Esta crónica tem o seu quê de ambíguo.
Escrever acerca de
um regresso pode não ter nada de extraordinário.
Quantas pessoas
regressam às suas terras para ali ficaram gozando o resto dos seus dias em
tranquilidade.
Este meu regresso
não foi para me acomodar à reforma, nem para trabalhar. Este meu regresso a
Terena, à minha terra de berço, porque o Alandroal também é a minha terra, foi
para usufruir de liberdade, que no centro urbano onde vivia, não tinha, nem
tive.
O som dos comboios
afligiam-me, o fumo dos autocarros intoxicavam-me e os apitos dos carros ensurdeciam-me.
E, eu ... já sem nada
para fazer.
Para mim, o sem
nada para fazer, sempre foi e continua a ser o pior das minhas tarefas.
Confunde a minha
maneira de ser e de pensar, o meu estar presente nesta vida.
Tenho sempre algo
para fazer e o cérebro sempre ocupado. Só assim me sinto de acordo comigo
próprio, bem.
Ouvi dizer a um meu
amigo: Parece que já não gosto de Terena.
Eu não sei se
gosto ou se desgosto.
O que posso
afirmar é que aqui sou livre.
E. que partilho
essa liberdade em tudo aquilo que me ocupo, até com o "Zarolho", o
gato que apareceu aqui por casa. Primeiro aparecia ao jantar, comia e retirava-se,
depois e como sentiu carinho, foi ficando, ficando, e, agora tem na cave, um
recipiente para a água e outro para a ração, que raras vezes substitui pelos
restos de comida, tendo a janela aberta para poder entrar e pernoitar.
O
"Zarolho" só com uma vista consegue apanhar pardais e ratos, vindos
trazer para a porta da casa, julgando, com estas presas, retribuir o bem que
aqui encontrou, e, ainda tem a amabilidade de me acompanhar, dentro da tapada,
tendo, muitas vezes de lhe pedir para se desviar.
Partilho de igual
liberdade com as minhas ovelhas, de quem cuido, e entre nós há um entendimento
perfeito, E, já me nasceram doze, borreguinhos.
Basta um assobio
conhecido por elas, para que olhem para mim, e, depois lhes diga
"Venham".
E, como elas
apreciam uma favinha dada pela minha mão. Já tenho apanhado algumas mordidelas,
é só descuidar-me.
Tenho todos os
dias uns "Minos" para lhes dar, marmelos migados, laranjas,
tangerinas ou diospiros.
Quando as mudas de
pastagens toco a mesma "música", e seguem, em fila indiana, comigo
sempre a frente.
Os meus vizinhos admiram o procedimento das
ovelhas.
Tudo isto faz
parte da liberdade que estou desfrutando aqui em Terena, na Tapada da Vinha.
Tudo isto a
Natureza me está oferecendo, e, eu tento retribuir com o arranjo da terra,
lavrando-a, semeando-a, cultivando-a.
E, como me alegra
o seu sorrir, quando a força embrionária da semente ao nascer a rasga, e, que
eu entendo como um agradecer de a livrar das ervas daninhas.
Outra forma de
liberdade, é o tratamento que dou às árvores de fruto, que me tocam no rosto acariciando-me,
e agradecendo-me o trato que lhes dedico, e, que me deliciam com as suas flores
e os seu cheiros, alegrando-me com a sua verde folhagem e a cor dos seus frutos,
evidenciando o carinho que lhes vou dando.
É um Natal
envolvido em manto verde de esperança e de fartura, que floresce, cria fruto e
amadurece
O meu regresso não
é, como dizia Bela Gutman, o treinador húngaro que revolucionou, no passado, o
futebol benfiquista, e, que lhe deu a primeira Taça dos Campeões Europeus
"sopa requentada ".
Não vim fazer o
mesmo que fazia quando deixei Terena, antes pelo contrário vim fazer o que
nunca tinha feito.
E, isto dá-me imenso
prazer, aprender com o meu raciocínio, com a minha capacidade de imaginação e
aprendizagem, com a força, a determinação e o engenho, que sempre ponho em tudo
o que realizo.
Antes de sair de
casa dos meus pais, rumo a Almada e Lisboa, era uma espécie de tapa buracos, fui
aprendiz de ferrador, depois com a queda deste ofício, ajudante de padeiro e
lojista, e, ainda matador de porcos e borregos.
Eram os prémios de
ser o primeiro filho do casal.
Dizia-se e ainda
hoje se diz à boca pequena (mudaram-se os tempos) que de "pequenino é que
se torce o pepino" e eu, logo em pequeno, foi-me adaptando aquelas
circunstâncias, sem custo algum.
O que deveras me
custava, era, vindo da procissão de Domingo da Festa dos Prazeres, quando o meu
pai me dizia: - Filho temos que matar um
borrego - operação que fazia ao som das músicas da orquestra que tocava no
baile.
Havia sempre
alguém que chegava para a Festa tarde a Terena, e era preciso ser servido.
Mesmo ainda
gaiato, adorava fazer todos estas coisas, com relevo quando ia à farinha à fábrica
Sofal, a Vila Viçosa, com paragem, de uma noite, no Alandroal, onde angariei um
saudável leque de amigos, que ainda hoje mantenho.
Neste ambiente
comecei a criar as minhas amizades e a forjar esta minha maneira de ser e de
pensar.
Assim comecei a
distinguir o bem do mal, assim comecei a destrinçar o essencial do supérfluo, assim
comecei a amar, assim comecei a ser eu.
Neste meu regresso
já não encontrei a maior parte dos meus amigos e amigas da minha infância,
Saíram, como eu,
de Terena.
Uns emigraram,
outros ficaram na terra que os acolheu, ligados aos filhos e depois aos netos.
Naturalmente, que
também estou ligado aos meus netos, e, com eles fui, dia 14-11, festejar ou
melhor passar o dia dos meus setenta e oito anos.
Aqui, nas esquinas
das ruas, nas pedras seculares das calçadas, recordo o meu passado, a minha
meninice, a minha adolescência, as minhas alegrias e os meus desgostos. Aqui
observo o brilho dos luares, o cintilar das estrelas, o escarlate do Sol poente
e as multicores do Arco-íris,
Nesta nova vida me
envolvo, tudo isto é para mim um novo mundo, uma caixinha de surpresas que me
alegra, que me dá vida ao corpo e me alimenta a alma, tudo isto para mim, não é
"sopa requentada", mas um
alimento renovado hora a hora, dia a dia, um novo Natal, a minha melhor prenda.
19-12-2018.
4 comentários:
Também para ti, Hélder. Boas Festas!
Obrigado pelos teus textos que leio com muito interesse. Festas Felizes, boa saúde e vai produzindo. Msubtil
É bom voltar à terra Natal. Invejo-o|
Boas festas para si e familuares e bom regresso à nossa Terena.
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