As eiras
Está implícito,
que escrever sobre as eiras, terá que se falar na debulha, nas sementeiras, nas
mondas, nas ceifas.
E porque não nos
celeiros?
Nos celeiros
artesanais, muitas vezes limitados a pequenos baús ou a grandes caixões, onde
se guardava, especialmente, o trigo para a feitura da farinha, que depois de
amassada e cozida se transformava no saboroso pão.
Havia os celeiros
estatais onde os lavradores e os fazendeiros iam meter o trigo, que o mercado
livre não o podia comercializar.
No monte do meu
avô paterno existia um grande caixão, onde se guardava o trigo para se fazer a
farinha.
Por altura da
feira de são Francisco, no Redondo, a minha avó comprava peros de Esmolfe e
guardava-os dentro do trigo, o que dava um cheiro muito agradável ao irem
amadurecendo. Pensei que obtinha o mesmo resultado com os peros bravos, os
“soromenhos”, claro que iam amadurecendo muito lentamente, mas cheiro não
deitavam.
As eiras componham-se
de rectângulos ou círculos, umas com chão tratado e coberto de alvenaria, de
piso liso, tratado com cal, feita de desperdício de pedra mármore, que depois
de cozida, se comprava nos fornos do Bairro Branco, perto de Borba. Outras
térreas, previamente trabalhadas para ficarem lisas e situadas em terreno
direito.
Em Terena, no
Rossio, recordo-me perfeitamente das eiras.
No Verão, aquele
recinto, enchia-se de cereal ainda na palha e em molhos, armazenados em
“farrascais” á espera de serem debulhados.
A eira da “tia”
Inês Coelha e a do “tio” Zé Macedo eram as maiores.
Jamais me
esquecerei do episódio que lhe irei dar, de imediato, conhecimento.
O “tio” Reco era o carreiro de uma parelha
de mulas, na casa do senhor do Zé Macedo e fazia o carrego do trigo para a
eira. Atrás do carro, carregado de molhos de trigo, numa carrada bem feita, em
forma de triângulo, trazia um grande lagarto pendurado, pelo pescoço, por um
fio. Observando o lagarto, seguia uma cadela, muito pequena de nome
pombinha.
Não creio se o
lagarto se desprendesse e caísse, a cadela tivesse coragem de o apanhar, mas
certo foi a dura impressão que me ficou e, talvez tenha contribuído, para uma
minha melhor aceitação do meio que nos rodeia.
Findo o carrego
do cereal seguia-se a debulha. Os molhos eram abertos e espalhados e
harmoniosamente espalhados pela eira. Se o tempo estava húmido, esperava por um
dia mais quente, assim o cereal desprendia-se melhor da espiga e a palha era
melhor cortada pelas facas do trilho. Este utensílio consistia em três ou
quatro grandes rolos de madeira, com muitos objectos cortantes espetados na
mesma, as facas, mas com o corte virado para o chão, ao mesmo tempo que a palha
era cortada o cereal desprendia-se da espiga.
A palha servia de alimento para
os animais e de inverno, também se lhes dava algum cereal, ração composta quase sempre, de aveia com uma pequena porção de favas misturadas.
O movimento do trilho puxado pelas bestas, em singelo ou em parelhas, provocava um agradável ritual a qualquer observador.
As bestas, primeiro a passo, depois a trote, obedecendo ás ordenações do seu carreiro, que de contente cantava, intervalando o cante com o mando.
Gira, gira, trilho gira / gira á roda sem canseira /
trigo da palha tira / haja pão na nossa eira.
As cantigas de
improviso não se afastavam muito do sentido desta quadra.
As canções
tradicionais portuguesas, como o Malhão, o Passar da Ribeirinha, o Alecrim aos
Molhos, também andavam muito na boca dos carreiros, por esta altura.
Não podia deixar
de referenciar aqui, duas quadras, oriundas da Aldeia das Hortinhas, na
freguesia de Terena, pelo seu salutar sentido crítico:
tenho a barriga cheia.
Oh
aldeia das Hortinhas és pequena, tens valor / tens Salazar e Craveiro / e
também Deus Nosso senhor.
E assim numa
falsa alegria se ia enganando e distraindo muitas privações e amarguras da
vida.
Dir-se-ia, que
entre o animal bípede e os quadrúpedes existia uma perfeita sintonia, ma
simbiose que ambos iriam usufruir, dada pelo culminar do esforço de cada
um.
Agora ali na
eira ambos tinham a sua compensação.
Nos dias de
pouca “maré”, vento, tornava-se quase impossível a limpeza do calcador, havendo
alguns dias, ser necessário esperar pelo dia seguinte.
Aparecido o vento, com forquilhas de pau
e de dentes muito largos, chamada balde, separava-se a palha mais leve.
A
moinha e a palha mais miúda eram separadas com forquilhas de seis e cinco
dentes, ambas também de pau, e finalmente com a pá de “jar”, o cereal, trigo,
aveia, cevada ou favas ficavam limpos.
