Quebrou-se a tradição que desde que me conheço, assisti.
Como é doloroso neste dia ver daqui da tapada da Vinha a Igreja Matriz, descolorida, sem efeitos, luzes e bandeiras, que nos outros anos pareciam acenar-me, assim como a toda a população de Terena, visitantes e familiares, agravando em mim a falta do tio Parente, (um dia será aqui recordado) empertigado e vaidoso á frente da banda.
Não ouvir, quase sempre na cama, o ribombar dos foguetes, pesados murteiros, na alvorada, que assustavam os mais pequenos, para pouco depois ouvir a banda tocar o hino de Nossa Senhora da Boa Nova. Não ver o iluminar do Céu, quando da chegada da Senhora á Igreja Matriz.
A noite anterior foi escura e triste, como triste é a decorrência do dia de hoje, mas o meu lenço branco, que guardo de ano, para ano está no largo do Santuário a acenar á Virgem, á Boa Nova.
Outro.
Recolhida a procissão de ontem e como estamos noutra festa, convido-os para irmos a um baile, Não sei dançar e grande não sou, mas acreditem não sou, nem nunca fui velhaco. Não registei na minha memória nenhum fato relacionado com as orquestras que ontem vos falei, pelo que esta dança demarca-se daquela música. O baile é no Casão do senhor Zé Argolia, na mais pitoresca aldeia do Concelho, a aldeia das Hortinhas. Não é necessário fato de cerimónia, Todos gente modesta. Não façam cerimónia, entrem, e,
Como é doloroso neste dia ver daqui da tapada da Vinha a Igreja Matriz, descolorida, sem efeitos, luzes e bandeiras, que nos outros anos pareciam acenar-me, assim como a toda a população de Terena, visitantes e familiares, agravando em mim a falta do tio Parente, (um dia será aqui recordado) empertigado e vaidoso á frente da banda.
Não ouvir, quase sempre na cama, o ribombar dos foguetes, pesados murteiros, na alvorada, que assustavam os mais pequenos, para pouco depois ouvir a banda tocar o hino de Nossa Senhora da Boa Nova. Não ver o iluminar do Céu, quando da chegada da Senhora á Igreja Matriz.
A noite anterior foi escura e triste, como triste é a decorrência do dia de hoje, mas o meu lenço branco, que guardo de ano, para ano está no largo do Santuário a acenar á Virgem, á Boa Nova.
Outro.
Recolhida a procissão de ontem e como estamos noutra festa, convido-os para irmos a um baile, Não sei dançar e grande não sou, mas acreditem não sou, nem nunca fui velhaco. Não registei na minha memória nenhum fato relacionado com as orquestras que ontem vos falei, pelo que esta dança demarca-se daquela música. O baile é no Casão do senhor Zé Argolia, na mais pitoresca aldeia do Concelho, a aldeia das Hortinhas. Não é necessário fato de cerimónia, Todos gente modesta. Não façam cerimónia, entrem, e,
Bota cá licença que eu quero enfueirar. (penso ser Enfileirar)
Recordar é um sentir contínuo de emoções, é tornar a viver.
Já não lembro do nome da rapariga, mas creio que deveria ser Maria, Mariana ou Maria Mariana, talvez Ana ou Anabela.
Bela era de verdade e da sua natural beleza bem me recordo.
Tinha estatura meã, rosto redondo, boca pequena e lábios semi-carnudos. Olhos redondos, de cor castanha, irrequietos e cativantes.
Quando a observava de frente e lhe via os seus bonitos olhos, lembrava-me sempre da canção imortalizada, pelo grande cantor Eborense, Francisco José, “ Teus olhos castanhos de encantos tamanhos, são pecados meus”.
A rapariga tal como nós dois, não era nenhum pecado.
Estávamos no começo do nosso despertar.
A rapariga encantava, não só pelo seu olhar, mas também pelo seu andar, leve como uma pena.
Qualquer vestido, blusa ou saia lhe ficava bem, ainda que fosse de tecido modesto.
