terça-feira, 22 de outubro de 2019

CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM


                                                        CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
                              Quem não os conhecer…
Não, esta crónica não é sobre a composição do 22º Governo que, até a alguns que queriam manter a coligação anterior, ouvi acusar de serem afinal os mesmos de que, ou por estarem mais sossegados, ou por esbracejarem mais, não gostavam. Esta crónica é sobre os resultados, ainda provisórios, dos Concursos Sustentados Bienais da DGArtes para Évora. Muito em particular, a indignação geral com o não financiamento ao CENDREV.
Sei do que falo por experiência anterior de quatro anos a lidar com agentes culturais profissionais que, naturalmente ainda que infelizmente, dependem exclusivamente de fundos públicos para existirem. Digo naturalmente, porque esta cultura a que temos direito não gera os recursos financeiros para se sustentar, e deve por isso o erário público assegurar que todos usufruamos dela. E digo infelizmente porque, houvesse públicos ávidos para dela usufruírem, já dinheiros privados acorreriam para as promover. Como aliás acontece com a cultura popular, por vezes apenas apreciada pelo seu lado de entretenimento. Injusta exclusividade de apreciação, que diz muito mais sobre a bolha em que vivem certas elites do que da falta ou da presença de qualidades, que muitos dos seus agentes têm e podem ser motivo de argumentação.
Quando comecei, no concelho de Évora, a lidar com este assunto do financiamento das estruturas culturais, e implementámos em 2011 um regulamento (que, apesar de muito criticado pela então oposição, continua em vigor, ao que julgo), deparei-me com três situações protagonizadas pelos chamados “conceituados agentes culturais da cidade”. Situações que não posso esquecer e que, parecendo ter regressado ao espírito e à forma de existência de então, em nada me levam a ficar admirada com os resultados do dito concurso. Chocada sim, continuo, pela inconsciência de si-próprio e pela alienação face ao mundo em que vivemos e que, mesmo não gostando e querendo mudá-lo, requer mais do que pergaminhos guardados num baú de décadas.
As três situações, relacionadas com apoios municipais, foram então as seguintes: a primeira, a de que qualquer apoio que não fosse em euros parecia irrelevante, como se ter “cama, mesa e roupa lavada” não aliviasse a sobrevivência de qualquer instituição ou indivíduo. A segunda foi a de perceber que se considerava normal que um apoio público não dependesse de uma política a enquadrar os destinos desse apoio, política essa com programas próprios de incentivo à criação artística ou de públicos em que quem paga gosta de ver o retorno desse investimento (e não, não falo de cenas popularuchas, falo de outras cenas que criem o interesse do público no que é diverso, com tudo o que o adjectivo implica). E finalmente, perceber que havia estruturas ou agentes que achavam que lhes bastava uma espécie de brasão ou estandarte para que os dinheiros públicos, o que é de todos nós e que deviam gerir, os financiassem. Sem necessidade de prestar contas e aferir com os financiadores programas regulares para além dos que “era costume”, sem se provar, para além das impressões dos amigos, o impacto que a sua actividade tinha na população que contribui para apoiar a sua existência. Como se estivessem acima de todos os outros, sobretudo os mais recentes ou mais periféricos, quer no sistema cultural, quer dentro da geometria geográfica que estava em causa. Sendo assim, quem não os conhecer que estranhe o resultado. Eu conheço-os. E, já agora, gostava de conhecer, a par da indignação, os argumentos do júri a justificar a decisão.
Até para a semana.


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