Alentejo: O deserto verde
Este
domingo participei numa iniciativa do Bloco de Esquerda em Beja sobre
monoculturas e agricultura intensiva. Falou-se naturalmente dos olivais
intensivos e superintensivos e agora dos amendoais que enxameiam o Alentejo.
Participaram também representantes de organizações da Andaluzia que trouxeram a
sua experiência e traçaram o retrato do deserto verde em que a agricultura da
monocultura, desenvolvida por grandes multinacionais, tem tornado os
territórios do sul da Espanha e o Alentejo.
Também no domingo foi publicado
um artigo no Sapo 24 em que responsáveis políticos, da universidade e da
indústria fazem a apologia da nova agricultura no Alentejo. A apologia do
olival superintensivo que aumenta a produção e as exportações de azeite, que se
traduz em muitos milhões de euros de investimento, grande parte dinheiros
públicos, diga-se, que cria emprego e desenvolvimento e que praticamente não
tem impactos ambientais, dizem. Um artigo que começa a dizer que se assiste a
uma mudança da paisagem alentejana, que o dourado é substituído pelo verde e
que está em curso uma revolução agrária à volta do Alqueva.
É com esta narrativa de desenvolvimento, de criação de riqueza e de emprego, que as grandes empresas que integram grupos económicos, principalmente espanhóis, têm conseguido o apoio de alguns autarcas que vêm aqui uma oportunidade para os seus concelhos e de governantes engajados em modelos de desenvolvimento liberais.
É com esta narrativa de desenvolvimento, de criação de riqueza e de emprego, que as grandes empresas que integram grupos económicos, principalmente espanhóis, têm conseguido o apoio de alguns autarcas que vêm aqui uma oportunidade para os seus concelhos e de governantes engajados em modelos de desenvolvimento liberais.
É esta mistificação que nos
querem passar.
Mas o que é que nos traz o
agro-negócio?
À agro-indústria traz bastante
lucro porque no olival superintensivo a produtividade é grande: 1.500 pés de
oliveira por hectare em vez dos tradicionais 100 e a produção logo no 3º ano.
Mas o que é que acontece aos solos? Para além da destruição da morfologia para
melhorar a drenagem da água, os solos degradam-se por exaustão rapidamente.
Dos 120 mil hectares de regadio
do Alqueva 59% estão cobertos com monocultura de olival. Quando temos tamanha
área coberta por uma única espécie a biodiversidade está posta em causa. Há
concelhos em que mais de 10%, chegando aos 20%, do território estão cobertos
por olival.
Por outro lado trata-se de
produção assente no uso intensivo de fitofármacos, que vai poluir o ar, os
freáticos e as linhas de água, levando à extinção de muitas espécies de
insectos e plantas.
Uma das práticas utilizada é a
apanha mecânica nocturna de azeitona, feita por grandes máquinas que percorrem
as sebes de olival.
No período da apanha de azeitona
17 espécies de aves migratórias, na maioria protegidas, pernoitam nos olivais
intensivos e superintensivos, verificando-se uma autêntica chacina destas aves.
Em Avis, o mês passado, numa
única a acção de fiscalização nocturna num olival, o SEPNA detectou cerca de
400 aves mortas. Na Andaluzia, a Junta Regional estima que sejam mortos mais de
2,6 milhões de aves por ano.
E quando se acena com criação de
emprego de que emprego é que se está a falar? Quantos trabalhadores são de
facto contratados?
Esta é uma agricultura ultra
mecanizada que quase não cria emprego local. É para a colheita que são
necessários mais trabalhadores e assistimos a um verdadeiro dumping social,
porque são contratados trabalhadores migrantes, muitos deles do leste e
orientais, em condições de grande precariedade e em muitos casos para trabalho
quase escravo.
Também não podemos deixar passar
em branco a destruição de importante património arqueológico, por força das
mobilizações muito profundas dos solos e despedregas, que tem acompanhado a
instalação destes olivais superintensivos. Basta apontar a destruição do sítio
da Ribeira do Álamo ou os danos na ponte romana sobre a ribeira de Odivelas
para vermos o desrespeito pelo nosso património comum.
Sim é verdade, esta agricultura
está a mudar o Alentejo. Mas há perguntas que se impõe fazer: E é do nosso
interesse e do Alentejo ou apenas serve alguns interesses económicos? E quando
o solo estiver esgotado, a água for escassa e as multinacionais se forem
embora, que Alentejo vamos deixar aos nossos filhos?
Até para a semana!
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