quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

É NATAL - Pelo Helder Salgado

                                     A minha prenda de Natal
Esta crónica tem o seu quê de ambíguo.
Escrever acerca de um regresso pode não ter nada de extraordinário.
Quantas pessoas regressam às suas terras para ali ficaram gozando o resto dos seus dias em tranquilidade.
Este meu regresso não foi para me acomodar à reforma, nem para trabalhar. Este meu regresso a Terena, à minha terra de berço, porque o Alandroal também é a minha terra, foi para usufruir de liberdade, que no centro urbano onde vivia, não tinha, nem tive.
O som dos comboios afligiam-me, o fumo dos autocarros intoxicavam-me  e os apitos dos carros ensurdeciam-me.
E, eu ... já sem nada para fazer.
Para mim, o sem nada para fazer, sempre foi e continua a ser o pior das minhas tarefas.
Confunde a minha maneira de ser e de pensar, o meu estar presente nesta vida.
Tenho sempre algo para fazer e o cérebro sempre ocupado. Só assim me sinto de acordo comigo próprio, bem.
Ouvi dizer a um meu amigo: Parece que já não gosto de Terena.
Eu não sei se gosto ou se desgosto.
O que posso afirmar é que aqui sou livre.
E. que partilho essa liberdade em tudo aquilo que me ocupo, até com o "Zarolho", o gato que apareceu aqui por casa. Primeiro aparecia ao jantar, comia e retirava-se, depois e como sentiu carinho, foi ficando, ficando, e, agora tem na cave, um recipiente para a água e outro para a ração, que raras vezes substitui pelos restos de comida, tendo a janela aberta para poder entrar e pernoitar.  
O "Zarolho" só com uma vista consegue apanhar pardais e ratos, vindos trazer para a porta da casa, julgando, com estas presas, retribuir o bem que aqui encontrou, e, ainda tem a amabilidade de me acompanhar, dentro da tapada, tendo, muitas vezes de lhe pedir para se desviar.
Partilho de igual liberdade com as minhas ovelhas, de quem cuido, e entre nós há um entendimento perfeito, E, já me nasceram doze, borreguinhos.
Basta um assobio conhecido por elas, para que olhem para mim, e, depois lhes diga "Venham".
E, como elas apreciam uma favinha dada pela minha mão. Já tenho apanhado algumas mordidelas, é só descuidar-me.
Tenho todos os dias uns "Minos" para lhes dar, marmelos migados, laranjas, tangerinas ou diospiros.  
Quando as mudas de pastagens toco a mesma "música", e seguem, em fila indiana, comigo sempre a frente.
 Os meus vizinhos admiram o procedimento das ovelhas.
Tudo isto faz parte da liberdade que estou desfrutando aqui em Terena, na Tapada da Vinha.
Tudo isto a Natureza me está oferecendo, e, eu tento retribuir com o arranjo da terra, lavrando-a, semeando-a, cultivando-a.
E, como me alegra o seu sorrir, quando a força embrionária da semente ao nascer a rasga, e, que eu entendo como um agradecer de a livrar das ervas daninhas.
Outra forma de liberdade, é o tratamento que dou às árvores de fruto, que me tocam no rosto acariciando-me, e agradecendo-me o trato que lhes dedico, e, que me deliciam com as suas flores e os seu cheiros, alegrando-me com a sua verde folhagem e a cor dos seus frutos, evidenciando o carinho que lhes vou dando.
É um Natal envolvido em manto verde de esperança e de fartura, que floresce, cria fruto e amadurece
O meu regresso não é, como dizia Bela Gutman, o treinador húngaro que revolucionou, no passado, o futebol benfiquista, e, que lhe deu a primeira Taça dos Campeões Europeus "sopa requentada ".
Não vim fazer o mesmo que fazia quando deixei Terena, antes pelo contrário vim fazer o que nunca tinha feito.  
E, isto dá-me imenso prazer, aprender com o meu raciocínio, com a minha capacidade de imaginação e aprendizagem, com a força, a determinação e o engenho, que sempre ponho em tudo o que realizo.
Antes de sair de casa dos meus pais, rumo a Almada e Lisboa, era uma espécie de tapa buracos, fui aprendiz de ferrador, depois com a queda deste ofício, ajudante de padeiro e lojista, e, ainda matador de porcos e borregos.
Eram os prémios de ser o primeiro filho do casal.
Dizia-se e ainda hoje se diz à boca pequena (mudaram-se os tempos) que de "pequenino é que se torce o pepino" e eu, logo em pequeno, foi-me adaptando aquelas circunstâncias, sem custo algum.
O que deveras me custava, era, vindo da procissão de Domingo da Festa dos Prazeres, quando o meu pai me dizia: - Filho temos que matar um borrego - operação que fazia ao som das músicas da orquestra que tocava no baile.
Havia sempre alguém que chegava para a Festa tarde a Terena, e era preciso ser servido.
Mesmo ainda gaiato, adorava fazer todos estas coisas, com relevo quando ia à farinha à fábrica Sofal, a Vila Viçosa, com paragem, de uma noite, no Alandroal, onde angariei um saudável leque de amigos, que ainda hoje mantenho.
Neste ambiente comecei a criar as minhas amizades e a forjar esta minha maneira de ser e de pensar.
Assim comecei a distinguir o bem do mal, assim comecei a destrinçar o essencial do supérfluo, assim comecei a amar, assim comecei a ser eu.
Neste meu regresso já não encontrei a maior parte dos meus amigos e amigas da minha infância,
Saíram, como eu, de Terena.
Uns emigraram, outros ficaram na terra que os acolheu, ligados aos filhos e depois aos netos.
Naturalmente, que também estou ligado aos meus netos, e, com eles fui, dia 14-11, festejar ou melhor passar o dia dos meus setenta e oito anos.
Aqui, nas esquinas das ruas, nas pedras seculares das calçadas, recordo o meu passado, a minha meninice, a minha adolescência, as minhas alegrias e os meus desgostos. Aqui observo o brilho dos luares, o cintilar das estrelas, o escarlate do Sol poente e as multicores do Arco-íris,   
Nesta nova vida me envolvo, tudo isto é para mim um novo mundo, uma caixinha de surpresas que me alegra, que me dá vida ao corpo e me alimenta a alma, tudo isto para mim, não é "sopa requentada", mas um alimento renovado hora a hora, dia a dia, um novo Natal, a minha melhor prenda.
 BOAS FESTAS.
 Hélder Salgado.
19-12-2018.


4 comentários:

Anónimo disse...

Também para ti, Hélder. Boas Festas!

Anónimo disse...

Obrigado pelos teus textos que leio com muito interesse. Festas Felizes, boa saúde e vai produzindo. Msubtil

Anónimo disse...

É bom voltar à terra Natal. Invejo-o|

Bina disse...

Boas festas para si e familuares e bom regresso à nossa Terena.