quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

LUGAR À CULTURA

           Baseado em Textos do Dr. Alexandre Laboreiro.

Portuguesas com História
                                           Maria Amália Vaz de Carvalho
«O homem é pólvora e a mulher centelha».
 Lope de Vega
(Escritor, Poeta e Dramaturgo Espanhol  - 1562/1635)

Mário Dionísio  -  num dos seus poemas  -  refere-se, lamentando, do seguinte modo (carregado de um teor neo-realista) ao País: «... País indiferente aos que dão por ele a vida  //  País herói se não há perigo em sê-lo //  País de velhos dos Restelo  //  dando à mão-baixa perto e consentida  //  País que tudo quer e nada quer tudo suporta  //  País do faz como vires fazer  //  País do quero lá saber  //  do quem vier depois que feche a porta.»
Vítima, certamente, de uma cabal carência de Educação e Aculturação ao longo da sua História, o seu Povo não compreendeu e não acompanhou (corroborando) as iniciativas, por vezes heróicas, de alguns Portugueses e Portuguesas, que expuseram a vida perante o perigo  -  no intuito de proporcionarem uma vida mais digna aos seus concidadãos: atitude de alheamento altamente percentual, que permitiria  -  por exemplo  -  ao Estado Novo perseguir centenas de Professores (do Ensino Primário, Secundário e Universitário)  -  demitindo-os, impedindo os seus concursos, ou prendendo-os como criminosos políticos.
E, porque vimos a falar de Mulheres Portuguesas, é saudável lembrar a figura de Maria da Fonte no contexto da Revolução Liberal; acentuar o papel das Mulheres Republicanas (no eclodir da Revolução de 5 de Outubro) -   Mulheres que apoiariam (como enfermeiras, como aguadeiras, como “correio” de mensagens e alimentos) os soldados revoltosos e acantonados na Rotunda  -  permitindo a vitória da República e da Democracia; não esquecendo o Movimento das Mulheres Anti-Fascistas, que prestavam apoio social aos presos políticos (e às Famílias)  -  durante o regime deposto com a Revolução de Abril.
E, no âmbito de acentuar a importância de uma aculturação de um Povo  -  a fim de lhe proporcionar uma existência em Democracia (logicamente mais digna, uma vez que uma Democracia autêntica despoleta condições económicas, culturais, educativas, sociais e políticas mais consentâneas com a dignidade do Homem), ocorre-nos recordar a Figura de Maria Amália Vaz de Carvalho, nascida em Lisboa em 1847, escritora, poetisa, primeira mulher a ingressar na Academia das Ciências de Lisboa (1912)  -  e que alertou o país para a importância do reconhecimento de direitos do sexo feminino, não só através da sua obra, mas também pelo salão literário que manteve na sua casa, à Travessa de Santa Catarina, em Lisboa, durante várias décadas. Nele participando os mais importantes intelectuais do seu tempo (Eça de Queirós, Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão, Bernardino Machado, Sousa Martins... Júlio Dantas) que o considera o “último salão literário” da capital. Neste âmbito, escreveria Dantas: «O seu salão famoso, que ouviu, não apenas a conversação de tão nobres espíritos, mas a primeira leitura de algumas das obras que os imortalizaram, ficará  -  mesmo quando a memória desta suave e gentilíssima Mulher se houver desvanecido  -  na história da sociedade portuguesa contemporânea».
Foi feminista no sentido de que defendeu os direitos humanos das mulheres. Não o foi na medida em que não pretendeu a plena igualdade jurídica entre os sexos. Reconheceu, no entanto, que a mulher se encontrava numa situação de desigualdade jurídica e que a inferioridade sócio-económica em que vivia era resultado da vontade dos homens.
Ao referir-se à Mulher da “Alta Sociedade”, descreve-a do seguinte modo, Maria Amália:«A mulher de sala fala umas poucas línguas, com facilidade e fluência; escreve bem, com uma certa graça adquirida que não oculta a frivolidade, mas que a envolve em véu rendilhado; não conversa com vivacidade e com chiste, sabe dar aos “pequenos nadas” da sua vida uma elegância que ilude os incautos...  A mulher de sala vive para todos, menos para os seus. Veste-se, despe-se, reza, confessa-se, recebe visitas, tagarela, agrada, encanta, mas no meio deste labirinto de pequenas ocupações, de pequenos deveres, de pequenas caridades oficiais, de pequenas práticas devotas, ignora completamente tudo o que pode constituir a verdadeira missão da Mulher no mundo e na Família».
Ora, para Maria Amália, esta ignorância tem consequências nefastas na vida da Família e no indispensável progresso social, em geral, dado que as mulheres «ignorantes       impõem resistência inconsciente às transformações contínuas do progresso. Retrógradas por educação e por natureza, cada inovação se lhe afigura uma coisa inútil, ou uma coisa perigosa. Amesquinhadas por uma profunda escuridão intelectual em que jazem imersas, em vez de auxiliarem o homem no cumprimento difícil do dever, afastam-no pelo desdém, desanimam-no pela frivolidade, cansam-no com exigências loucas, gastam-lhe a força, o alento, as aspirações arrojadas e grandes na satisfação de desejos pueris, ou lhe destroem a dignidade e lhe atenuam a energia, obrigando-o a transigir com desvairamentos de uma imaginação doentia».
Ora, para retirar a Mulher do atraso cultural em que se encontra, Maria Amália propõe que lhe seja dada instrução em diferentes áreas do saber: nomeadamente, ciências, geografia, história, literatura  -  permitindo-lhe desempenhar bem o seu “papel providencial na família”, bem como “cumprir os seus deveres de esposa e de mãe”.
Neste cômputo, é assim de assinalar a defesa, por parte de Maria Amália Vaz de Carvalho, do estatuto sócio-jurídico da Mulher, inclusivamente do direito à Educação (mas igualmente do direito ao Trabalho) para que esta “se baste a si própria” e tenha “uma acção própria, independente e não subordinada aos caprichos alheios”.
Fazendo “mea culpa”, do seu eventual exagero na exigência para com as Mulheres, Maria Amália, diria: «o meu orgulho, a minha vaidade feminil me levam a dar às Mulheres uma importância que mais ninguém lhe quer reconhecer. Eu digo que delas provêm todos os males, porque estou convencida  -  talvez sem razão  -  que delas podiam provir todos os bens».
Com uma maior Democratização do nosso País (embora a extensão do direito de voto só se alargue às Mulheres em finais dos anos 60, e só se assista  -  já em plena Democracia de Abril  -  a uma autêntica distribuição democrática do voto), seria lógico que a Liberdade, democraticamente assumida, traria reflexos à Cidadania entre nós: uma Cidadania assumida nos Direitos Constitucionais, assente no dever cívico de respeitar o lugar ideológico dos outros cidadãos, com base numa Constituição que visa uma época alargada  -  respeitando a nossa História (base da nossa existência como País independente), mas visando um futuro de autêntico Humanismo, assente no Progresso, na Educação, na Cultura, na Justiça  -  uma autêntica realização dos Portugueses, enquanto Homens e Cidadãos.

José Alexandre Laboreiro    
Publicado no “Montemorense” Out. 2016 – Transcrição autorizada pelo Autor


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