Após alguns meses de
interregno retomamos hoje esta rubrica que de há doze anos para cá vimos
mantendo no Al Tejo.
Por motivos de excesso de
trabalho e alterações habitacionais com consequências na adaptação dos meios
informáticos, o nosso Colaborador Rufino Casablanca, viu-se forçado a
interromper a sua colaboração no nosso Cine Clube.
Diligenciámos junto do
Professor Henrique José Lopes, Cronista
da matéria cinematográfica do mensário “Folha de Montemor”, cujas crónicas desde
há muito nos haviam cativado, e que por certo serão também do seu agrado.
Profundo conhecedor desta
matéria com inúmeros textos publicados, conferências, comunicações e debates é
um expert no que diz respeito à sétima arte.
Também no capítulo
musical tem obra de vulto não só como compositor, mas como intérprete EM vários
agrupamentos sobejamente conhecidos.
Amavelmente o Prof. Henrique Lopes, acedeu ao
nosso pedido. Assim e com título de « DO
CINEMATÓGRAFO PARA A PÓLIS …» , vamos retomar a rubrica “Cine Clube Domingos Maria Peças”,
valorizando com esta nova colaboração este espaço feito a pensar em si.
Obrigado Henrique
Chico Manuel
DO CINEMATÓGRAFO PARA A
PÓLIS …
Por Henrique
José Lopes
O mutismo e a máscara em
Ingmar Bergman e a amnésia mascarada em que nos governa
A propósito de alguns acontecimentos recentes, lembrei-me do
filme “A Máscara” (Persona), datado
de 1966 e realizado pelo mestre Ingmar Bergman. É um daqueles filmes, que a
quem o
consiga ver com olhos de ver, nos marca para
sempre (quem não conhece
bem a obra de Bergman, não conhece bem o cinema). Ancorado em duas personagens
femininas (sendo que uma delas praticamente não fala), em prodigiosos grandes
planos (a câmara de Sven Nykvist) e nos diálogos, que no fundo são monólogos
proferidos por uma enfermeira (uma notável Bibi Andersson) que é incumbida de
tratar de uma atriz (uma Liv
Ullmann, que sem dizer uma palavra, oferece-nos
uma igualmente portentosa interpretação) que entrou em estado de mutismo
enquanto estava em palco a representar Electra.
Há medida que vai falando com a paciente e sem receber respostas desta, vai
ouvindo o eco das suas próprias palavras. O confronto consigo própria, com os
seus próprios fantasmas torna-se inevitável. Uma busca do seu verdadeiro eu. A
um dado momento, num dos mais memoráveis planos da história do cinema, os
rostos das duas se fundem num só, já não se sabe quem é quem. Quem é a doente,
quem é a paciente.
Parece não existir nada em comum entre o que se segue e
aquele que o saudoso diretor da Cinemateca Portuguesa, Bénard da Costa, que o
considerava o melhor filme de Bergman, mas existe. Num vídeo que circula no
YouTube e que é muito partilhado (as razões são obvias), o primeiro-ministro
deste desgoverno chegou a afirmar mesmo que e passo a citar: “Depois há muitos
que deviam pagar os seus impostos e não pagam e porquê? Porque não declaram as
suas atividades.”
Agora que lhe bateu à porta e lhe descobriram a careca, veio
afirmar que se atrasou por distração e por falta de dinheiro. Disse também que
ninguém é perfeito. É verdade. Mas a imperfeição não é desculpa para se
cometerem certo tipo de erros. Há já algum tempo que a frase de “desculpa de
mau pagador”, não fazia tanto sentido. É igualmente verdade que muita gente se
atrasa e tem falta de dinheiro.
O problema de Passos é outro, e é aqui que a compreensão se
esgota, metido no seu absoluto autismo, auto desculpando-se, finge não perceber
os outros e os seus problemas, muitos em consequência da sua governação. Passos
Coelho exigiu e exige aos outros o que não conseguiu exigir para si próprio.
