EDUARDO LUCIANO
Tempo de
julgamentos sumários
Que tempos são estes em que um
homem pode ser criticado por reagir de forma indignada perante alguém que o
ofende e o provoca com uma mentira repetida, apenas porque é “um político”,
tempos em que se julga na praça pública sem direito a defesa, perante milhões
de pessoas, uma atitude, um erro, um crime, um desleixo, apenas porque vende
tempo de publicidade e mobiliza reacções primárias de ódio confundidas com
opinião.
São
tempos em que transparência e o direito à devassa da vida privada são sinónimos
e exigidos como se de um princípio ético se tratasse, constituindo uma nova
religião onde uma qualquer afirmação não tem a possibilidade de ser desmentida
porque depois de colocada a circular torna-se indesmentível.
A
linguagem empobrece drasticamente e a confusão de conceitos resulta na
inexistência de factores diferenciadores o que leva à rotulagem fácil e muitas
vezes sem sentido.
A
maioria exprime-se por palavras-chave que vão ocupando todo o discurso num
efeito mancha de óleo. Corrupção, ambiente, alterações climáticas, vergonha,
segurança, ciganos, refugiados, criminosos, zona de conforto, evento,
Catalunha, Venezuela, redes sociais, passado glorioso, são as muletas de quase
todos os discursos que começam e acabam na repetição de palavras que se vão
despindo de conteúdo à medida que vão sendo transmitidas, até não significarem
nada senão uma raiva surda contra a falta de esperança de quem as exprime.
Qualquer
um que leia livro por mês é acusado de pertencer às “elites” e querer complicar
as coisas apenas para que o “povo” não lhes tenha acesso.
Mas
se for um futebolista ou uma apresentadora de televisão principescamente paga,
já não pertence a elite nenhuma mesmo que exiba bens de consumo inacessíveis à
maioria.
Tudo
fica a preto e branco e assim as escolhas são mais fáceis. Se, a propósito da
Catalunha, dizes defender o direito dos povos à autodeterminação acusam-te de
defenderes a independência e de nade te vale argumentares que um português
defender a independência da Catalunha ou o seu contrário, é contraditório com a
defesa do direito à autodeterminação.
Estás
zangado com as pessoas dirão alguns. Outros dirão que estou a defender que só
“as elites” têm direito a ter opinião. Mais uma vez o preto e o branco, a
irracionalidade de escolhas primárias que levam ao ressurgimento de
comportamentos que julgávamos enterrados para sempre.
Este
caminho paulatinamente prosseguido começa nas escolas, com programas
curriculares que parecem inimigos da construção de pensamento crítico para
caírem no utilitarismo pragmático do fabrico de mão-de-obra futura.
O
humanismo morreu, dirão os mais pessimistas. Não sou desses. Sou dos que
afirmam que a partir de qualquer centelha de humanidade é possível a esperança.
Até
pode parecer uma luta inglória, mas estamos condenados a travá-la.
Foi
só um desabafo. Na próxima crónica vou tentar falar do número de membros do
governo, do médico e do professor condenados sem julgamento, das golas, do
número de motoristas ou da orientação sexual de cada ministro.
Até
para a semana
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