Quando vestia a saia rodada de cor azul celeste, os rapazes não tiravam os olhos dela, á espera que uma rabanada de vento lhe levanta-se a saia e permitisse ver aquela parte mais recatada do seu corpo. Para surpresa e desgosto dos rapazes lá estava o saiote a proteger aquela parte mais íntima.
A rapariga nascera e morava na Aldeia das Hortinhas, povoação que eu e meu amigo começámos a frequentar desde muito novos.
Íamos, de noite, aos pardais á horta do tio Saul e do Sheletra.
Quando havia baile por lá ficávamos.
A rapariga deu-nos nas vistas e, ambos começamos a sentir, por ela, uma certa simpatia. E por vezes aos Domingos á tarde passávamos por lá.
Comecei a notar que o meu amigo nutria, por ela, algo mais do que simpatia.
Chegado o Carnaval o João disse-me:
- Segunda-Feira vamos ao baile às Hortinhas, quero puxar namoro á .... (como já disse, não me recordo do nome).
Fiquei surpreendido pela aquela firme atitude do João.
Só em sonho a admitia.
Nesta corrida pôs-me de lado por antecipação do João.
Acompanhei-o sem reservas.
Entre ambos crescera uma amizade de rua, do jogo da bola, do afincão e sobretudo da ribeira do Lucefecit, uma amizade firme e duradoira.
O baile realizava-se no casão do senhor José Argolia e era abrilhantado por um tocador da aldeia. Havia quatro ou cinco tocadores de concertina e de harmónio, recordo-me do Dionísio, do Galhafo e do Roupa.
O Dionísio passou depois a tocar órgão e um dia, abrilhantou a festa de São Sebastião, em Terena, que há dezasseis anos não se realizava.
Nesta Vila também havia tocadores.
O tio Prego que quando tocava, alguém parodiou,
- Lá soa a porca do Charló - claro que o homem afinava.
O que me parecia tocar melhor ou talvez o que eu mais gostava de ouvir era o Senhor Inácio Vitorino, pai do Zé Vitorino que deu o seu nome ao campo de Futebol.
O mais castiço tocador de concertina era o Manuel Infante.
Quando tocava, já pingado, sentado numa cadeira muito baixa, que ainda me recordo, tal como dele, no seu acto de tocar.
A concertina de cor preta e de desenhos luzentes pendia, quando ele tocava, toda para a sua direita, enquanto ele balouçava o corpo para a esquerda, com o pé direito sempre a marcar o compasso.
Era uma estranha maneira de tocar e, rumores soaram, se ele tocasse noutra posição não o conseguiria.
O mestre Manuel Sapateiro e o Peças quiseram fazer-lhe uma pirraça.
Ataram, sem que o Infante desse por isso, (as calças á boca-de-sino também ajudaram) um cordel ao seu pé direito.
A determinada altura da dança e quando o baile estava no seu apogeu puxaram o cordel.
Alto e pára o baile.
O Infante parou de tocar tentando puxar o pé para a frente. Dão-lhe guita.
Segue a dança.
O Infante toca, não por muito tempo, porque o pé é puxado novamente.
Nova paragem.
Os dançantes começaram a inquietar-se. Pé outra vez com guita.
Segue a dança, com o Infante sempre na mesma posição.
O baile, assistentes e dançantes, apercebendo-se daquela partida, começam a rir. Foi então que o Peças e o Manuel sapateiro soltaram o pé do tocador, no meio de gargalhada geral.
O Infante que só deu pela prisão do pé no momento da soltura disse:
- Foi para isto que vocês me fizeram beber mais um copo.
E era assim, em alegre e salutar convívio, que se iam passando as datas festivas.
Ai, esqueci-me do João.
Venham connosco. Vamos ao baile. Façam-nos companhia.
Vestidos á “Feiras e Festas” com gravada de nó semi-cónico chanfrado, impecável, que o meu tio António, farmacêutico de profissão, me ensinara a fazer.
