Baseado em Textos do
Dr. Alexandre Laboreiro.
Portuguesas com História
«O homem é pólvora e a mulher centelha».
Lope de Vega
(Escritor, Poeta e Dramaturgo
Espanhol - 1562/1635)
Mário Dionísio - num dos seus poemas -
refere-se, lamentando, do seguinte modo (carregado de um teor
neo-realista) ao País: «... País indiferente aos que dão por ele a vida //
País herói se não há perigo em sê-lo //
País de velhos dos Restelo // dando à mão-baixa perto e consentida //
País que tudo quer e nada quer tudo suporta //
País do faz como vires fazer
// País do quero lá saber // do
quem vier depois que feche a porta.»
Vítima, certamente, de uma cabal carência de Educação e
Aculturação ao longo da sua História, o seu Povo não compreendeu e não
acompanhou (corroborando) as iniciativas, por vezes heróicas, de alguns
Portugueses e Portuguesas, que expuseram a vida perante o perigo - no
intuito de proporcionarem uma vida mais digna aos seus concidadãos: atitude de
alheamento altamente percentual, que permitiria
- por exemplo - ao
Estado Novo perseguir centenas de Professores (do Ensino Primário, Secundário e
Universitário) - demitindo-os, impedindo os seus concursos, ou
prendendo-os como criminosos políticos.
E, porque vimos a falar de Mulheres Portuguesas, é saudável
lembrar a figura de Maria da Fonte no contexto da Revolução Liberal; acentuar o
papel das Mulheres Republicanas (no eclodir da Revolução de 5 de Outubro)
- Mulheres que apoiariam (como
enfermeiras, como aguadeiras, como “correio” de mensagens e alimentos) os
soldados revoltosos e acantonados na Rotunda
- permitindo a vitória da
República e da Democracia; não esquecendo o Movimento das Mulheres
Anti-Fascistas, que prestavam apoio social aos presos políticos (e às
Famílias) - durante o regime deposto com a Revolução de
Abril.
E, no âmbito de acentuar a importância de uma aculturação de
um Povo - a fim de lhe proporcionar uma existência em
Democracia (logicamente mais digna, uma vez que uma Democracia autêntica
despoleta condições económicas, culturais, educativas, sociais e políticas mais
consentâneas com a dignidade do Homem), ocorre-nos recordar a Figura de Maria
Amália Vaz de Carvalho, nascida em Lisboa em 1847, escritora, poetisa, primeira
mulher a ingressar na Academia das Ciências de Lisboa (1912) - e
que alertou o país para a importância do reconhecimento de direitos do sexo
feminino, não só através da sua obra, mas também pelo salão literário que
manteve na sua casa, à Travessa de Santa Catarina, em Lisboa, durante várias
décadas. Nele participando os mais importantes intelectuais do seu tempo (Eça
de Queirós, Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão, Bernardino Machado, Sousa
Martins... Júlio Dantas) que o considera o “último salão literário” da capital.
Neste âmbito, escreveria Dantas: «O seu salão famoso, que ouviu, não apenas a
conversação de tão nobres espíritos, mas a primeira leitura de algumas das
obras que os imortalizaram, ficará - mesmo quando a memória desta suave e gentilíssima
Mulher se houver desvanecido - na história da sociedade portuguesa
contemporânea».
Foi feminista no sentido de que defendeu os direitos humanos
das mulheres. Não o foi na medida em que não pretendeu a plena igualdade
jurídica entre os sexos. Reconheceu, no entanto, que a mulher se encontrava
numa situação de desigualdade jurídica e que a inferioridade sócio-económica em
que vivia era resultado da vontade dos homens.
Ao referir-se à Mulher da “Alta Sociedade”, descreve-a do
seguinte modo, Maria Amália:«A mulher de sala fala umas poucas línguas, com
facilidade e fluência; escreve bem, com uma certa graça adquirida que não
oculta a frivolidade, mas que a envolve em véu rendilhado; não conversa com
vivacidade e com chiste, sabe dar aos “pequenos nadas” da sua vida uma
elegância que ilude os incautos... A
mulher de sala vive para todos, menos para os seus. Veste-se, despe-se, reza,
confessa-se, recebe visitas, tagarela, agrada, encanta, mas no meio deste labirinto
de pequenas ocupações, de pequenos deveres, de pequenas caridades oficiais, de
pequenas práticas devotas, ignora completamente tudo o que pode constituir a
verdadeira missão da Mulher no mundo e na Família».
Ora, para Maria Amália, esta ignorância tem consequências
nefastas na vida da Família e no indispensável progresso social, em geral, dado
que as mulheres «ignorantes impõem
resistência inconsciente às transformações contínuas do progresso. Retrógradas
por educação e por natureza, cada inovação se lhe afigura uma coisa inútil, ou
uma coisa perigosa. Amesquinhadas por uma profunda escuridão intelectual em que
jazem imersas, em vez de auxiliarem o homem no cumprimento difícil do dever,
afastam-no pelo desdém, desanimam-no pela frivolidade, cansam-no com exigências
loucas, gastam-lhe a força, o alento, as aspirações arrojadas e grandes na
satisfação de desejos pueris, ou lhe destroem a dignidade e lhe atenuam a
energia, obrigando-o a transigir com desvairamentos de uma imaginação doentia».
Ora, para retirar a Mulher do atraso cultural em que se
encontra, Maria Amália propõe que lhe seja dada instrução em diferentes áreas
do saber: nomeadamente, ciências, geografia, história, literatura -
permitindo-lhe desempenhar bem o seu “papel providencial na família”,
bem como “cumprir os seus deveres de esposa e de mãe”.
Neste cômputo, é assim de assinalar a defesa, por parte de
Maria Amália Vaz de Carvalho, do estatuto sócio-jurídico da Mulher,
inclusivamente do direito à Educação (mas igualmente do direito ao Trabalho)
para que esta “se baste a si própria” e tenha “uma acção própria, independente
e não subordinada aos caprichos alheios”.
Fazendo “mea culpa”, do seu eventual exagero na exigência
para com as Mulheres, Maria Amália, diria: «o meu orgulho, a minha vaidade
feminil me levam a dar às Mulheres uma importância que mais ninguém lhe quer
reconhecer. Eu digo que delas provêm todos os males, porque estou
convencida - talvez sem razão - que
delas podiam provir todos os bens».
Com uma maior Democratização do nosso País (embora a
extensão do direito de voto só se alargue às Mulheres em finais dos anos 60, e
só se assista - já em plena Democracia de Abril - a
uma autêntica distribuição democrática do voto), seria lógico que a Liberdade,
democraticamente assumida, traria reflexos à Cidadania entre nós: uma Cidadania
assumida nos Direitos Constitucionais, assente no dever cívico de respeitar o
lugar ideológico dos outros cidadãos, com base numa Constituição que visa uma
época alargada - respeitando a nossa História (base da nossa
existência como País independente), mas visando um futuro de autêntico
Humanismo, assente no Progresso, na Educação, na Cultura, na Justiça - uma
autêntica realização dos Portugueses, enquanto Homens e Cidadãos.
José Alexandre Laboreiro
Publicado no “Montemorense”
Out. 2016 – Transcrição autorizada pelo Autor
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