CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
A Boa Morte
Quando sabemos de alguém que morre
velhinho, sem sofrimento, apagando-se como uma vela que arde até ao fim,
achamos que é uma boa morte. Também há lugares que se chamam da Boa Morte, o
que seria equivalente a chamarem-se da Eutanásia, já que etimologicamente é o
que a palavra que mais se ouviu e ouvirá por estes dias significa.
Morrer
é sempre mau, sobretudo para quem gosta de viver, mas é o prognóstico infalível
para quem corre o risco de ter nascido. Nasce-se por vontade de outros, quando
até temos sorte e somos desejados, o que não acontece a todos; o ideal seria
podermos escolher como morrer. E ter a coragem ou a loucura – não há
exclusividade de perspectivas – de ter essa decisão na mão, se o caso for uma
questão de forma de vida. O que também não rejeito, especialmente se os danos
colaterais do acto suicida forem mínimos. Morrer às próprias mãos, dir-se-ia.
Eis também a questão ética que a lei da eutanásia levanta, como a da
criminalização das tentativas de suicídio de má memória.
Se
nascer e morrer são condições naturais, as circunstâncias em que acontecem são
condições que dizem respeito à sociedade e respectiva organização, numa
perspectiva de melhorar o bem-estar. A Assembleia da República faz essas leis e
elas são, apesar das opiniões que permitem e que divergem, tão mais úteis à
sociedade em que vigoram, do que as leis sobre o sentido da Humanidade, como
aquela que escreveu o Quinto Mandamento. Sim, que dos outros Mandamentos as
adaptações não parecem ter sido polémicas.
Eutanásia,
a boa morte. Como não poder ter-lhe acesso quando a vida chega à fase terminal
com dor e sofrimento? Falo da vida biológica, desculpem a redundância, não da
vida dos prazeres e alegrias breves que, quando falta, é tratável pela mesma
ciência que pode assistir a morte quando não se quer ficar à espera de uma
intervenção divina, ou o que se lhe queira chamar, à morte natural.
Não
entendo a posição da Igreja: para quê um referendo se a opinião já está feita e
a catequese a ensina? Mas essa espécie de provação que impõe aos seus mais
fiéis seguidores é o lado religioso da questão, a que quem quiser obedecer a
lei em discussão continua a permitir. Da perspectiva jurídica, ninguém é
obrigado a matar, nem ninguém é obrigado a escolher morrer. A ética fica na
opção. É mais difícil do que só obedecer? Talvez, para alguns. Eu cá gosto
daquela parte que algumas religiões ensinam e que se chama o livre-arbítrio. E
é por isso que gosto desta lei que, espero, nasça no lugar próprio onde nascem
as leis. Também é por isso que eu voto e quero que o meu voto seja usado, ali,
naquela assembleia. Espero que aqueles em quem eu votei para me representarem,
não me desiludam.
Até
para a semana.
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