“Era uma vez um carpinteiro, chamado João Rufino, que estava sem trabalho.
Como não tinha outros rendimentos e tinha cinco filhos e um neto para
sustentar, decidiu ir, com o seu amigo António Cainó, roubar umas galinhas para
ambos darem de comer às respectivas famílias. Assim, nesta conformidade, e como
conheciam perfeitamente os galinheiros da região, nessa noite, assaltaram um
deles na herdade do Manuel Parroleira, grande agrário da terra e mais forreta
que um judeu. Como a capoeira estava bem fornecida de vários tipos de aves,
fácil lhes foi recolher uma boa talega daqueles barulhentos animais. Entre
estes avultava um grande ganso macho que, só por si, daria para uma boa
refeição para as famílias de ambos. Porém, como as mulheres se negaram a
depenar o ganso que, como se sabe, é o animal de capoeira mais difícil de
depenar, resolveram entregá-lo ao Zeca, dono da taberna que ambos frequentavam,
para que aprontasse um almoço petisqueiro para o domingo seguinte. Seriam
convidados para o almoço, o Totó, carpinteiro abegão, com oficina montada no
gaveto da estrada de Elvas e travessa do Posto, o mestre Manuel Luís da Leca,
ferreiro de profissão, o Mariano Zé Quitola, albardeiro e afamado entusiasta de
motocicletas e a comadre Mariana Chatell, ermitoa da igreja de Santo António,
que ficava mesmo ali defronte e que, embora mulher, se pelava por um almoço bem
regado com vinho da adega do Zé Canhoto. (Esta história de numa adega se beber
vinho doutra, fica para explicar numa próxima experiência neste computador,
talvez no texto provisório nº 2). Ah…. Já me esquecia de acrescentar ao número
de convidados o compadre Virgílio, que sendo autoridade (Guarda Fiscal), não
poderia ter conhecimento que o ganso tinha sido gamado ao Manuel Parroleira de
quem, aliás, também era compadre. O compadre Virgílio era compadre de toda a
gente e, além disso, como já se disse, também era autoridade, muito embora ele
se estivesse nas tintas para as autoridades. No dia do almoço, no meio de
grande animação, correndo vinho como água corria na ribeira do Alcalate, ali
mesmo ao lado, e quando a cabidela já estava a meio da panela, ouviram bater a
porta dum automóvel mesmo ali na rua da taberna. Momentos depois, aparecia na
porta da casa dos fundos, catacumba aonde decorria o convívio, a cabeça do
lavrador Manuel Parroleira. “É hora de ajuste de contas”, pensaram os que
sabiam de onde tinha vindo o ganso. E ficaram na espectativa de um bom frente a
frente. Qual nada! O lavrador entrou, mesmo sem ser convidado, e foi dizendo:
“Que belo cheirinho, espero que não se importem que eu me faça convidado.” -
”Que sim, que era muito bem-vindo, faça favor de se sentar, caro amigo”, disse
de imediato o João Rufino, puxando uma cadeira para o Manuel Parroleira.
E aqui acaba esta “estória”, se assim se pode chamar.
Apenas queremos deixar registado que estas palavras foram escritas, cerca
de dez anos depois dos factos relatados terem acontecido. E foram escritas pelo
neto do João Rufino, aquele puto que lá no canto da catacumba, sentado num
caixote de sabão, esteve entretido com um pirolito e um punhado de tremoços
durante toda a tarde, assistindo às conversas e aos truques daquele grupo de
velhos.
Rufino Casablanca - Monte do Meio
Nota: Mais tarde, muito mais tarde, quase quarenta anos mais tarde, este
registo do início dos anos sessenta, manuscrito num caderno quadriculado, foi
passado para esta nova invenção que são os computadores.
3 comentários:
OBS.
Parece poder dizer-se que os factos eram uns mas os argumentos tiveram
de ser já outros da parte do senhor M. P. o dono dos gansos.
Saudações
ANB
É muito Bom Recordar estas Deliciosas Histórias !...
Como não podia deixar de ser, uma Bela Gargalhada...
Cinco dos Personagens Aqui citados, eram da Minha Família...
Quanto à Sr.ª,segundo me foi dito, embora num grau já afastado, ainda era
minha Prima.
"Lá vai a Mariana Chatela,
correndo como um perdigoto;
com a garrafa debaixo do braço
a caminho do Zé Canhoto..."
( A quadra não é da minha autoria e já tem muitos anos !...)
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