CLÁUDIA SOUSA
PEREIRA
MELHORES QUE NÓS
Não basta ser o primeiro a pôr o dedo no ar para acertar na
resposta ou melhor cumprir o exercício proposto, nem olharmo-nos ao espelho e
repetirmos um mantra do tipo “eu cá sou bom, sou muito bom, eu sou tão bom”,
sem convivermos, sem nos compararmos, sem nos confrontarmos com “os outros”. E
não, isto não é aguçar o espírito competitivo até ao limite tão baixo da
arrogância. Isto chama-se, ou pode chamar-se, a construção da identidade.
Aquela que não é possível sem a alteridade, e que significa o conhecimento do
Outro.
Recentemente
tive mais uma oportunidade de conviver, à volta dos livros e da informação, com
gente de nacionalidades tão diferentes como da britânica à turca, da do
Bangladesh à da Alemanha, da ucraniana à finlandesa, da do Irão à da Holanda.
Gente que lida sobretudo com professores, com bibliotecários, com decisores
políticos de níveis diversos (internacional, nacional, local) nas áreas da
Educação e da Cultura. Mas estas sobretudo apontadas, maioritariamente, para
assuntos de acção social. Se as queixas nestes sectores permanecem, estranha
mas compreensivelmente, alinhadas pelo conceito de um certo inconsciente
colectivo da espécie humana, é bem certo que o capital de queixa se alimenta de
vários filões. Nem só dos salários, nem só dos horários, nem só da geração
anterior ou da que vem a seguir, nem só das faltas ou dos excessos. Reclamar,
com pior ou melhor argumentário, é aparentemente o passo que vem a seguir ao
direito que se adquiriu, e para o qual o dever de cumprir com essa
responsabilidade exige que se ganhe tempo e espaço de manobra para prosseguir.
Há até quem viva apenas da gestão destes interstícios, tentando perpetuá-los
como forma de subsistência.
Desse
convívio, onde Brexit, Trump, Bolsonaro, Erdohan ou outros mesmo não sendo
nomeados foram assunto que por ali pairou, verifiquei que Portugal tem uma
imagem paradisíaca. Cheguei a sentir-me finlandesa! Ora, sabendo que por detrás
de um possível irritante discurso optimista, obrigatório quando se tem de
combater um recorrente bota-abaixo que também faz parte do mesmo jogo político,
estão dificuldades e insatisfações constantes, não poderemos não gostar que nos
olhem assim. E pesando essa imagem que passamos e a realidade que vivemos só me
fez pensar que, mais do que embandeirarmos em arco com a excelência que deverá
ser a eterna utopia a perseguir, mais do que a festejar tornando-a
circunstancial e banalizando-a; pesando tudo isto, só me parece que é uma
tarefa que cabe a cada um de nós para cabermos na bela imagem do nosso
colectivo. E que devamos talvez repetir-nos muitas vezes que teremos de ser
melhores do que nós próprios. Como diria o Almada Negreiros, não sem algum
sarcasmo, e em formato adaptado: “Coragem, já só quase nos faltam as
qualidades!”.
Até
para a semana.
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