terça-feira, 29 de maio de 2018

VASCULHAR O PASSADO

Uma vez por mês Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e costumes de outros  tempos

                                       A Banda Filarmónica da Sociedade Pedrista
A história das Bandas Filarmónicas em Portugal está intimamente ligada à história do movimento associativo, que brotou da Revolução Liberal Portuguesa, ocorrida no Porto em 24 de Agosto de 1820, que decretou uma Constituição que eliminava as estruturas do absolutismo e construía uma nova ordem social e política, assente na igualdade dos homens perante a lei e na soberania da Nação.
            As ideias liberais fizeram germinar por todo o país, as populares Bandas Filarmónicas, que desde então, começaram a ser vistas como peças fundamentais do nosso Património Cultural.
            A alusão mais antiga, feita a uma banda filarmónica do concelho de Montemor-o-Novo, refere a "Filarmónica Montemorense", fundada em 1830, para abrilhantar uma festa religiosa.
            Face ao desaparecimento de alguns dos seus componentes, e à velhice dos poucos que restavam, em 30 de Junho de 1861, um outro grupo apareceu como continuador do primeiro, desta vez, constituindo-se em sociedade, legalmente organizada, ficando a chamar-se "Sociedade Antiga Filarmónica Montemorense". Foi uma forma simpática de homenagear a primitiva filarmónica.
            Pelo facto de ter sido Carlos o seu primeiro regente, diz-se, veio depois à filarmónica a alcunha de "Carlista", nome com que, mais vulgarmente passou  a ser conhecida. Dentro da sua sede, a única divisa era somente a política musical. Dentro deste basilar princípio, progressistas, regeneradores, republicanos e socialistas, esqueciam os seus credos políticos e partidários, e apenas actuavam no campo da sua agremiação musical, a sua Sociedade Filarmónica. Mas, foi irmandade de pouca duração.
            No Portugal oitocentista, a vida política era bastante conturbada, pois os Partidos Progressista e Regenerador alternavam-se no poder, e as acesas lutas a nível das cúpulas, estenderam-se por todo o país. Não obstante, os estatutos da Sociedade Filarmónica proibirem quaisquer discussões menos dignas que, por palavras ou gestos, possam afectar a moral, as crenças religiosas ou políticas dos seus sócios, alguns associados transportaram as suas opções políticas para a colectividade, causando um mau ambiente. Fruto desta situação, um grupo de sócios abandonou a colectividade, que funcionava na Rua Nova, no edifício onde hoje se encontra a Óptica Havaneza, e começou a trabalhar, no sentido de formar uma nova agremiação, com banda filarmónica.
            Enquanto na "Carlista" ficaram as tendências liberais mais conservadoras, na nova colectividade baptizada de “Círculo Montemorense”, integraram-se membros mais progressistas.
            Por meio de acções conseguem os progressistas construir um soberbo edifício para sede do "Círculo Montemorense", também conhecido por "Pedrista". Esta designação, deve-se, segundo consta, ao nome do seu primeiro mestre musical se chamar Pedro. A primeira sede da Pedrista foi inaugurada em 28 de Junho de 1864, e em 1888 o edifício passou a ser propriedade da Carlista...
            Três anos depois de terem ficado sem sede, a Pedrista inaugura em 29 de Janeiro de 1891 um luxuoso edifício-sede, que ainda hoje permanece inalterado.

