CLÁUDIA SOUSA
PEREIRA
HUMOR(ES)
Ainda
não tinha chegado a Semana Santa e já em Portugal, à margem de assuntos ditos
mais sérios, aconteceram dois momentos em que se protagonizaram piadinhas por
parte de individualidades de quem se esperava que o sentido de humor
correspondesse à elevação que devem querer dar aos cargos que ocupam na
sociedade. Os casos interessam-me porque, para além de tudo o resto, vêm
confirmar-me a importância que dou ao que se passa nas margens do que muitas
vezes se tem como unicamente importante por estar no centro das atenções e que,
afinal, pode até funcionar como forma de distrair do que se passa “à margem”.
O
primeiro caso aconteceu com o Presidente da República num encontro com
autarcas, enquanto posavam todos para a fotografia. Cito aqui exactamente o
texto onde li a transcrição do momento, um verdadeiro tesourinho de mau-gosto:
“Já pensaram? Uma bomba aqui era uma crise nas áreas metropolitanas”, atirou
Marcelo, acrescentando: “A única vantagem é que libertavam o Presidente”. Por
esta altura, Marcelo já tinha colocado um sorriso no rosto dos autarcas, mas
prosseguiu: “Mas já viram o funeral que era? (…) de urnas em fila. Os Jerónimos
não tinham capacidade”. “Isto é uma conversa entusiasmante”, notou Fernando
Medina, entre risos. Marcelo não desiste da piada: “Havia um problema de
mobilidade … Como é que era possível a saída?”
Já
o outro momento, protagonizado por figuras das extremas, direita e esquerda, é
bastante revelador e merece-me registo. Até para que não se diga que o uso do
humor não revela o que vai dentro das cabeças das pessoas que o fazem, o lugar
onde nascem as ideologias e donde saem, através das palavras e dos gestos. Mais
uma vez, cito como li: “o fundador do Bloco de Esquerda, comentava a ambição
eleitoral da líder do CDS quando disse que esse partido “pode ter esta coisa da
modernidade, é muito moderno, até tem um dirigente que diz que é gay, ai
que moderno que ele é”. A referência irónica à homossexualidade assumida por
Adolfo Mesquita Nunes, vice do CDS, mereceu resposta do próprio no twitter e
também com ironia: “Os meus suspensórios são muito mais giros, essa é que
é essa”.
Com
a morte e a orientação sexual, dois temas sérios e reais, fracturantes ou
agregadores, o humor é relativamente frequente, feito ou por gente comum ou por
profissionais – os humoristas – e, por vezes, até circula entre quem é visado
pelas piadas numa nota evidente de autoconfiança. Daí a que seja um Presidente
da República a “brincar” com situações de terrorismo, a actual forma de guerra
mundial, de que nenhum de nós está livre de ser vítima; ou que seja o fundador
de um Partido que parece sempre reclamar para si o monopólio dos direitos e
defesa contra a descriminação por orientação sexual, a usar como argumento
político uma piadinha a roçar o piropo ofensivo, vai uma grande distância. Não
podem reclamar-se como modelos de comportamento, querendo com isso ser
representantes do bom-senso, e depois terem estes deslizes. Se não basta
parecer e se tem de ser, também não basta ser também se tem de parecer. E,
neste equilíbrio, a alguns nem a sombrinha, nem as sapatilhas aderentes parecem
evitar a queda. Resta saber de que fibra é feita a rede que os ampara: se de
fios de gente assim gracejadores, se de nós de gente com dois dedos de testa
que valoriza o tento na língua.
Até
para a semana.
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