quinta-feira, 5 de abril de 2018

CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM


EDUARDO LUCIANO
                          ESPREMER ATÉ NÃO HAVER SUMO
A arte e a cultura são coisas menores, dizem os comentadores do café da esquina embalados pelo discurso corrente dos que constroem opinião.
Os que decidem sobre os apoios à criação artística têm um discurso diferente, mais elaborado, defendendo a existência de actividade artística com o mínimo de meios porque há coisas muito mais importantes a resolver antes de proporcionar o acesso e fruição das artes e da cultura em geral.
Com esse discurso alimentam concursos onde põem a competir gente de realidades diferentes e possibilidades diferentes para a obtenção da migalha do orçamento colada à percentagem inexistente. Colada ao zero, ainda que separada dele por umas curtas décimas.
Este ano o resultado do concurso promovido pela dgartes conseguiu o milagre de tornar o país ainda mais assimétrico, de fechar portas a companhias e criadores e de tornar letra morta a letra moribunda do texto constitucional que refere o acesso generalizado à cultura.
Quando na Assembleia da República o PCP propôs, em sede de Orçamento de Estado, um conjunto alargado de medidas que alterassem o rumo das políticas públicas de apoio às artes e colocasse como mínimo o valor disponibilizado em 2009, antes dos cortes operados pelo governo do PS dirigido por Sócrates, conseguiu que PS, PSD e CDS votassem contra tais propostas.
Preferiram apostar em mais do mesmo, em coerência com as políticas prosseguidas ao longo de décadas, provavelmente fazendo contas aos votos dos que acham que a arte e a cultura é coisa de ricos que já resolveram todos os outros problemas nos seus países, ou que acham que o acesso a esse bem deve ser para quem o pode pagar.
O resultado que agora se conhece não se deve apenas aos malefícios deste último concurso. Deve-se a décadas de subfinanciamento, de subalternização, de incompreensão do papel da cultura na vida das populações para a criação de pensamento crítico e exigente.
Quanto mais gente acede à cultura e à arte, menos gente discute com base em preconceitos sem sentido ou com premissas injectadas massivamente por outros.
O momento que atravessamos é de tal gravidade que corremos o risco de ver desaparecer companhias e criadores com décadas de existência difícil e de resistência heróica, em particular no interior do país.
Em Évora essa situação pode bem vir a acontecer com um projecto exemplar de descentralização teatral iniciado após a Revolução de Abril.
O país é pobre, o dinheiro não chega para tudo, estamos a sair de uma situação difícil, é o argumento dos que defendem a tese do aguentem se conseguirem.
Não há 25 milhões para repor a disponibilidade dos apoios de 2009, mas há milhares de milhões para injectar em bancos levados à falência por agiotas que os descapitalizaram em proveito próprio e da sua corte de amigos.
Não é possível dedicar 1% do PIB à cultura, mas é possível pagar muito mais que isso em juros de dívida contraída para que uns quantos pudessem ter vivido acima das nossas possibilidades.
Perante a situação criada só há um caminho: a luta organizada. A correcção dos resultados destes concursos não é questão de contestação aos supostos argumentos técnicos dos decisores, é uma questão do reforço imediato da verba disponibilizada de forma a não excluir ninguém.
A questão não é técnica (nunca é) a questão é política.
Até para a semana



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