A limpeza das favas era, ao princípio, a
mais rápida.
Os restos, os cachos, mistura de troços e
algumas favas, na maioria as mais mal criadas é que levavam muito tempo a
separar. Utilizavam-se ancinhos grandes e de dentes largos, também de pau,
nalguns destes os dentes eram pregos. Por vezes era necessário escolhe-las à
mão.
Outro acto que merece
realce, não só pelo seu esforço e arte, era a malhagem do centeio.
Observei poucas
vezes este ritual, mas o pouco vi gravou-se-me na memória.
Dois homens, de
pé ou sentados no chão, frente a frente, alternando as bancadas, no cereal
posto a sua frente, com dois malhos. Cada malho era composto de dois paus,
quase sempre de eucalipto, ligados numa das extremidades, por duas correias que
lhe permitiam uma perfeita articulação, possibilitando, a um dos paus, uma
pancada horizontal, em cima do centeio, assim a separando a palha da semente.
Um barril, feito nas olarias do Redondo ou nas de Aldeia de Mato, era o recipiente comum nas eiras e usado para conservar a água mais fresca A palha guardava-se em “almenaras”, cobertas de colmo ou de piorno, de ano para ano, quando abundante chegava a durar para dois.
A preceder esta finalização, havia outros trabalhos que para ela concorriam.
AS SEMENTEIRAS
Ás primeiras
águas surgiam os primeiros arranjos da terra, os alqueives cuja preparação não
requeria muito cuidado. Não se devia lavrar a terra mole para não se levantarem
“leivas”, pequenos blocos de terra muito mole, que depois de endurecida,
custavam a desfazer-se e só com o gradeamento se desfazia.
Muitas vezes era preciso esperar pelo “oreamento” da terra.
Depois as
sementeiras, onde, normalmente esperava pela sessão da terra, altura em que
esta permitia o arranjo final para levar a semente.
Esta também tinha
as suas regras ao ser semeada. Primeiro o cauteloso arranjo da terra, depois
uma adubação de fundo e em seguida, nas belgas, previamente marcadas, ia-se
semeando. Quando o trigo ou outro cereal, por qualquer motivo nascia mal,
levava um adubo de cobertura.
AS MONDAS
Trabalho
executado manualmente, quase sempre por mulheres, de cócoras e de sol a sol.
Trabalho penoso praticado no Inverno, ao frio, pisando a geada.
Havia, no
trajo, um contraste entre estes e as mulheres.
Estas, com
alfinetes, faziam das saias mais compridas, calças e por baixo do chapéu de
palha e de abas largas enrolavam a cabeça num grande lenço que lhe cobria a
cabeça e o rosto, ficando-lhes apenas os olhos e o nariz, á vista. Os homens
ceifavam em mangas de camisa.
Os “plainitos”,
usados par a protecção das canelas eram comuns aos homens e ás mulheres. Estes
usavam uma protecção braçal que se
chamava “manguito”, formado de lona ou de cabedal. A parte do corpo mais
vulnerável no acto de ceifar, são os dedos.
Para sua protecção usava-se canudos feitos de cana, excepto
no dedo indicador que se
metia uma dedeira feita de cabedal e para não sair do dedo
atava-se ao pulso, cujo objectivo era dar ao dedo uma flexibilidade capaz de
permitir fazer, do próprio cereal um atilho, que atava os molhos, que juntos em
pequenas medas, chamadas “ relheiros”.
Os homens
protegiam as pernas com safões de lona.
O objecto com que
se cortava o cereal chamava-se foice, tinha o cabo em madeira e lâmina em aço
com pequenas estrias.
Tinham fama as
foices de Safara, terra do baixo Alentejo.
A enorme
transpiração que este trabalho provocava, tornava a sede em inimigo para com os
ceifeiros, sendo necessário criar-se a figura de um “aguadeiro”, que de cântaro
na mão, dava, espaçadamente, água ao rancho ceifeiro.
Entre os rapazes, devido às eiras,
instalou-se o hábito - dormir nas eiras. –
Confesso que foi uma prática que usei
apenas uma vez apenas para experimentar.
Com o advento
industrial, apareceram as debulhadoras.
Primeiro
movimentadas, á distancia, por um tractor, cuja correia acoplada às duas
máquinas fazia trabalhar a debulhadora. Para separar a moinha, invólucro onde
se encontrava a semente, era ainda acoplada outra máquina, chamada de “fagulheiro.”
Estas máquinas
também conheceram o seu declínio.
O aparecimento
de uma debulhadora, não só com locomoção própria, mas também separando o cereal
da palha, atirou aquelas para o desuso.
A evolução do
tempo vai matando a tradição, sendo necessário conservar aquilo que destas
tarefas nos vai restando, como legados às novas gerações.
Hélder Salgado
15-12-2010.
1 comentário:
Interessante, muito interessante, este texto do Hélder.
Sobretudo para que na nossa memória não fiquem apenas estas movas tecnologias agrícolas.
Cumprimentos!
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