EDUARDO LUCIANO
ESPREMER ATÉ NÃO HAVER SUMO
A
arte e a cultura são coisas menores, dizem os comentadores do café da esquina
embalados pelo discurso corrente dos que constroem opinião.
Os que decidem
sobre os apoios à criação artística têm um discurso diferente, mais elaborado,
defendendo a existência de actividade artística com o mínimo de meios porque há
coisas muito mais importantes a resolver antes de proporcionar o acesso e
fruição das artes e da cultura em geral.
Com esse discurso
alimentam concursos onde põem a competir gente de realidades diferentes e
possibilidades diferentes para a obtenção da migalha do orçamento colada à
percentagem inexistente. Colada ao zero, ainda que separada dele por umas curtas
décimas.
Este ano o
resultado do concurso promovido pela dgartes conseguiu o milagre de tornar o
país ainda mais assimétrico, de fechar portas a companhias e criadores e de
tornar letra morta a letra moribunda do texto constitucional que refere o acesso
generalizado à cultura.
Quando na
Assembleia da República o PCP propôs, em sede de Orçamento de Estado, um
conjunto alargado de medidas que alterassem o rumo das políticas públicas de
apoio às artes e colocasse como mínimo o valor disponibilizado em 2009, antes
dos cortes operados pelo governo do PS dirigido por Sócrates, conseguiu que PS,
PSD e CDS votassem contra tais propostas.
Preferiram apostar
em mais do mesmo, em coerência com as políticas prosseguidas ao longo de
décadas, provavelmente fazendo contas aos votos dos que acham que a arte e a
cultura é coisa de ricos que já resolveram todos os outros problemas nos seus
países, ou que acham que o acesso a esse bem deve ser para quem o pode pagar.
O resultado que
agora se conhece não se deve apenas aos malefícios deste último concurso.
Deve-se a décadas de subfinanciamento, de subalternização, de incompreensão do
papel da cultura na vida das populações para a criação de pensamento crítico e
exigente.
Quanto mais gente
acede à cultura e à arte, menos gente discute com base em preconceitos sem
sentido ou com premissas injectadas massivamente por outros.
O momento que
atravessamos é de tal gravidade que corremos o risco de ver desaparecer
companhias e criadores com décadas de existência difícil e de resistência
heróica, em particular no interior do país.
Em Évora essa
situação pode bem vir a acontecer com um projecto exemplar de descentralização
teatral iniciado após a Revolução de Abril.
O país é pobre, o
dinheiro não chega para tudo, estamos a sair de uma situação difícil, é o
argumento dos que defendem a tese do aguentem se conseguirem.
Não há 25 milhões
para repor a disponibilidade dos apoios de 2009, mas há milhares de milhões
para injectar em bancos levados à falência por agiotas que os descapitalizaram em
proveito próprio e da sua corte de amigos.
Não é possível
dedicar 1% do PIB à cultura, mas é possível pagar muito mais que isso em juros
de dívida contraída para que uns quantos pudessem ter vivido acima das nossas
possibilidades.
Perante a situação
criada só há um caminho: a luta organizada. A correcção dos resultados destes
concursos não é questão de contestação aos supostos argumentos técnicos dos
decisores, é uma questão do reforço imediato da verba disponibilizada de forma
a não excluir ninguém.
A questão não é
técnica (nunca é) a questão é política.
Até para a semana
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