Sobre o homem cuja atitude me soa ao cravo
naquele particular ruído de corda metálica a desfazer-se!
O cravo tende a ser simpático. Instrumento de
largo uso em baixo contínuo tem imensas vantagens e ligeiríssimas desvantagens
mesmo quando tocado a solo. O piano sem dúvida suplanta-o. Contudo o eterno
feminino sempre procurou no cravo um som renovado ou a renovar e reescrevem-se
hoje imensas peças para tal instrumento. Evidente que cravos existem em
diferentes tipos, do virginal muselar ao espineta, são os instrumentos das
cordas beliscadas, que geram o tal som, porque se tange ou belisca uma das suas
cordas ao invés de, como no caso do piano, de a percutir. Reside então no
beliscar ao invés do percutir toda a diferença! Tem-se presente que tal
instrumento o cravo, teve a sua origem numa anexação extemporânea. Na realidade
ao anexar-se um teclado a um saltério, surgiu a tal possibilidade de se tanger
uma corda. Por acaso ou não, tal instrumento em português é também
conhecido - quiçá mesmo mais conhecido - por clavicórdio. Soa-me melhor o
cravo se se dito de clavicórdio. Os espanhóis evitam usar tal termo, inclinam-se
para a correspondente italiana cembalo (no Porto tornou-se tanto quanto sei num
cimbalino…) ou então a mesmíssima coisa mas dita em francês clavecin…e eu
vou por aí desbragadamente. Sim clavencito, na sua reduçãozinha mais
ternurenta, adocicada, é o que deveremos chamar ao tal cravo de som
particularmente ruídoso de corda metálica a desfazer-se…embirrante.
Aliás, não é por mero acaso que no Barroco tanto cravo se tocou. Algo no e do
Barroco se deve a um cravo, e mesmo se lhe chamarmos de clavencito o Barroco e
o cravo surgem de mãozinhas dadas. Apertados na sua desapertadura! Agora
entendi também porque algumas das formas diminutivas por aí utilizadas nunca me
soaram bem.
Um pouco mais a sério.
Não se veicula concomitantemente à leitura de um
som, que se vai desenrolando ( a saber…obriga-nos tanta alucinação paranóica de
tal protagonista, a um exercício de discernimento aturado e apurado) a
mera atenção de um novo logos: se, o que se passa e passou, se revela
indecidível, é tão somente porque no plano da demonstração – da música em si
não tanto, mas do protagonista em si – abdica de qualquer legitimidade,
impondo, como única realidade a inconsistência ontológica daquilo a que
chamamos ‘a realidade’. E essa realidade é, não uma impossibilidade do real
(nunca me atreveria a dizê-lo, sabe-se lá o dia de amanhã, não é?) mas qualquer
coisa pertíssimo do grito pós-kafkiano da impossibilidade ontológica absoluta.
Até porque ao tornar-se inquilino de uma existência bem real constata que não é
dela senhor (no sentido de proprietário) absoluto. A rota implacável dessa
anulação de personalidade é redonda, e isso preocupa-nos. Porque o grande logro
não é que ‘um de nós seja mentira’ mas antes essa ‘forma de farsa’ que a
tragédia toma quando sucede, até porque: um cravista é um músico que toca o
cravo e qualquer atitude conducente ao soar do cravo é-me um despropósito.
O último som do grito dele é o da nossa
gargalhada, mas jamais serão um mesmo som, ou melhor um bom som!
Vitor Rosa
1 comentário:
OBS.
Não sou sportinguista e, neste caso, ainda bem. Embora pelo Benfica também
haja os seus tocadores de cravo. Que encravam mais do que desencravam o
futuro de instituições como o Benfica e o Sporting.
No caso de Bruno Carvalho, só podemos adiantar a nossa impressão: tornou-
se numa ficção que excede, em muito, o que já, em si mesmas, são as difi
culdades das realidades presentes do Sporting.Ou de qualquer outro
Clube.
Por outras palavras, o barroquismo dos cravos é insustentavel numa
epoca que anda muito carenciada da profundidade de novos pianistas.
Haja pois quem vença, no Sporting, que gosto de ver derrotado no
relvado embora deteste vê-lo vencido em batalhas de secretaria por
actores que até "uma simples gaita de beiços" precisam de (re)aprender
a tocar e a sentir para responder ao rugido do rei leão...
Veremos o que vai suceder-se. Assim "a nação sportinguista" não
mantenha repetidos tocadores a ensaiar e a tocar velhas musicas.
Saudações Democráticas
ANBerbem
Ps: Portugal levou um tal baile de Marrocos que parecíamos todos,
finalmente, ex-marroquinos.Se a dose se repetir, vamos ao AR.
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