Isto lembra-me um ditado popular que todos bem conhecemos: “ fazes o que eu
digo, mas não faças o que eu faço”. Esta história de Passos Coelho não é a
mesma coisa que a história do médico que apesar de fumar e de saber que tal é
prejudicial à sua saúde, ele sabe que tem o dever de dizer ao seu paciente para
não o fazer. Por mais que ele queira que nós acreditemos que assim seja.
Para Passos Coelho não lhe saiu um coelho da Cartola, entrou
um coelho na sua Cartola. E isto não é propriamente a história de “era uma
vez…um coelhinho…”. Com a vida das pessoas não se brinca. Como muito bem lembra
um cartaz que circula no Facebook, a amnésia (não aquela que é o motor do
genial filme de Bergman) parece ter tomado conta de personalidades como Passos
Coelho, Cavaco Silva, Ricardo Salgado, Oliveira e Costa ou Zeinal Bava. Este
por exemplo, muito premiado, mas muito amador, como muito bem afirmou a
deputada Mariana Mortágua na Comissão de Inquérito, perante a ausência de
respostas de Bava, que parecia assim, estar mais nas idades dos «porquês».
O
vírus do neoliberalismo, puro e duro, parece ter apagado os dados dos discos
rígidos da memória destas personalidades, a quem o poder e o dinheiro parecem
ter feito muito mal, não a eles, mas aos outros. É urgente encontrar um eficaz
“antivírus” para a lhes devolver e, começarem a pagar o que devem às pessoas,
ao país, não só dinheiro (com o dinheiro dos outros qualquer um faz figura…),
mas também a saúde, a educação, assim como a humanização em vez da humilhação.
Querem-nos confinar à passividade, ao conformismo, à ausência
de pensamento critico, ou melhor, querem que a amnésia, o mutismo, também se
instalem em nós para melhor nos controlarem, e nos ordenar como rebanhos
acríticos e bem comportados. A amnésia que atingiu a personagem de Liv Ullmann
do filme de Bergman vem da sua profunda humanidade ou da busca dela, e de quem
atualmente nos governa, da sua desumanidade. Com a “Máscara” que Bergman nos
mostra, aprendemos um pouco mais sobre o ato de viver ou a pelo a
conhecermo-nos melhor, com a amnésia destes senhores, apreendemos justamente o contrário.
Como se fossemos meros números de uma qualquer folha de Excel…sem vida…
Henrique Lopes
(In Folha de Montemor, março de 2015)
3 comentários:
É com bastante satisfação que Felicito o AL TEJO pela activação das cronicas dedicadas ao CINEMA integradas no CINE CLUB DOMINGOS MARIA PEÇAS na pessoa do Sr Fernando Tata e no Professor Henrique Jose Lopes.
Quanto á cronica sobre o filme A MASCARA está plenamente enquadrada na situação actual do nosso País.
PARABÉNS.
Cumprimentos
Artemiso Peças
***** á cronica cinema
***** ás considerações politicas
António Mestre
"do Cinematógrafo para a Pólis"
Que belo e sugestivo subtítulo para uma crónica sobre cinema!
Muito tempo depois das fitas do Sr. Domingos Maria Peças, muito tempo depois daqueles serões encantados, muito tempo depois de uma adolescência vivida com relativa descontração, não quero deixar marcas de Pólis neste comentário.
Falemos então de cinema apenas.
Tem o cronista a razão toda quando fala de Bergman e do filme "Persona".
É exactamente como diz. Eu só acrescento que esse filme continua a ser um enigma para todos nós. Bem... pelo menos para mim. Visto e revisto, já lhe encontrei alguns sentidos, mas desconfio que o realizador lhe quis dar outros que eu ainda não atingi.
Já agora, e já que estamos com a mão na massa, aproveito para fazer aqui uma publicidade encapotada: No Espaço Nimas, em Lisboa, decorre um ciclo dedicado a Ingmar Bergman, de 25 de Junho a 5 de Agosto, com exibição de filmes deste autor, em vários horários, a preços módicos, só possíveis nos tempos que correm porque são patrocinados pela embaixada da Suécia.
Com os meus cumprimentos ao autor do texto e ao blogue
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