentro
O Covid19 veio introduzir mudanças profundas nas nossas
relações interpessoais, mudanças que vão perdurar por algum tempo. Mas foi nas
relações de trabalho, na área dos serviços, que a mudança introduzida está já a
ter repercussões mais significativas com o recurso generalizado ao
teletrabalho.
A generalização do teletrabalho, que tem sido muito aplaudida, é
de facto, neste momento, uma solução para obviar à paralisação de muitos
sectores e manutenção dos postos de trabalho, mas é preciso ter atenção ao
cumprimento de regras, em especial o respeito pelos tempos de trabalho e de
descanso, sob pena de estarem a ser criadas novas formas de exploração dos
trabalhadores e trabalhadoras.
O teletrabalho estava já previsto quer no Código do Trabalho quer
na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, como via de flexibilização dos
regimes de trabalho e conciliação da vida familiar com a vida profissional, mas
anteriormente ao Covid19 raramente as entidades patronais – as públicas e as
privadas – aceitavam a sua realização por acharem que perdiam o controlo do
trabalhador.
Mas com o sucesso da experiência actual, muitas entidades
patronais começam já a ver nesta modalidade de trabalho, não um instrumento de
flexibilização do trabalho, mas apenas uma oportunidade de redução de custos de
funcionamento das empresas.
Por exemplo, o teletrabalho reduz significativamente a necessidade
de espaço de escritório, bem como encargos com energia, água ou materiais de
limpeza, que passam a ser assumidos pelo trabalhador na sua casa. Também, de
acordo com alguns estudos, os trabalhadores em trabalho remoto são mais
produtivos e tendem a trabalhar mais horas por dia.
Ora, esse aumento de produtividade tem de decorrer da
flexibilização e da melhor conciliação da vida profissional com a vida pessoal
e não da prestação de mais horas de trabalho ou da ideia de que os
trabalhadores estando em casa estão disponíveis a qualquer hora ou todos os
dias da semana.
De acordo com um estudo recentemente divulgado pelo INE cerca de
57% dos trabalhadores por conta de outrem tinham sido contactados pela entidade
patronal ou chefia fora do horário de trabalho.
Em casa é mais difícil salvaguardar o “horário de trabalho” mas
importa ter consciência de que os trabalhadores têm direito a desligar-se –
seja do telefone seja do computador – e que há tempos para trabalhar e tempos
para a família e para descansar, sob pena de a confusão entre a vida
profissional e a vida familiar lhes transformar o dia a dia num inferno.
Há que salientar e prevenir um outro aspecto muito negativo que o
teletrabalho induz: o isolamento dos trabalhadores e trabalhadoras.
A falta de contacto, pessoal e directo, com colegas não permite
nem propicia a troca de ideias e o desenvolvimento pessoal, mas sobretudo
desprotege os trabalhadores, que passam a estar sozinhos na sua relação com o
chefe ou o patrão, sujeitos a pressões e abusos, sem rede de solidariedade
entre si e com menor possibilidade de intervenção das suas organizações
representativas, as comissões de trabalhadores e os sindicatos.
Sim, o teletrabalho tem aspectos positivos e, em certas
circunstâncias e profissões, pode ser uma alternativa, mas não deve ser pervertido
nem encarado como a forma de trabalho do futuro e menos ainda como o novo
“normal” das relações laborais.
Continuem a proteger-se e até para a semana!
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