quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

CRÓNICA DE OPINIÃO DA RÁDIO DIANA/FM

Velhos novos e novos velhos - Eduardo Luciano

20-Dec-2007

A quadra natalícia aproxima-se e, apesar de todas as crises, as pessoas movimentam-se nas lojas à procura das prendas para oferecer aos familiares e amigos. Este ano, como em todos os outros, ouvem-se alguns comentários sobre o preço das coisas e há sempre quem diga: só faço isto pelas crianças. É curioso como o impulso de adquirir produtos para presentear, se vira para as crianças deixando para os muito mais velhos as eternas peúgas, cachecóis, xailes ou pijamas.
Na altura de escolher o que oferecer aos mais velhos parece que ficamos de imaginação tolhida, quase como se não vale-se a pena “investir” em quem está, teoricamente, mais perto de deixar a vida. Esta desvalorização dos que têm mais idade porque, dizem, “o futuro pertence à juventude”, é-nos vendida diariamente por tudo o que é forma de comunicação. Mas de facto existem muitos velhos que têm a dar à humanidade muito mais que alguns jovens que começaram a vida de joelhos e se contentam com isso. Este mês o arquitecto Óscar Niemeyer cumpriu o seu centésimo aniversário. Projectou uma cidade e criou edifícios únicos, como o Copan em São Paulo, o Museu de Arte Contemporânea em Niteroi ou a Universidade Científica e Tecnológica de Argel. Aos cem anos, Niemeyer continua a projectar e a acompanhar os seus projectos. É, apesar de estar cronologicamente mais perto da morte, um homem de futuro. Que acredita na mudança, que acredita ter projectado a cidade de Brasília para outra política, que há-de vir. Este homem sem idade, quer, a caminho dos 101 anos, concluir vários projectos que iniciou em Cuba. Por outro lado, todos conhecemos gente que tem à sua frente décadas de sobrevivência e cuja única preocupação é a ambição mesquinha da sua satisfação pessoal. Gente que nem lhe passa pela cabeça arriscar uma ideia contrária à corrente dominante. Que imita os tiques do líder do momento, vivendo entre as baias do politicamente correcto, utilizando a linguagem da suposta modernidade e servindo, se necessário, de lacaio a quem julga que lhe irá permitir a ascensão que lhe tornará a vida mais confortável. São, na minha opinião, jovens sem futuro. Gente que, como disse um dia Manuel Branco, “envilece” mais depressa do que envelhece. Todos os velhos são como Óscar Niemeyer? Todos os jovens são como os que descrevi? Obviamente que não. Por isso não faz qualquer sentido, este acentuar de preconceitos em relação aos velhos ou aos jovens. Cada ser humano vale pelo que realizou, pelo que projecta realizar, para si, mas principalmente para os outros. Serão sempre melhores os que têm margem para envelhecer. E há quem tenha margem para envelhecer aos 100 e quem aos 30 já seja tão velho, tão velho, que já só lhe resta arrastar a carcaça nas décadas de vida que lhe sobram. Óscar Niemeyer tem projectos para terminar, Manoel de Oliveira tem, aos 99 anos, quinze projectos de filme na sua cabeça, Saramago está, aos 85 anos, a escrever um novo romance. Há, por esse mundo fora, milhões de velhos anónimos que todos os dias lutam abnegadamente por dias melhores, sabendo que provavelmente já não os irão viver. É gente com os olhos no futuro.
Até para a semana

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