Subimos a última ladeira que dá para as Hortinhas, de repente, caem umas pedras vindas do lado esquerdo, detrás da parede duma tapada. Refugiámo-nos na barreira da estrada.
Disse para o João - Vamo-nos embora - Não vamos, vou dizer quem somos, - respondeu-me.
Gritou, sou fulano e beltrano. As pedras pararam.
O João mais uma vez me surpreendeu. Estava disposto a correr qualquer risco pela rapariga.
A noite estava amena e a distância, cerca de 500, 600 metros, que nos faltavam andar, acalmou-nos um pouco.
O baile estava prestes a começar e o orientador, subindo a uma mesa que servia de palco, disse em voz alta:
- Hoje é a moda do “Bota cá licença”.
Eu e o João olhámos um para o outro, com ar interrogativo - Que vem a ser isto do bota cá licença.
Um homem auxiliava na acomodação das pessoas, para que houvesse mais espaço na sala e dizia para os rapazes - Cheguem lá para trás senão dou-lhes uma pisadela.
Novo espanto, o homem estava descalço.
Já não lembro do nome da rapariga, mas creio que deveria ser Maria, Mariana ou Maria Mariana, talvez Ana ou Anabela.
Bela era de verdade e da sua natural beleza bem me recordo.
Tinha estatura meã, rosto redondo, boca pequena e lábios semi-carnudos. Olhos redondos, de cor castanha, irrequietos e cativantes.
Quando a observava de frente e lhe via os seus bonitos olhos, lembrava-me sempre da canção imortalizada, pelo grande cantor Eborense, Francisco José, “ Teus olhos castanhos de encantos tamanhos, são pecados meus”.
A rapariga tal como nós dois, não era nenhum pecado.
Estávamos no começo do nosso despertar.
A rapariga encantava, não só pelo seu olhar, mas também pelo seu andar, leve como uma pena.
Qualquer vestido, blusa ou saia lhe ficava bem, ainda que fosse de tecido modesto.
Quando vestia a saia rodada de cor azul celeste, os rapazes não tiravam os olhos dela, á espera que uma rabanada de vento lhe levanta-se a saia e permitisse ver aquela parte mais recatada do seu corpo. Para surpresa e desgosto dos rapazes lá estava o saiote a proteger aquela parte mais íntima.
A rapariga nascera e morava na Aldeia das Hortinhas, povoação que eu e meu amigo começámos a frequentar desde muito novos.
Íamos, de noite, aos pardais á horta do tio Saul e do Sheletra.
Quando havia baile por lá ficávamos.
A rapariga deu-nos nas vistas e, ambos começamos a sentir, por ela, uma certa simpatia. E por vezes aos Domingos á tarde passávamos por lá.
Comecei a notar que o meu amigo nutria, por ela, algo mais do que simpatia.
Chegado o Carnaval o João disse-me:
- Segunda-Feira vamos ao baile às Hortinhas, quero puxar namoro á .... (como já disse, não me recordo do nome).
Fiquei surpreendido pela aquela firme atitude do João.
Só em sonho a admitia.
Nesta corrida pôs-me de lado por antecipação do João.
Acompanhei-o sem reservas.
Entre ambos crescera uma amizade de rua, do jogo da bola, do afincão e sobretudo da ribeira do Lucefecit, uma amizade firme e duradoira.
O baile realizava-se no casão do senhor José Argolia e era abrilhantado por um tocador da aldeia. Havia quatro ou cinco tocadores de concertina e de harmónio, recordo-me do Dionísio, do Galhafo e do Roupa.
O Dionísio passou depois a tocar órgão e um dia, abrilhantou a festa de São Sebastião, em Terena, que há dezasseis anos não se realizava.
Nesta Vila também havia tocadores.
O tio Prego que quando tocava, alguém parodiou,
- Lá soa a porca do Charló - claro que o homem afinava.
