sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

A CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA ONTEM NA DIANA/FM

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EDUARDO LUCIANO

                                               A memória, essa senhora de mau porte
O escritor catalão Juan Marsé publicou em 2016 um notável romance sobre a memória e os que manipulam o passado com o objectivo de perverterem a memória histórica para atingirem os seus inconfessáveis objectivos.
O romance começa com uma pseudo entrevista ao autor onde apenas se lêem as respostas deduzindo o leitor as perguntas que as originaram. Em resposta a uma das perguntas escreve o seguinte: “o meu próximo romance será sobre as armadilhas e as ciladas que nos prega a memória, essa puta tão distinta.”
Nos últimos dias tenho-me lembrado muito dessa frase e da interpretação que tenho dado à atribuição da qualidade de alguém que aluga o corpo para a obtenção de um benefício.
Festejaram-se os 75 anos da libertação do campo de concentração de Auschwitz e fomos brindados com notícias, reportagens, análises, reflexões sobre até onde foi a prática de extermínio utilizada pelo nazi fascismo alemão.
Nestas peças de comunicação foram sempre ou quase sempre omitidos factos que os proxenetas da memória entenderam não dar qualquer valor. Refiro-me obviamente aos libertadores.
O Exército Vermelho, foi umas vezes ignorado outras vezes descrito como o exército russo ou ainda mais genericamente como as forças aliadas. Já não se trata de revisionismo histórico ou interpretação ideológica de factos mas do simples plantar de memórias que omitem factos. Um dia destes ainda nos vão lembrar que a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas não existiu, que os milhões de soviéticos mortos durante a guerra não existiram e que tudo se decidiu num desembarque na Normandia.
Foi amplamente divulgada a decisão da Universidade de Évora de atribuir a Abílio Fernandes o doutoramento Honoris Causa.
Autarca brilhante, presidente da Câmara de Évora durante 25 anos, Abílio Fernandes merece amplamente a homenagem e o reconhecimento dos seus méritos na transformação da cidade museu do tempo do fascismo, na cidade Património da Humanidade e hoje candidata a Capital Europeia da Cultura.
Nas redes sociais a notícia é acompanhada de comentários elogiosos, de declarações de amor eterno e de reconhecimento sentido.
O que é estranho é que alguns dos mais fervorosos comentadores tenham apagado da sua memória o que disseram e fizeram para que a candidatura liderada por Abílio Fernandes fosse derrotada em 2001 em nome de qualquer coisa que pelos vistos já nem se lembram.
Para essa gente, apesar de ser distinta, a memória não passa mesmo de uma puta que se vende pelo preço de ocasião e parece-me que em 2001 estava mesmo em saldo.
Até para a semana


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