terça-feira, 28 de novembro de 2017

PESSOAS QUE NÃO SE ESQUECEM - Por A.N.B.

           ARNALDO  VALADAS, um carrocel de anarquismos
I. - Dizer que o Arnaldo do Valadas transportava no bolso da camisa um carrocel de luzinhas com anarquismos à cintura, é capaz de ser pouco. Acrescentemos que fez parte da Vila e do poial da Fonte. Quando ele chegava, noites quentes de verão, começava uma esperada e contagiante agitação.
Era um ser marcadamente alandroalense que morava em prédio da mãe e loja do pai no Caminho da Fonte. Mas a sua capital era Lisboa. E a sua cidade era uma certa rua e o bingo de Badajoz. Os “Restauradores” esses estavam também, ali perto, na Praça da Republica.
Quando a seguir começava a falar já se sabia que as conversas tomavam rumos imprevisíveis e desatinados. Bastante criativos. Tinha a palavra fácil e os pensamentos ágeis. Poucas vezes, se sabia o que dali viria. Era um «ser total» à revelia do sistema bem falante.
Era assim mesmo, porque tinha uma linguagem descomprometida e dizia o que bem entendia. “Malandros, aldrabões e gatunos” eram palavras frequentes no seu dicionário local e compêndio da vida nacional. 
Três são as qualidades praticas que devemos realçar no Arnaldo do Valadas : nunca gostou de se autoflagelar; gostava mais de estar do lado das soluções do que dos problemas; e nunca foi de nada nem de ninguém. Quando calhava, voava alto em vez de deixar que a vida o afogasse. Era um libertino que (des) votava livre por decisão própria. 
Não casou, preferindo sempre estar solto e ir solteirando a sua vida. Nisso foi lucido porque previa que não há «amores eternos». E porque também sabia que um casamento transporta regras e incomodidades várias. Ou que, dificilmente, uma mulher lhe aguentaria tantos e tão diversos anarquismos. 
II. - Enquanto cidadão não era dotado de rigores éticos. Definia com muita clareza, o que eram os seus interesses directos. Frontal, era um livre conversador com humor acutilante. Ria-se de quase tudo, a começar por si próprio, não sendo um daqueles sujeitos falsamente bondosos.
Fumante, não dava cigarros a ninguém. Calões, fossem comprá-los, e assim vendia repetidamente.
Em termos políticos, o Arnaldo Valadas, era um grande sarilho. Não era fixável. Não era de modas. Não contemporizava com nada nem com ninguém.
Abria a garganta e dizia sem qualquer contemplação para quem o quisesse ouvir (e para quem gostava de o ouvir…) que não era comunista, não era socialista, não era social democrata: “são todos uns malandros e uns gatunos”; falam, falam, mas o que não querem é trabalhar. Incomodam-me quando se riem nas televisões e continuam a lixar-nos.
Sabia, portanto, o que não era desde o estado novo de salazar  ao caetano. Assim como assumia bem o que era. Nem soarista nem cunhalista. Se alguma manifesta inclinação tinha era pelo Anarquismo. “Sou do mundo, se é isso que querem saber”.
Terminava a confusão, acrescentando, vão para “a put@ que os pariu”, rematando a coisa com um sorriso. Dava meia dúzia de passos em direcção a casa a fingir que ia deitar-se. Voltava e redizia, “ são todos uns malandros”. Enganaram-me! 
Não parava nestas justificações e a seguir logo repetia (para os mais perplexos) que não era capitalista, não era imperialista, não era pro americano nem era nenhum russo. Para quem não o conhecesse, dizia-se, mas este tipo está completamente maluco?…
Se calhar estava, mas era principalmente isso que lhe dava um certo gozo. O maior dos Gozos, não se levar a sério. Nem ele nem a ninguém. Lá ou cá!
Então, quem era afinal o Arnaldo do Valadas?
III.- Enquanto pessoa, tinha uma enorme preferência na vida: ser como foi, por diversas vezes, “Chauffer de Táxi” em Lisboa. Era o seu mundo. O seu Cantinho dos Artistas, Mayer ParK.
Tinha, aliás, uma personalidade  adequada à profissão . Conversava bem, à esquerda e à direita. Preferia pensar instrumentalmente da barriga para baixo. Seduzia sempre quem queria e às horas que queria, madrugada adiante. 
Somos testemunhas disso. Guiava muitíssimo bem, conhecia Lisboa como poucos. Andava de boné à taxista. Praticava as amizades que escolhia e aqui, ou mais além, também dava provas de “um coração sentimental” sem olhar ao escalão social das Meninas com quem frutificava e amava.
Desde que fosse Menina, era um impulso forte que lhe vinha de dentro e lhe subia rente e sem travões dos pés à cabeça.
Em síntese, não se perdia em conversas que metessem valores fixos. Não trocava devaneios por prazeres directos. Não se perdia a trabalhar mas também não enjeitava destrabalhar. Inaugurou “a venda de cervejas no Jardim das Meninas”. Não era elegante nem vestia capazmente. Era um comerciante que comprava rápido, vendia depressa e se, pudesse lucrava velozmente.
Foi sempre cumprindo o lado utilitário da vida, esperando requintadamente pelo seu lado agradável. Uma noite partiu subitamente para o purgatório já lá vão uns anos.
Sem sabermos se já saiu de lá e, em que céu poderá estar, o que deve contar-se aqui, é que deixou muitas «saudades anarquistas» em quem com ele conviveu.
Fez falta ao Alandroal e à Praça durante anos. Os arnaldos recordam-se e precisam-se. Ou estarei enganado?
Saudações
    Antonio Neves Berbem
( 28 de Novembro de 2017)


1 comentário:

Martinho Roma disse...

Rendo-me à "arnaldice" aqui plasmada que me seduziu por bem descrever o amigo Arnaldo Passos que nos deixou há já alguns anos mas que perdura nas nossas memórias com arrobas de saudades pela maneira matreira e acintosa como dizia e logo desdizia qualquer conversa que, parecendo séria, logo a fazia cair no ridículo, saindo airosamente da situação criada. Excelente retrato aqui feito pela excelente (desculpem a iteração) caneta do nosso amigo TÓ ZÉ Berbém. Um abraço especial para o Tó Zé ew para todos os Alandroalenses de raiz ou de estaca.