O que me parecia tocar melhor ou talvez o que eu mais gostava de ouvir era o Senhor Inácio Vitorino, pai do Zé Vitorino que deu o seu nome ao campo de Futebol.
O mais castiço tocador de concertina era o Manuel Infante.
Quando tocava, já pingado, sentado numa cadeira muito baixa, que ainda me recordo, tal como dele, no seu acto de tocar.
A concertina de cor preta e de desenhos luzentes pendia, quando ele tocava, toda para a sua direita, enquanto ele balouçava o corpo para a esquerda, com o pé direito sempre a marcar o compasso.
Era uma estranha maneira de tocar e, rumores soaram, se ele tocasse noutra posição não o conseguiria.
O mestre Manuel Sapateiro e o Peças quiseram fazer-lhe uma pirraça.
Ataram, sem que o Infante desse por isso, (as calças á boca-de-sino também ajudaram) um cordel ao seu pé direito.
A determinada altura da dança e quando o baile estava no seu apogeu puxaram o cordel.
Alto e pára o baile.
O Infante parou de tocar tentando puxar o pé para a frente. Dão-lhe guita.
Segue a dança.
O Infante toca, não por muito tempo, porque o pé é puxado novamente.
Nova paragem.
Os dançantes começaram a inquietar-se. Pé outra vez com guita.
Segue a dança, com o Infante sempre na mesma posição.
O baile, assistentes e dançantes, apercebendo-se daquela partida, começam a rir. Foi então que o Peças e o Manuel sapateiro soltaram o pé do tocador, no meio de gargalhada geral.
O Infante que só deu pela prisão do pé no momento da soltura disse:
- Foi para isto que vocês me fizeram beber mais um copo.
E era assim, em alegre e salutar convívio, que se iam passando as datas festivas.
Ai, esqueci-me do João.
Venham connosco. Vamos ao baile. Façam-nos companhia.
Vestidos á “Feiras e Festas” com gravada de nó semi-cónico chanfrado, impecável, que o meu tio António, farmacêutico de profissão, me ensinara a fazer.
Subimos a última ladeira que dá para as Hortinhas, de repente, caem umas pedras vindas do lado esquerdo, detrás da parede duma tapada. Refugiámo-nos na barreira da estrada.
Disse para o João - Vamo-nos embora - Não vamos, vou dizer quem somos, - respondeu-me.
Gritou, sou fulano e beltrano. As pedras pararam.
O João mais uma vez me surpreendeu. Estava disposto a correr qualquer risco pela rapariga.
A noite estava amena e a distância, cerca de 500, 600 metros, que nos faltavam andar, acalmou-nos um pouco.
O baile estava prestes a começar e o orientador, subindo a uma mesa que servia de palco, disse em voz alta:
- Hoje é a moda do “Bota cá licença”.
Eu e o João olhámos um para o outro, com ar interrogativo - Que vem a ser isto do bota cá licença.
Um homem auxiliava na acomodação das pessoas, para que houvesse mais espaço na sala e dizia para os rapazes - Cheguem lá para trás senão dou-lhes uma pisadela.
Novo espanto, o homem estava descalço.
O baile começa com o tocador Roupa a cantar e tocar esta “saia”:
Estas é que são as saias
Estas mesmas é que são
Umas altas outras baixas
Outra retinhas do chão.
Estas mesmas é que são
Umas altas outras baixas
Outra retinhas do chão.
Parecia ser apenas a introdução ao baile, para dar tempo às
raparigas a escolherem sua parceira de dança.
Dançaram umas com as outras a primeira música.
Sem que elas saíssem do meio da sala, soa a segunda música e mal elas começam a dançar, avançam os rapazes e logo a dança se torna acasalada, com rapaz e rapariga. Os casais não demoravam muito tempo a dançar, porque logo outro rapaz, tocando no cotovelo do que dançava dizia “bota cá licença ou bota cá licença que eu quero enfueirar”.
Dançaram umas com as outras a primeira música.
