segunda-feira, 23 de outubro de 2017

CRONICA DE OPINIÃO TRANSMITIDA HOJE NA DIANA/FM

MARIA HELENA FIGUEIREDO
                                           LEVANTE-SE A VÍTIMA!
Tinha-me proposto falar hoje sobre a situação dramática que tantos e tantas portuguesas estão a viver nos últimos meses por causa dos incêndios que têm afectado o país.
Mas fui surpreendida – melhor dizendo avassalada – por uma outra brutalidade. A brutalidade de um vergonhoso acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no dia 17 deste mês, num processo de violência de género. Mais um dos muitos processos de violência sobre as mulheres que correm pelos Tribunais e em que tantas vezes as vítimas parecem estar no banco dos réus.
Talvez por formação, dificilmente me verão a comentar em concreto a justeza das decisões dos Tribunais, mas neste caso, os termos em que o acórdão foi proferido por um Tribunal Superior não pode deixar ninguém indiferente.
Neste caso, o Tribunal da Relação do Porto, reconhecendo a existência de crimes praticados sobre uma mulher, decide suspender as penas que foram aplicadas aos arguidos condenados (o marido que a agrediu e o homem com quem tinha mantido uma relação extraconjugal e que a tinha sequestrado).
Diz o Tribunal no acórdão, que começou a circular este fim de semana, que “o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem”, que “sociedades existem em que a mulher adultera é alvo de lapidação até à morte“ e que “na Bíblia podemos ler que a mulher adultera deve ser punida com a morte”.
E continua a justificação para “acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente “e acrescenta que são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adulteras… tudo isto para concluir que foi a deslealdade e a imoralidade sexual da mulher que justificaram as condutas dos agressores.
A gravidade deste acórdão advém do facto de os magistrados – um homem e uma mulher, pasme-se! – não hesitarem em recorrer à sua moralidade bafienta para aligeirar a culpa de quem pratica os crimes, ao mesmo tempo que destroça a vítima com julgamento moral pouco digno e inadmissível em magistrados. Expressões como “mulher honesta” desapareceram da jurisprudência há décadas.
Mas a gravidade desta decisão advém sobretudo de, por esta via, estar a legitimar a violência exercida por um homem sobre a “sua” mulher.
Em Portugal os números relativos às várias formas de violência de género são assustadores.
Duas mulheres são assassinadas a cada mês que passa e outras duas são vitimas de tentativa de homicídio. Nos últimos 13 anos foram assassinadas 450 mulheres pelos companheiros.
A estes, somam-se os crimes de violência doméstica que não levam à morte da vitima ou os crimes sexuais. Quantos são os crimes cometidos a cada ano ficam impunes pelo simples facto de as vitimas serem mulheres?
Há 17 anos a violência doméstica foi tornada crime público. Em Portugal temos assistido a sinais positivos no que diz respeito à concretização da igualdade de género, uma das formas de concretizar a igualdade, reforçando a democracia e tornando-nos a todos mais livres.
Apesar disso, um Tribunal Superior, em 2017 e em Portugal, não teve pejo em fazer apelo à Bíblia ou ao que chama de mulheres honestas para perpetuar, desta forma, estereótipos ultrapassados, numa decisão que viola os princípios constitucionais e que a todos deve envergonhar.
São decisões como esta que reforçam a necessidade de todos e todas sermos feministas.



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