quinta-feira, 24 de outubro de 2019

VASCULHAR O PASSADO - Augusto Mesquita

                                 Feiras da nossa terra 
                                               No rescaldo da última Feira da Luz / Expomor, que mais uma vez, trouxe até Montemor milhares de forasteiros, e que este ano, a RTP 1 deu a conhecer a todo o país, e também ao mundo, através da  RTP Internacional, o resultado final deste importante certame, foi bastante positivo para a Vila Notável. Mas, para que os meus conterrâneos mais novos, possam comparar a feira actual com as feiras do meu tempo, e também para os da minha idade, recordarem tempos passados, recorri a documentos antigos, e também ao meu baú de recordações, para elaborar o texto que se segue:                   
A origem das feiras é incerta, embora os historiadores afirmem a presença desse evento social desde 500 a.C., em algumas civilizações antigas -  fenícia, grega, romana e árabe. O termo "feira", deriva do latim "feria" e significa, dia santo, feriado ou dia de descanso, posto que os comerciantes, preocupados em vender o excedente da produção, se reuniam próximo das igrejas aos domingos para comercializar os seus produtos, já que eram os locais que apresentavam o maior afluxo de pessoas.  
    Feira de Setembro 1929 -Rossio       
No caso concreto de Montemor, desconhece-se a data da realização da primitiva feira, mas, o Foral atribuído por D. Sancho I a Montemor-o-Novo em 15 de Março de 1203, previa  a multa de um soldo (antiga moeda romana de ouro), ao mouro que fosse apanhado a vender  no mercado.                                                       Durante vários anos, a Vila Notável possuiu três feiras anuais - a de Maio, a de Julho (extinta em 1979), e a de Setembro. Mas, segundo Joaquim José Varela, na sua "Memória Estatística Acerca da Notável  Vila de Montemor-o-Novo", publicada em 1817, efectuavam-se também no Rossio, no seu tempo, outras feiras ou simples mercados regulados por leis municipais, com obrigação dos lavradores e criadores de gado, aí levarem porcos dos montados, "em alguns dias de Santo André, Nossa Senhora da Conceição e São Tomé".                                                                      
Para poder-mos, com mais facilidade, marcar com nitidez a época do apogeu das nossas feiras, vamos fixar-nos no último quartel do século XIX e na primeira metade do século seguinte.                                                                                   Várias leis tinham modificado o regíme agrário do nosso campo. Primeiro a célebre Lei das Sesmarias, do reinado de D. Fernando; séculos depois a acção agrária de D. Dinis; mais tarde, as mais que discutíveis reformas do Marquês de Pombal, a venda dos bens das ordens religiosas do princípio do liberalismo, e finalmente a lei de desamortização de 1844, que consistiu em pôr no mercado, mediante leilão público, as terras e bens não produtivos em poder das chamadas "mãos mortas".                   
Esta última lei transformou totalmente a maneira de viver da população, criando uma burguesia da terra – sem limites nem condicionalismos – e um proletariado rural – sem direitos nem garantias. Mas deixemo-nos de teorias… e verifiquemos, com objectividade, o que se passara: Grandes tratos de terreno inculto começaram a ser cultivados. Não obstante os lavradores possuirem as suas casas senhoriais na sede do concelho, para melhor explorarem a terra, optaram por residir nas herdades e quintas, rodeados pelos seus assalariados.                                             
É evidente que estas novas explorações agrícolas e pecuárias deram uma vida nova aos campos, bastante povoados. e indirectamente às nossas feiras. O progresso industrial do País – os caminhos-de-ferro, as estradas, o telégrafo e o correio – facilitaram este desenvolvimento de riquezas, mas a verdade é que, as pessoas de cada localidade continuavam a viver uma vida circunscrita aos limites da sua zona de residência. E era especialmente por altura das feiras que toda esta população rural se juntava na vila.                                                                                          
No aspecto pecuário, cada uma das feiras existentes, tinha a sua especialidade: na Feira de Maio predominava o gado lanígero, na Feira de Julho, imperava o gado vacum, que só nesta altura engordava com os pastos da primavera, e na Feira de Setembro prevalecia o gado porcino. Note-se que, continuavam a ser as feiras os únicos locais onde se processavam as transacções dos produtos pecuários e agrícolas.  