MARIA HELENA FIGUEIREDO
LEVANTE-SE A VÍTIMA!
Tinha-me proposto falar hoje sobre a situação dramática que tantos
e tantas portuguesas estão a viver nos últimos meses por causa dos incêndios
que têm afectado o país.
Mas
fui surpreendida – melhor dizendo avassalada – por uma outra brutalidade. A
brutalidade de um vergonhoso acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido
no dia 17 deste mês, num processo de violência de género. Mais um dos muitos
processos de violência sobre as mulheres que correm pelos Tribunais e em que
tantas vezes as vítimas parecem estar no banco dos réus.
Talvez
por formação, dificilmente me verão a comentar em concreto a justeza das
decisões dos Tribunais, mas neste caso, os termos em que o acórdão foi
proferido por um Tribunal Superior não pode deixar ninguém indiferente.
Neste
caso, o Tribunal da Relação do Porto, reconhecendo a existência de crimes
praticados sobre uma mulher, decide suspender as penas que foram aplicadas aos
arguidos condenados (o marido que a agrediu e o homem com quem tinha mantido
uma relação extraconjugal e que a tinha sequestrado).
Diz
o Tribunal no acórdão, que começou a circular este fim de semana, que “o
adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem”, que
“sociedades existem em que a mulher adultera é alvo de lapidação até à morte“ e
que “na Bíblia podemos ler que a mulher adultera deve ser punida com a morte”.
E
continua a justificação para “acentuar que o adultério da mulher é uma conduta
que a sociedade sempre condenou e condena fortemente “e acrescenta que são as
mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adulteras… tudo isto para
concluir que foi a deslealdade e a imoralidade sexual da mulher que
justificaram as condutas dos agressores.
A
gravidade deste acórdão advém do facto de os magistrados – um homem e uma
mulher, pasme-se! – não hesitarem em recorrer à sua moralidade bafienta para
aligeirar a culpa de quem pratica os crimes, ao mesmo tempo que destroça a
vítima com julgamento moral pouco digno e inadmissível em magistrados.
Expressões como “mulher honesta” desapareceram da jurisprudência há décadas.
Mas
a gravidade desta decisão advém sobretudo de, por esta via, estar a legitimar a
violência exercida por um homem sobre a “sua” mulher.
Em
Portugal os números relativos às várias formas de violência de género são
assustadores.
Duas
mulheres são assassinadas a cada mês que passa e outras duas são vitimas de
tentativa de homicídio. Nos últimos 13 anos foram assassinadas 450 mulheres
pelos companheiros.
A
estes, somam-se os crimes de violência doméstica que não levam à morte da
vitima ou os crimes sexuais. Quantos são os crimes cometidos a cada ano ficam
impunes pelo simples facto de as vitimas serem mulheres?
Há
17 anos a violência doméstica foi tornada crime público. Em Portugal temos
assistido a sinais positivos no que diz respeito à concretização da igualdade
de género, uma das formas de concretizar a igualdade, reforçando a democracia e
tornando-nos a todos mais livres.
Apesar
disso, um Tribunal Superior, em 2017 e em Portugal, não teve pejo em fazer
apelo à Bíblia ou ao que chama de mulheres honestas para perpetuar, desta
forma, estereótipos ultrapassados, numa decisão que viola os princípios
constitucionais e que a todos deve envergonhar.
São
decisões como esta que reforçam a necessidade de todos e todas sermos
feministas.
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