 A guerra entre as duas colectividades, ainda agora começou, mas o seu resumo, não cabe no texto deste artigo. Os interessados em conhecerem este longo historial do associativismo montemorense, podem consultar o meu livro "Sociedade Carlista - pedaços da sua história".
            Depois deste preâmbulo, segue-se um pouco do percurso da Banda da Pedrista: A Banda, participou regularmente em vários eventos, concertos, touradas, arruadas e festas religiosas, principalmente na Vila Notável e também no centro e no sul do país, e ainda, em encontros  e concursos de bandas.  No Concurso de Bandas Civis realizado em Reguengos de Monsaraz em 25 de Agosto de 1935, sob a regência de Henrique Cruz, a banda filarmónica montemorense obteve o 2.º lugar. O Diploma que testemunha este feito, encontra-se exposto na Sala da TV da Pedrista (parte da antiga sala de ensaios).
            Em 1937, no tempo do seu laureado regente Serra e Moura (cuja foto se encontra na mesma sala), a Banda com 42 elementos, foi premiada numa deslocação a Lisboa, onde participou num certame de Bandas Civis.
            Faz ainda parte do seu historial a actuação na inauguração do Estádio 1.º de Maio do Grupo União Sport em 1 de Maio de 1927, e na inauguração do coreto do nosso Jardim Público,  em 1 de Janeiro de 1933. Mas, a cereja em cima do bolo foram os concertos realizados em Lisboa: três concertos executados na Grande Exposição Industrial Portuguesa realizada no Parque Eduardo VII em Novembro de 1932, e um concerto realizado na antiga Feira Popular em Setembro de 1946 sob a regência do Maestro Luciano Graça.
            Participação da Grande Exposição Industrial Portuguesa – A Banda do Círculo Montemorense e as centenas de pessoas que a acompanharam desde Montemor, chegaram à estação de Lisboa cerca das 14,00 horas do dia 7 de Novembro de 1932. No Formosíssimo hall da estação e no largo fronteiro eram os viajantes esperados pelos montemorenses residentes em Lisboa, e que, para homenagearem a Banda, se tinham reunido, dias antes, no Grémio Alentejano.
            Após os cumprimentos e os abraços entre tantos amigos que há muitos anos não se viam, a Banda, acompanhada pelos directores da Sociedade, Senhores Luís Leal Pires, Júlio Guerra Pereira, Horácio Macedo e Agostinho Lopes Borges, e por uma grande multidão, dirigiu-se, pela rua Augusta e Rossio, para a sede do Grémio Industrial (actual Casa do Alentejo), executando durante o percurso, magníficos passo-dobles. A passagem da Banda pelas principais artérias de Lisboa constituiu um sucesso, e, por isso, a larga rua de Santo Antão se encheu completamente de povo.
            Às janelas do Grémio Literário havia dezenas de senhoras da colónia Alentejana de Lisboa, que deram uma estrondosa salva de palmas à chegada da Banda.
            A Direcção da Sociedade, e o regente, Senhor Henrique Cruz, receberam, numa das salas do grémio, os cumprimentos da importante colectividade, que lhe foram apresentados pelos ilustres directores, Senhores Dr. Estanislau de Almeida e Vítor Santos. Depois da visita às esplêndidas instalações do Grémio, que a todos maravilhou pela sua sumptuosidade, a Banda deu um soberbo concerto no Salão Nobre, executando o seguinte programa: Lisboa, Marcha, H. Cândido; Loin da Pays, Ouverture, Herman; Cantos do Alentejo, Moraes; Les Cloches de Corneville, Planquete; Marcha Indiana, Selenik; Pepita Gréns, P.D. Chovi.
            A assistência, que era composta por centenas de alentejanos, aplaudiu calorosamente os filarmónicos e o seu regente, que também recebeu os cumprimentos de músicos militares, ilustres pela sua categoria, como os maestros Senhores Tenente Armando Fernandes, Capitão Pinto Nogueira e outros.
            Num dos intervalos do concerto, o Senhor Dr. Estanislau de Almeida, em nome do grémio, saudou a Banda do Círculo Montemorense.
.           A assistência aplaudiu com entusiasmo o orador, a quem respondeu, em nome da Banda do Círculo Montemorense, o Senhor Cipriano d’ Oliveira Barreto que apreciou, num improviso magnífico, a obra notável do grémio em favor da  nossa província, e o acolhimento carinhoso que os montemorenses tinham recebido.
            No Salão de Baile foi oferecido, após o concerto e pelos montemorenses residentes em Lisboa, um excelente “Porto de Honra” e “champanhe”.
            O Senhor Leopoldo Nunes, falando em nome da comissão, pronunciou um discurso primoroso, pelas ideias e pelo recorte literário. Saudando a Banda do Círculo e todos os montemorenses que tinham ido a Lisboa, acentuou que os seus companheiros só viam neles a terra querida, aquele Montemor onde tinham perdido as  mais lindas ilusões da mocidade e onde pessoas amadas vibravam na mesma ternura e saudade.
