quinta-feira, 2 de novembro de 2006

CRÓNICAS DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM

Mais duas crónicas emitidas aos microfones da:

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Recordar os 70 anos da abertura do Tarrafal
Eduardo Luciano

Quinta, 02 Novembro 2006
Vivemos numa época em que, por força da existência de um mundo unipolar, muitos são os que tentam reescrever a história, silenciando o que os incomoda, deturpando factos, teorizando sobre perspectivas dificilmente suportadas em fontes fidedignas.
O próprio ensino da disciplina é atirado para o limbo das matérias que muitos consideram inúteis, fazendo companhia à filosofia.
Este ambiente em que o presente é já passado e o passado mais remoto só interessa a meia dúzia de lunáticos sem mais nada para fazer, é o ideal para o branqueamento de figuras e regimes que no passado serviram os interesses das classes possessoras, através de ditaduras que usaram todos os instrumentos de repressão para atingirem os seus intentos.
Passam agora 70 anos sobre a data em que o regime de Oliveira Salazar inaugurou um campo de concentração no arquipélago de Cabo Verde, num sítio chamado Tarrafal.
A data passou quase despercebida na maioria dos órgãos de comunicação social. São coisas do passado, sem interesse noticioso, dirão os arautos da comunicação imediata e sem tempo de reflexão.
Não é a minha opinião. Reflectir sobre o passado, mostrar aos que felizmente o não viveram, é condição essencial para não se repita.
Apresentar Salazar como o mago que equilibrou as contas públicas (curioso não é?) e ignorar que no seu consulado existiu um campo de concentração por onde passaram, durante os 19 anos da sua existência, 340 portugueses presos e deportados por terem a ousadia de resistir à ditadura, é, no mínimo, fazer um óptimo serviço póstumo ao ditador e aos seus sequazes.
É preciso lembrar. É preciso lembrar que o Campo de Concentração do Tarrafal foi inaugurado no dia 29 de Outubro de 1936. É preciso lembrar que os 340 resistentes que por lá passaram somaram, no seu todo, dois mil anos, onze meses e cinco dias de prisão. É preciso lembrar que 32 desses resistentes lá morreram às mãos dos seus carrascos. É preciso lembrar que só 19 anos depois, em 26 de Janeiro de 1954, de lá saiu Francisco Miguel, o último resistente a ser libertado daquele campo de concentração. É preciso lembrar o Tarrafal, Caxias, Peniche, o Aljube. É preciso não deixar cair no esquecimento o nome dos responsáveis por uma ditadura que durou 48 anos. Os que deram a cara por ela e os que a suportaram em nome dos seus interesses de classe.
Coisas do passado dir-me-ão. Serão? Não me parece. O Congresso dos Estados Unidos, a pretexto da luta contra o terrorismo, legalizou o uso de práticas de tortura como a estátua ou a tortura do sono.
A forma mais eficaz de evitar a repetição de tais crimes, não é seguramente fingir que não aconteceram.
Para que não me acusem de estar virado para o passado, uma nota da actualidade. No passado sábado, enquanto saboreava o café matinal, passei os olhos pelo jornal cá da terra. É uma edição espantosa. Em 24 páginas, o senhor Presidente da Câmara aparece em 8 fotografias, uma delas ocupando a totalidade da primeira página… e a única coisa inaugurada foi uma exposição de relógios. Só há uma conclusão a tirar… ele há gente muito fotogénica

Crónica de 1 de Novembro de Hélder Rebocho

Quinta, 02 Novembro 2006
A Ministra da Cultura veio anunciar ao país o fim da iniciativa “ Capitais Nacionais da Cultura”.
O aviso já fora feito em 2005, quando Isabel Pires de Lima, afirmou na cidade de Évora que no ano de 2006 não haveria Capital Nacional da Cultura porque o modelo necessitava de ser avaliado.
Este foi o prelúdio de uma morte anunciada da iniciativa criada no governo Socialista de António Guterres e que nunca foi bem aproveitada por Coimbra e Faro, as cidades eleitas para organizar o evento em anos anteriores.
Évora, que há muito reclamava esse estatuto vê assim afastada a possibilidade de aproveitar as condições óptimas, que a riqueza e diversidade do seu património histórico representam, para se afirmar como cidade de cultura no panorama Nacional.
Esfumou-se no anúncio da Ministra da Cultura a possibilidade de aproveitar o título de Cidade Património Mundial, para acolher uma iniciativa com forte impacto em sectores fundamentais para o desenvolvimento de Évora no presente e no futuro, como o turismo, a requalificação urbana e o crescimento da diversidade cultural.
Porém, o mais constrangedor, não reside no facto de Évora já não poder ser Capital Nacional da Cultura, mas antes, na falta de estratégia para aproveitar o facto de ser Cidade Património Mundial.
Na verdade, falta visão para planificar o desenvolvimento da nossa cidade de acordo com as suas características próprias, aproveitando aquelas que são as suas reais potencialidades.
É necessário definir um rumo, saber com convicção o que se pretende que Évora seja a curto e médio prazo e estabelecer uma estratégia nesse sentido, não se pode pretender que a cidade seja tudo, porque assim, nunca virá a ser nada.
Por isso sejamos claros.
Évora não é uma cidade industrial, nunca foi, não faz parte da sua identidade. É isso sim, uma cidade com enorme potencial a nível cultural, onde o desenvolvimento terá que passar, necessariamente, pela dinâmica concertada entre o turismo e a cultura.
No entanto, é cada vez mais notório o empobrecimento cultural da cidade, com efeitos colaterais de relevo no turismo. O título de cidade património mundial atribuído pela Unesco vai caindo no esquecimento, porque aqui pouco ou nada se passa.
Tal com à mulher de César, não basta sê-lo é necessário parecê-lo e Évora em termos culturais não parece uma Cidade Património Mundial.
Afinal, para onde caminha esta cidade?
Parece querer ir para todos os lados e não vai a lado nenhum, navega desgovernada ao sabor das ondas.
É necessário arrepiar caminho, tendo a cultura como factor determinante do desenvolvimento e afirmação nacional, mas para isso não basta organizar um ou outro evento de cariz cultural com contornos tímidos e envergonhados.
A Ministra da Cultura justificou a opção política da candidatura de Guimarães a Capital Europeia da Cultura em 2012 com o facto de ser uma Cidade Património da Humanidade, com um centro histórico alvo de uma recuperação exemplar, salientando ainda as infra-estruturas e as acessibilidades de que dispõe.
Évora, é Património Mundial, tem um centro histórico tão rico como o de Guimarães, embora necessite de reestruturação, tem razoáveis acessibilidades, faltam-lhe naturalmente as infra-estruturas e sobretudo, a progressiva afirmação como uma cidade de cultura.
O mote está dado, assim haja vontade política e capacidade de iniciativa para que sejam criadas condições que viabilizem não uma candidatura de Évora a Capital Europeia da Cultura, mas a transformação da cidade como capital permanente da cultura.

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