Sem que elas saíssem do meio da sala, soa a segunda música e mal elas começam a dançar, avançam os rapazes e logo a dança se torna acasalada, com rapaz e rapariga. Os casais não demoravam muito tempo a dançar, porque logo outro rapaz, tocando no cotovelo do que dançava dizia “bota cá licença ou bota cá licença que eu quero enfueirar”.
Procurámos, com o olhar, a rapariga e não a avistámos.
O João parecia tranquilo.
Nenhum de nós sentia vontade de entrar na dança, que mais parecia uma contra dança. Já sem o entusiasmo que nos levou até á aldeia, fomos ficando no baile.
De repente surge a rapariga. Estava encantadora.
O João aflito e nervoso, sem saber o que fazer, olha para mim e diz - E agora - Agora danças, - respondi-lhe com firmeza.
A rapariga começa a dançar com um rapaz.
O João não perdeu tempo.
Entre um místico de coragem e medo, avança disposto a entrar naquela função.
Não tinha dançado muito e aquela movimentação confundia-o.
Eu estava, não contente mas satisfeito, por ter renunciado a uma possível conquista da rapariga, a favor do João e não entraria na dança.
- Aguenta-te, amigo, - pensei com alguma dose de pouca solidariedade.
O João toca no cotovelo do rapaz que prazenteiro deixa a rapariga.
As regras do baile tinham que ser cumpridas.
O rosto do João inundou-se de felicidade como a julgar-se vencedor.
Os primeiros passos de dança saem-lhe bem e acerta primorosamente com a rapariga, que também parecia satisfeita.
Observo-os, atentamente, e começo a sentir uma espécie de arrependimento e inveja do João. Resignei-me.
Dadas as quatro ou cinco passadas de dança permitidas, o outro, toca no cotovelo do João e este é obrigado a deixar a rapariga.
O rosto do meu amigo alterou-se. Não conseguia compreender aquela dança e de imediato toca no cotovelo do rapaz a quem já considerava rival.
Não cumpriu as regras.
O outro olhou-o de alto abaixo e o João receoso veio ter comigo.
- Tens que me ajudar - pediu-me com uma voz dorida que me deu pena.
- Mas como João, - perguntei-lhe triste e também receoso.
Tínhamo-nos safado das pedras e parecia-me que estávamos a caminhar para outra bem pior.
- Tu vais á frente e tira-lhe a rapariga e eu depois tiro-ta a ti.
Claro que esta estratégia resultava mas o outro decerto que não ficaria quieto.
Aceitei sem que antes lhe tivesse feito ver o perigo que daí poderia resultar e acrescentei: - Falarei com o rapaz, - O João aceitou.
Assim sucedeu.
O Inácio assim se chamava o rapaz, disse-me que já namorava com a rapariga há ano e meio e que se confiava muito nela.
- Deixa-o andar que ela lhe dirá que não.
O rosto do João transmitia alegria e apresentava a felicidade de quem atinge uma meta antes estabelecida.
Olhou para nós e abriu um sorriso. Sentiu uma nova força interior e começou a falar com a rapariga e esta escutava-o com atenção.
Tanto eu como o Inácio adivinhávamos, sem nenhum esforço, o que ele estava prestes a dizer á rapariga.
A determinada altura da conversação vimos a rapariga sorrir, muito levemente, apenas franzindo os lábios e abanar a cabeça negativamente.
O Inácio despediu-se de mim dizendo - Está na hora.
A hora em que o João sentiu a primeira desilusão da sua vida.
Quando um dia, passado muitos anos, recordámos o baile de Segunda-feira de Carnaval na aldeia das Hortinhas, o João, ainda com alguma nostalgia, disse-me:
- Botei licença mas não enfueirei.
O João parecia tranquilo.
Nenhum de nós sentia vontade de entrar na dança, que mais parecia uma contra dança. Já sem o entusiasmo que nos levou até á aldeia, fomos ficando no baile.
De repente surge a rapariga. Estava encantadora.
