segunda-feira, 30 de abril de 2018

UMA HISTÓRIA DO RUFINO CASABLANCA

“Era uma vez um carpinteiro, chamado João Rufino, que estava sem trabalho. Como não tinha outros rendimentos e tinha cinco filhos e um neto para sustentar, decidiu ir, com o seu amigo António Cainó, roubar umas galinhas para ambos darem de comer às respectivas famílias. Assim, nesta conformidade, e como conheciam perfeitamente os galinheiros da região, nessa noite, assaltaram um deles na herdade do Manuel Parroleira, grande agrário da terra e mais forreta que um judeu. Como a capoeira estava bem fornecida de vários tipos de aves, fácil lhes foi recolher uma boa talega daqueles barulhentos animais. Entre estes avultava um grande ganso macho que, só por si, daria para uma boa refeição para as famílias de ambos. Porém, como as mulheres se negaram a depenar o ganso que, como se sabe, é o animal de capoeira mais difícil de depenar, resolveram entregá-lo ao Zeca, dono da taberna que ambos frequentavam, para que aprontasse um almoço petisqueiro para o domingo seguinte. Seriam convidados para o almoço, o Totó, carpinteiro abegão, com oficina montada no gaveto da estrada de Elvas e travessa do Posto, o mestre Manuel Luís da Leca, ferreiro de profissão, o Mariano Zé Quitola, albardeiro e afamado entusiasta de motocicletas e a comadre Mariana Chatell, ermitoa da igreja de Santo António, que ficava mesmo ali defronte e que, embora mulher, se pelava por um almoço bem regado com vinho da adega do Zé Canhoto. (Esta história de numa adega se beber vinho doutra, fica para explicar numa próxima experiência neste computador, talvez no texto provisório nº 2). Ah…. Já me esquecia de acrescentar ao número de convidados o compadre Virgílio, que sendo autoridade (Guarda Fiscal), não poderia ter conhecimento que o ganso tinha sido gamado ao Manuel Parroleira de quem, aliás, também era compadre. O compadre Virgílio era compadre de toda a gente e, além disso, como já se disse, também era autoridade, muito embora ele se estivesse nas tintas para as autoridades. No dia do almoço, no meio de grande animação, correndo vinho como água corria na ribeira do Alcalate, ali mesmo ao lado, e quando a cabidela já estava a meio da panela, ouviram bater a porta dum automóvel mesmo ali na rua da taberna. Momentos depois, aparecia na porta da casa dos fundos, catacumba aonde decorria o convívio, a cabeça do lavrador Manuel Parroleira. “É hora de ajuste de contas”, pensaram os que sabiam de onde tinha vindo o ganso. E ficaram na espectativa de um bom frente a frente. Qual nada! O lavrador entrou, mesmo sem ser convidado, e foi dizendo: “Que belo cheirinho, espero que não se importem que eu me faça convidado.” - ”Que sim, que era muito bem-vindo, faça favor de se sentar, caro amigo”, disse de imediato o João Rufino, puxando uma cadeira para o Manuel Parroleira.
E aqui acaba esta “estória”, se assim se pode chamar.
Apenas queremos deixar registado que estas palavras foram escritas, cerca de dez anos depois dos factos relatados terem acontecido. E foram escritas pelo neto do João Rufino, aquele puto que lá no canto da catacumba, sentado num caixote de sabão, esteve entretido com um pirolito e um punhado de tremoços durante toda a tarde, assistindo às conversas e aos truques daquele grupo de velhos.
 Rufino Casablanca - Monte do Meio

Nota: Mais tarde, muito mais tarde, quase quarenta anos mais tarde, este registo do início dos anos sessenta, manuscrito num caderno quadriculado, foi passado para esta nova invenção que são os computadores.

3 comentários:

Anónimo disse...



OBS.


Parece poder dizer-se que os factos eram uns mas os argumentos tiveram

de ser já outros da parte do senhor M. P. o dono dos gansos.

Saudações

ANB

Anónimo disse...


É muito Bom Recordar estas Deliciosas Histórias !...
Como não podia deixar de ser, uma Bela Gargalhada...

Cinco dos Personagens Aqui citados, eram da Minha Família...

Quanto à Sr.ª,segundo me foi dito, embora num grau já afastado, ainda era
minha Prima.


"Lá vai a Mariana Chatela,
correndo como um perdigoto;
com a garrafa debaixo do braço
a caminho do Zé Canhoto..."

( A quadra não é da minha autoria e já tem muitos anos !...)



















Anónimo disse...
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