I. - Dizer que o Arnaldo do Valadas transportava no
bolso da camisa um carrocel de luzinhas com anarquismos à cintura, é capaz de
ser pouco. Acrescentemos que fez parte da Vila e do poial da Fonte. Quando ele
chegava, noites quentes de verão, começava uma esperada e contagiante agitação.
Era um ser marcadamente alandroalense que morava em
prédio da mãe e loja do pai no Caminho da Fonte. Mas a sua capital era Lisboa.
E a sua cidade era uma certa rua e o bingo de Badajoz. Os “Restauradores” esses
estavam também, ali perto, na Praça da Republica.
Quando a seguir começava a falar já se sabia que as
conversas tomavam rumos imprevisíveis e desatinados. Bastante criativos. Tinha
a palavra fácil e os pensamentos ágeis. Poucas vezes, se sabia o que dali
viria. Era um «ser total» à revelia do sistema bem falante.
Era assim mesmo, porque tinha uma linguagem
descomprometida e dizia o que bem entendia. “Malandros, aldrabões e gatunos”
eram palavras frequentes no seu dicionário local e compêndio da vida nacional.
Três são as qualidades praticas que devemos realçar no
Arnaldo do Valadas : nunca gostou de se autoflagelar; gostava mais de estar do
lado das soluções do que dos problemas; e nunca foi de nada nem de ninguém.
Quando calhava, voava alto em vez de deixar que a vida o afogasse. Era um
libertino que (des) votava livre por decisão própria.
Não casou, preferindo sempre estar solto e ir
solteirando a sua vida. Nisso foi lucido porque previa que não há «amores
eternos». E porque também sabia que um casamento transporta regras e
incomodidades várias. Ou que, dificilmente, uma mulher lhe aguentaria tantos e
tão diversos anarquismos.
II. - Enquanto cidadão não era dotado de rigores éticos.
Definia com muita clareza, o que eram os seus interesses directos. Frontal, era
um livre conversador com humor acutilante. Ria-se de quase tudo, a começar por
si próprio, não sendo um daqueles sujeitos falsamente bondosos.
Fumante, não dava cigarros a ninguém. Calões, fossem
comprá-los, e assim vendia repetidamente.
Em termos políticos, o Arnaldo Valadas, era um grande
sarilho. Não era fixável. Não era de modas. Não contemporizava com nada nem com
ninguém.
Abria a garganta e dizia sem qualquer contemplação
para quem o quisesse ouvir (e para quem gostava de o ouvir…) que não era
comunista, não era socialista, não era social democrata: “são todos uns
malandros e uns gatunos”; falam, falam, mas o que não querem é trabalhar.
Incomodam-me quando se riem nas televisões e continuam a lixar-nos.
Sabia, portanto, o que não era desde o estado novo de
salazar ao caetano. Assim como assumia
bem o que era. Nem soarista nem cunhalista. Se alguma manifesta inclinação
tinha era pelo Anarquismo. “Sou do mundo, se é isso que querem saber”.
Terminava a confusão, acrescentando, vão para “a put@
que os pariu”, rematando a coisa com um sorriso. Dava meia dúzia de passos em
direcção a casa a fingir que ia deitar-se. Voltava e redizia, “ são todos uns
malandros”. Enganaram-me!
Não parava nestas justificações e a seguir logo
repetia (para os mais perplexos) que não era capitalista, não era imperialista,
não era pro americano nem era nenhum russo. Para quem não o conhecesse,
dizia-se, mas este tipo está completamente maluco?…
Se calhar estava, mas era principalmente isso que lhe
dava um certo gozo. O maior dos Gozos, não se levar a sério. Nem ele nem a
ninguém. Lá ou cá!
Então, quem era afinal o Arnaldo do Valadas?
III.- Enquanto pessoa, tinha uma enorme preferência na
vida: ser como foi, por diversas vezes, “Chauffer de Táxi” em Lisboa. Era o seu
mundo. O seu Cantinho dos Artistas, Mayer ParK.
Tinha, aliás, uma personalidade adequada à profissão . Conversava bem, à
esquerda e à direita. Preferia pensar instrumentalmente da barriga para baixo.
Seduzia sempre quem queria e às horas que queria, madrugada adiante.
Somos testemunhas disso. Guiava muitíssimo bem,
conhecia Lisboa como poucos. Andava de boné à taxista. Praticava as amizades
que escolhia e aqui, ou mais além, também dava provas de “um coração
sentimental” sem olhar ao escalão social das Meninas com quem frutificava e
amava.
Desde que fosse Menina, era um impulso forte que lhe
vinha de dentro e lhe subia rente e sem travões dos pés à cabeça.
Em síntese, não se perdia em conversas que metessem
valores fixos. Não trocava devaneios por prazeres directos. Não se perdia a
trabalhar mas também não enjeitava destrabalhar. Inaugurou “a venda de cervejas
no Jardim das Meninas”. Não era elegante nem vestia capazmente. Era um
comerciante que comprava rápido, vendia depressa e se, pudesse lucrava
velozmente.
Foi sempre cumprindo o lado utilitário da vida,
esperando requintadamente pelo seu lado agradável. Uma noite partiu subitamente
para o purgatório já lá vão uns anos.
Sem sabermos se já saiu de lá e, em que céu poderá
estar, o que deve contar-se aqui, é que deixou muitas «saudades anarquistas» em
quem com ele conviveu.
Fez falta ao Alandroal e à Praça durante anos. Os
arnaldos recordam-se e precisam-se. Ou estarei enganado?
Saudações
Antonio
Neves Berbem
( 28 de Novembro de 2017)
1 comentário:
Rendo-me à "arnaldice" aqui plasmada que me seduziu por bem descrever o amigo Arnaldo Passos que nos deixou há já alguns anos mas que perdura nas nossas memórias com arrobas de saudades pela maneira matreira e acintosa como dizia e logo desdizia qualquer conversa que, parecendo séria, logo a fazia cair no ridículo, saindo airosamente da situação criada. Excelente retrato aqui feito pela excelente (desculpem a iteração) caneta do nosso amigo TÓ ZÉ Berbém. Um abraço especial para o Tó Zé ew para todos os Alandroalenses de raiz ou de estaca.
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