segunda-feira, 4 de maio de 2020

COISAS & LOISAS - Martinho Roma


                                        A Feira de S. Bento
 Na caixa das minhas memórias existe uma catalogação que, de modo próprio e sem dar por isso, traz ao de cima certas recordações em detrimento de outras e, os factos alinham-se sem a relevância dos mais antigos ganharem uma maior notoriedade face a outros mais recentes, contrariando-se, assim, a pseudonorma existente sobre esta matéria! 
De entre essas memórias, a Feira de S. Bento, teve uma importância fulcral e marcou, indelevelmente, a minha meninice por razões de ordem física, social e cultural. 
Os fundamentos deste relevo materializam-se no facto de eu, geograficamente, ter nascido e residir, ao tempo, no arrabalde da Ermida de S. Bento, mais precisamente no Largo de S. Bento; depois, a Feira de S. Bento (no século passado) foi um dos três eventos culturais e sociais existentes, para além das sessões de cinema semanais e da Festa Anual em Setembro! Logo, face à escassez, era notória a sua importância!
Pois é, juventude hodierna! Era mesmo muito pouco aquilo que, na época, nos era oferecido em termos culturais! Vejam só! Nem campo de futebol tínhamos! Os treinos coincidiam com os próprios jogos, sempre no campo dos adversários! Apesar de tudo, na década de 1960/1970, houve um número considerável de craques de futebol que, não fora a falta de infraestruturas, se teriam afirmado no futebol local! Saudades…!
O Alandroal, esquecido pelos centros de decisão dos Governos de antanho, escondia-se envergonhado face a outras povoações vizinhas! Porém, a realidade, hoje, é outra! Na minha modesta opinião não houve, no pos-25 de Abril, no distrito de Évora, povoação que tivesse evoluído mais que o nosso Alandroal!
A propósito desta constatação, recordo aqui as palavras de um amigo do coração (natural de um concelho vizinho) que, olhando para o Alandroal democrático e moderno, me segredou: “ Quem te viu e quem te vê!” e logo teceu elogios à evolução clara e , sobejamente, visível da nossa  terra.
Aqui deixo postado o louvor e agradecimento a todos aqueles que, sem mencionar nomes ou cores partidárias e após o Abril de 1974, lideraram e, com a sua ação, elevaram o Alandroal e o concelho a patamares de excelência, como é fácil constatar!
Ilustro esta afirmação com uma conversa entre dois visitantes que, face ao dinamismo patente num dos eventos na altura realizados, dizia um para o outro: “Vamos convidar o nosso Presidente para vir aqui colher ensinamentos”. Num sorriso rasgado e num silêncio sonoro, soltei uma gargalhada e o meu ego subiu ao ponto mais alto da minha satisfação!
Mas, voltemos à Feira de S. Bento! Ah… já me esquecia, realizava-se no alto de S. Bento, junto à Ermida com o mesmo nome, na terça-feira a seguir ao Domingo de Páscoa e foi, durante muitos anos, o dia do feriado Municipal que hoje está irmanado com a Romaria de Nª Srª da Boa Nova em Terena.
 A véspera era vivida, de uma forma especial, por toda a rapaziada do Alandroal, mas aqueles que moravam no Largo e Rua de S. Bento, davam-se ares de que, pela proximidade real com o sítio, aquela Festa era, prioritariamente, deles!
É que havia ali um verdadeiro exército, pois as proles eram numerosas! Ao tempo havia, ali, 20 rapazes e raparigas em idade escolar! Comparem com o número existente, hoje, naqueles locais! Deixo no ar e no vosso imaginário a comparação!
Na véspera, com a porta fechada mas com o postigo entreaberto, o meu pensamento estava focado no evento! Mal ouvia um barulho estranho, corria à porta e contava o número de feirantes.
Quando a tarde já ia avançada e o sol se escondia no horizonte, a plebe saía à rua e liderada pelos mais velhos rumava, num assomo incontido de alegria e curiosidade, a S. Bento. As nossas mães estavam alerta mas, havia sempre maneira de nos escaparmos para o local da Feira que, diga-se, não era longe!
No caminho, junto às Sobreiras, degustávamos umas opíparas amoras silvestres, ali postadas pela mãe natureza! Reconfortados os estômagos lá íamos ver os preparativos dos feirantes e, nas nossas cabeças, fazíamos o alinhamento da feira - o carrocel, as barracas do brinhol e dos brinquedos, o local da feira do gado, enfim… o imaginário das crianças a funcionar!
Quem, com a minha idade, dormia na véspera da feira? O meu pai, o Mestre Lila, era “avisado” para me acordar às 6 da manhã! Mas não era preciso! Na manhã desse dia, nas Rua e no Largo de S. Bento o barulho era Rei: ouviam-se os chocalhos, o mugir das vacas, o berro dos bois, o balir das ovelhas e cabras, o zurrar dos burros, o relinchar dos cavalos, o grunhir dos porcos, o ruído das carroças e de alguns (poucos) automóveis – tudo cheirava a FEIRA!
 (As pessoas mais idosas referem que houve, em tempos não muito longínquos, uma cerimónia religiosa/pagã onde se benzia o gado. Esta cerimónia deixou de fazer-se e eu, com a minha provecta idade, não me lembro da sua existência).
Até ao meio-dia ocorriam os negócios virados para as transações na feira do gado e, a partir da hora de almoço, a animação da feira irrompia com a chegada dos habitantes do Alandroal e dos lugares limítrofes, enchendo aquele espaço.
É o dia da Feira! Fazem-se negócios! Ecoam no ar as vozes dos vendedores da “banha da cobra” , o barulho do  carrocel, a mistura de sons e cheiros das barracas de comes e bebes, da fritura do brinhol, dos pregoeiros da venda de água … enfim, coisas próprias de uma festa popular!
A rapaziada da minha idade e os mais velhos sabem que esta Feira era, à época, apelidada de “FEIRA DOS CALMÊROS” (neologismo alandroalense) pelo facto dos rapazes aparecerem na Feira com uma nova namorada, dando assim um “chega para lá” à antiga princesa! Dizia-se, naquele tempo, que as raparigas namoradeiras só iam à Feira acompanhadas dos namorados, não fosse o diabo tecê-las! Levar um “calmêro” é que não!
Um lamento acolhe ao meu espírito:  a Feira de S. Bento morreu há  muitos anos!
 Que os “deuses” do Alandroal e os seus habitantes ganhem coragem para que o milagre da ressurreição da Feira de S. Bento seja uma realidade!
O facto de a ter vivido, de a ter amado, de não a ter esquecido  e, por sentir que muitos dos meus conterrâneos a lembram com saudade, tocou-me a nostalgia, escrevi estas linhas e espero despertar as mentes e os corações  dos “deuses” e das gentes do Alandroal!
Alenquer (Ota), 03 de Maio de 2020
Martinho Roma da Vila.

1 comentário:

francisco tátá disse...

Uma vez compraram-me uma bola na Feira de S. Bento. O Peixota viu a bola - «deixa-me lá dar um chuto» - Deu-o de tal maneira que a mesma foi parar a um faval que existia ali entre muros... até hoje nunca mais a vi....
E a alegria que era quando o Domingos Peças de surpresa aparecia na feira a anunciar que nessa noite havia cinema... E já espigadote...quando eu e o Balsante chegávamos à barraca do Manitas e ele dizia logo: «a primeira é por conta da casa» - Pudera já sabia que até se por o sol era ali o poiso da gente! - Era a abertura oficial da imperial que depois tinha seguimento nos Prazeres. Bons tempos....