O João aflito e nervoso, sem saber o que fazer, olha para mim e diz - E agora - Agora danças, - respondi-lhe com firmeza.
A rapariga começa a dançar com um rapaz.
O João não perdeu tempo.
Entre um místico de coragem e medo, avança disposto a entrar naquela função.
Não tinha dançado muito e aquela movimentação confundia-o.
Eu estava, não contente mas satisfeito, por ter renunciado a uma possível conquista da rapariga, a favor do João e não entraria na dança.
- Aguenta-te, amigo, - pensei com alguma dose de pouca solidariedade.
O João toca no cotovelo do rapaz que prazenteiro deixa a rapariga.
As regras do baile tinham que ser cumpridas.
O rosto do João inundou-se de felicidade como a julgar-se vencedor.
Os primeiros passos de dança saem-lhe bem e acerta primorosamente com a rapariga, que também parecia satisfeita.
Observo-os, atentamente, e começo a sentir uma espécie de arrependimento e inveja do João. Resignei-me.
Dadas as quatro ou cinco passadas de dança permitidas, o outro, toca no cotovelo do João e este é obrigado a deixar a rapariga.
O rosto do meu amigo alterou-se. Não conseguia compreender aquela dança e de imediato toca no cotovelo do rapaz a quem já considerava rival.
Não cumpriu as regras.
O outro olhou-o de alto abaixo e o João receoso veio ter comigo.
- Tens que me ajudar - pediu-me com uma voz dorida que me deu pena.
- Mas como João, - perguntei-lhe triste e também receoso.
Tínhamo-nos safado das pedras e parecia-me que estávamos a caminhar para outra bem pior.
- Tu vais á frente e tira-lhe a rapariga e eu depois tiro-ta a ti.
Claro que esta estratégia resultava mas o outro decerto que não ficaria quieto.
Aceitei sem que antes lhe tivesse feito ver o perigo que daí poderia resultar e acrescentei: - Falarei com o rapaz, - O João aceitou.
Assim sucedeu.
O Inácio assim se chamava o rapaz, disse-me que já namorava com a rapariga há ano e meio e que se confiava muito nela.
- Deixa-o andar que ela lhe dirá que não.
O rosto do João transmitia alegria e apresentava a felicidade de quem atinge uma meta antes estabelecida.
Olhou para nós e abriu um sorriso. Sentiu uma nova força interior e começou a falar com a rapariga e esta escutava-o com atenção.
Tanto eu como o Inácio adivinhávamos, sem nenhum esforço, o que ele estava prestes a dizer á rapariga.
A determinada altura da conversação vimos a rapariga sorrir, muito levemente, apenas franzindo os lábios e abanar a cabeça negativamente.
O Inácio despediu-se de mim dizendo - Está na hora.
A hora em que o João sentiu a primeira desilusão da sua vida.
Quando um dia, passado muitos anos, recordámos o baile de Segunda-feira de Carnaval na aldeia das Hortinhas, o João, ainda com alguma nostalgia, disse-me:
- Botei licença mas não enfueirei.
Hélder
Salgado.
Almada, 06-06-2011.
Almada, 06-06-2011.
Espero,
com esta pequena cronica, ter contribuído, para quebrar um pouco, a nostalgia
da falta da nossa Festa do Prazeres.
Obrigado por terem lido.
Hélder
Obrigado por terem lido.
Hélder
1 comentário:
É uma história bonita, mas parece que o Hélder estava apenas a tentar esquecer que nos tempos que vivemos não é possível viver a Festa dos Prazeres tal como sempre se realizou.
Outros tempos virão, para a gente, ou para quem vier depois da gente, mas parece-me muito difícil que a festa volte a ser como era.
A festa, assim como muitas outras coisas que no passado fizeram parte do nosso quotidiano, não se repetirão depois do que estamos a assistir.
É o fim de uma certa maneira de viver, ou, como agora se diz muito, é o fim de um paradigma.
Cumprimentos
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