            Analisou, em seguida, o movimento social, para destacar a importância de todos os núcleos, mutualistas ou recreativos, que abracem todos os homens no mesmo propósito de cooperação para o bem estar geral. Recordou alguns nomes de grandes amigos de Montemor-o-Novo e da Banda do Círculo, que a morte levou, e concluiu, vivamente apoiado pela assistência, desejando que todos os montemorenses, sem distinção de credos e de ideologias políticas, se unam para que Montemor-o-Novo retome a direcção do brilhante destino a que tem direito.
            O discurso do Senhor Leopoldo Nunes causou grande sensação, ouvindo-se muitos vivas a Montemor-o-Novo, ao seu progresso e à união de todos os montemorenses.
            Falou depois, novamente, o Senhor Dr. Estanislau de Almeida, para saudar a linda e importante vila de Montemor-o-Novo, onde esteve tantas vezes quando novo, e para destacar a superioridade artística da Banda do Círculo, e a influência que a música tem na vida social dos povos.
            O Senhor Padre Lopes Manso, distinto poeta e grande alentejano, fez uma prelecção interessante sobre o sentido musical dos alentejanos que não é mais do que o reflexo da harmonia, que se observa em todo o Alentejo.
            O Senhor José Gregório de Almeida, ilustre poeta e publicista, como montemorense, recordou a nossa Terra num magnífico feixe de imagens literárias, de belo conceito e pureza de forma.
            O Senhor Luís Fragoso Amado, propôs uma saudação à Imprensa de Lisboa e do Alentejo, sendo calorosamente secundado.
            Por último, o Senhor Cipriano de Oliveira Barreto, em nome da Banda e de Montemor-o-Novo, agradeceu as belas palavras que ouvira, em louvor da sua Terra e dos seus patrícios.
            Com muitas palavras e vivas se encerrou, cerca das 19,00 horas, a encantadora festa, que foi, sem favor, uma das mais importantes, que se têm realizado no Grémio Alentejano.
            Os concertos da Banda do Círculo Montemorense foram calorosamente aplaudidos – À noite, e no Pavilhão de Honra da Exposição (actual Pavilhão Carlos Lopes), perante um público bastante numeroso, apesar da chuva abundante e do frio, a Banda do Círculo Montemorense deu o melhor concerto, de quantos ali se têm dado até agora. Além das manifestações de carinho da assistência, os filarmónicos e o seu regente foram homenageados, pelo Comissário da Exposição, Senhor Major Melo Vieira.
            Na terça feira, de manhã, a Banda, com o Estandarte, os Directores da Sociedade e muitos montemorenses, dirigiram-se ao cemitério do Alto de S. João, a fim de deporem ramos de flores na campa do saudoso maestro Francisco Maurício de Magalhães, autor do Hino da Sociedade Pedrista.  Leopoldo Nunes pronunciou algumas palavras de saudade. Houve lágrimas em todos os olhos e fez-se justiça ao antigo regente da Banda do Círculo Montemorense e ao grande amigo do progresso e bom nome de Montemor-o-Novo.
            À tarde, e à noite, a Banda da Pedrista deu mais dois concertos no recinto da Exposição, sendo, de ambas as vezes, aplaudida com entusiasmo por uma grande multidão.
            Antes de ser iniciado o concerto da noite, foi oferecido pelo Comissário da Exposição, Senhor Major Melo Vieira, uma linda batuta, com dedicatória ao regente da Banda, Senhor Henrique Cruz.
            Na quarta feira, no Salão Nobre do Grémio, foram, oferecidas, pela sua Direcção, para serem colocadas no estandarte da Banda, duas lindas fitas, como recordação da ida a Lisboa da Banda Pedrista.
            A Banda retirou-se para Montemor-o-Novo no comboio de quarta feira à noite, tendo à sua despedida em Lisboa sido alvo de mais uma grande manifestação por parte dos montemorenses residentes na capital.
            À sua chegada à Vila Notável, era aguardada por muito povo, que a acompanhou até à sua sede.
            No dia 4 de Outubro de 1950, após a participação na Procissão que conduziu as venerandas relíquias de S. João de Deus que vieram propositadamente de Granada, da Igreja Matriz até ao Hospital Infantil, a Banda da Sociedade Pedrista suspendeu a sua actividade ao fim de oitenta e seis anos de existência, para nunca mais a retomar.
            Quando das comemoraçõe do centenário da  Pedrista, a Direcção organizou um almoço de homenagem aos antigos filarmónicos que honraram a farda da desaparecida Banda Filarmónica.
            Mas, vinte e oito anos depois desta justa homenagem, só restam três filarmónicos: Mestre José Salgueiro (prestes a completar 100 anos de idade), seu irmão João, e Nicolau Catita. Porque não, homenagear estes Sócios de Mérito, na próxima Sessão Solene comemorativa do 128.º aniversário da Pedrista ?

Augusto Mesquita -  in Folha Montemor Maio 2018 - transcrição autorizada pelo Autor



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