A feira tinha as suas “vésperas”. Dias antes escolhia-se o gado, os pastores refugavam os povilhais ou separavam os borregos, cabritos, bezerros e leitões. Os lavradores corriam os rebanhos e, com um olhar entendido, separavam os animais de venda. Nas casas, ricas ou pobres, as mulheres davam os últimos retoques nos vestidos que estreavam tradicionalmente naqueles dias, fossem eles vestidos de luxo, vindos de Lisboa em caixas de papelão que os estafetas traziam no combóio, fossem eles os simples vestidos de chita, bordados e trabalhados nas noites de Inverno pelas mulheres e filhas dos assalariados. As casas de residência da vila eram esfregadas e limpas, e saíam das velhas arcas lençóis de linho para preparar as camas dos lavradores e dos convidados.  Nos celeiros e arrecadações ia uma azáfama para receber “a família do monte”. Nas cozinhas preparavam-se os borregos e os vitelos acabados de matar, saíam das salgadeiras os presuntos e das chaminés os paios. Nos pequenos montes do campo trabalhava-se afanosamente na preparação dos farnéis, lautos e bem providos, porque a festa durava três dias.                             
Já uns dias antes, tinham chegado, em filas consecutivas, os “feirantes” que em carros e carroças transportavam as suas barracas. Também os ciganos desfilavam pelas estradas e montes – pedinchando e roubando o que podiam – com as suas récuas de muares, burros e cavalos. E lentamente, tragicamente, arrastavam-se, pelos caminhos, aleijados, anormais e outros desgraçados que iam constituir na feira uma autêntica “Corte de Milagres”.                                                                        
Na véspera, a vila parecia outra: de manhã tinham-se instalado na feira os apriscos para prender o gado lanígero e no local da “corredoira” os postes de madeira para prender as mulas e os cavalos, cada um procurando chegar mais cedo para escolher o local mais frequentado. À tarde começava o espectáculo com a entrada dos toiros. Montava-se a “Manga”, e pouco depois do meio-dia, os toiros, em correria desordenada, entravam entre nuvens de pó na Praça de Touros, sob o controle dos campinos montados nos seus cavalos, entre o alarido da  rapaziada e os gritos de incitamento e susto da multidão. De todas, a Feira da Luz ou de Setembro, como também era conhecida, sempre foi a mais importante. Veio-lhe a primeira designação pelo facto da feira se realizar junto à capelinha designada por Nossa Senhora da Luz. Além do Circo Mariano, marcavam sempre presença, os carrocéis Montanha Nacional e Araújo, os carrinhos de choque, a casa dos horrores, o poço da morte, os  matraquilhos, o tiro ao alvo, a barraca das argolas,  a chapelaria, os albardeiros, louças diversas, obras de palma do algarve, o vendedor da banha da cobra, os vendedores de cobertores e de mantas de Reguengos, os ourives, o fotógrafo à la minute, com o cenário da pega de cernelha, em que os clientes de repente, se transformavam em moços de forcados, os vendedores de farturas e de torrão de Alicante, o choco assado no fogareiro de ferro com carvão, os comes e bebes, e as quinquelharias. Nestas barracas, os miúdos namoravam os brinquedos artesanais (as playstation, os tablets ou os smartphones, ainda não existiam), com a esperança dos pais os presentearem, quando na sua companhia  se deslocassem à feira. Seria um carrinho de madeira, uma guitarra, um tambor, um pífaro, ou os passarinhos coloridos com rodinhas, que batem as asas ao movimentarem-se?  Eu, não me posso queixar, mesmo com as limitações financeiras existentes, sempre recebi o ambicionado brinquedo. Outros colegas não tiveram a mesma sorte...                                                                        
Também na vila, a azáfama era enorme. Os estabelecimentos comerciais estavam à abarrotar, pois comprava-se roupa para todo o ano. Os poucos restaurantes existentes, depressa se enchiam, mas o grosso da coluna optava pelas mais de duas dezenas de tabernas então existentes, onde o prato do dia se limitava a sardinhas assadas com pimentos, ou estes, com bacalhau desfiado.                                                  
Depois do almoço, seguia-se a tourada. Já nessa altura, "Montemor era praça cheia", para assistir ao duelo Simão da Veiga Júnior - João Branco Núncio, e às pegas dos Forcados de Montemor.                                                                  Após a tourada, e depois do jantar, o pessoal deslovava-se novamente para o Rossio onde permanecia até às tantas. A maioria dos assalariados regressava a casa pelos próprios pés, enquanto um número muito restrito, utilizava o automóvel de aluguer.                                                  
Pela Feira da Luz os montemorenses ausentes, aproveitavam a ocasião para se reunirem na terra natal,  para matar saudades da família, dos amigos e da gastronomia.
Augusto Mesquita
Outubro/2019
In Folha de Montemor - Out.2019


1 comentário:

Anónimo disse...

No Alandroal também havia uma grande feira, quem acabou com ela?????
Porque não a revitalizam, pois era uma tradição com muita história, em vez de andarem com caldetas de peixe e outras muitas coisas que não vão passam de eventos locais, porque não contem argumentos para ir mais longe.

SÓ NOS CALHAM GENTE SEM VISÃO