segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

LOCAIS DE OUTRORA

                                       SOCIEDADE DA MUSICA
Depois de nos termos debruçado sobre as tabernas e mais recentemente sobre a Sociedade Artística, vamos hoje completar esta ronda pelos locais típicos do Alandroal do seculo passado.
Fundada muitos anos após a Sociedade Artística, tudo me leva a crer que a mesma nasceu por vontade expressa de vários músicos, impossibilitados de frequentarem a S.A.R.A., ou talvez devido às exíguas dimensões do local do ensaio da Banda (na altura Municipal), precisamente onde mais tarde funcionou a casa das aferições, o Registo Civil e presentemente uma dependência da Câmara Municipal.
Certo é que não se pode, quando se fala da Sociedade da Musica desassociar o nome do Juvenal Roma (o Nai) á sua criação e com um papel menos preponderante o Ernesto, e o Bento Roma, entre outros, e com o precioso aval do então Presidente da Camara Sr. Cisneiro, o último Autarca antes do 25 de Abril.
Situava-se a mesma no interior do Castelo, mais precisamente no final da Rua do Castelo, num prédio pertença do Senhor Joaquim Martins, abastado lavrador e que também exerceu a Presidência da Câmara.
Imóvel constituído por dois andares, apenas se tinha acesso ao rés-do-chão por uma outra entrada situada mais acima, que nos conduzia a um quintal, situado na parte de cima, dado que na parte de baixo havia sido construído em cimento um espaço vulgo esplanada, que tinha como serventia principal pista de dança, e ao lado uma divisão térrea, adaptada para servir de bar, em noites de “função”, e uma escadaria que dava acesso ao primeiro andar. Tudo isto emoldurado pelas vetustas muralhas do Castelo.
Não era de todo agradável a entrada principal da Sociedade da Musica, tão pouco as dependências que a serviam albergavam grandes luxos. Uma escadaria com um cotovelo a meio conduzia-nos a um pequeno pátio pelo qual se tinha acesso a uma pequena sala que se destinava aos ensaios da Banda. Em frente situava-se o salão de baile de razoável dimensão, com palco provisório ao fundo e ladeado de cadeiras ao longo das paredes.
 Em frente funcionava o bar, com porta ao fundo para acesso à já referida esplanada. Uma porta lateral levava-nos a duas salas, onde existia uma pequena mesa de snooker e servia como casa de petiscar, e uma outra destinada ao jogo das cartas (inofensivo em comparação com a congénere Artística), e em noites de baile como casa de copa e maquilhagem para as Senhoras.
Por ser menos exigente na seleção dos associados, por se tratar de uma colectividade que ostentava e lutava em prol de algo que desde sempre os Alandroalenses acarinharam: a sua Banda de Música, o certo é que praticamente não havia um único residente que não fosse sócio. Tal deu azo que os bailes ali realizados se tornassem num fenómeno de multidões, onde por vezes se dançava um passo-doble sem sequer se sair do mesmo sítio.
Foi também a Sociedade da Musica pioneira na aquisição de um televisor que era disponibilizado, mediante o pagamento de 10 tostões por pessoa, aos  seus associados. Casa cheia em noites de touradas, teatro e, recordo-me agora, dos saraus do Ginásio Clube Português para se ver um filho da terra que praticava “argolas” (filho do Dr. Barrento), levantando-se a casa em peso para aplaudir quando executava o “Cristo”. Era lindo o convívio quando após o jantar se enchia a sala para ver o Bonanza, o Dallas, rir com o Camilo e a Ivone, aprender com o Artur Agostinho, ouvir a Amália, o Francisco José, o Tony de Matos. E namorar, sem ter a mãe dela a fiscalizar!
E nas cálidas noites de Verão, assistir na Esplanada a Teatros, Variedades (por lá passaram grandes nomes: Fernanda Baptista, Igrejas Caeiro, Tomé de Barros Queirós, Mimi Gaspar, Alberto Ribeiro...) 
Falta-nos recordar aqui um nome que ficou desde sempre ligado à colectividade no desempenho de contínuo/ barman. Dona Maria do Cesário. Pessoa que aqui recordo com muita saudade não só pela amizade que mantinha com minha mãe, mas pela sua maneira de encarar a vida, sempre alegre, sempre com uma graçola metida a tempo, dona de uma voz excelente e que nunca se poupava a uma chalaça a hora certa. Acode-me à lembrança a excelência do peru assado que fins de semanas a fio, eu e um amigo do peito, que na altura trabalhava noutra localidade e que chegava ao Alandroal Sábados à tarde, nos banqueteávamos com o peru da Maria do Cesário. É que o conseguíamos comer todo! Agora nem uma codorniz!
Como tudo na vida a Sociedade da Musica acabou. Não vem ao caso o porquê. Nem tal interessa.
 O edifício foi-se degradando, caindo a pouco e pouco e tornou-se uma verdadeira nódoa encravada no nosso secular Castelo. Um autêntico ninho de ratos e outros bichos asquerosos.
Felizmente houve alguém com a lucidez suficiente e o arrojo necessário, para deitar toda aquela vergonha abaixo. 
Algumas vozes discordantes se levantaram. Mas o bom senso prevaleceu e hoje felizmente os Alandroalenses podem-se orgulhar de apresentar um espaço digno, onde outrora, cumprida que foi a sua missão esteve instalada a Sociedade da Musica.

Chico Manuel
Fevereiro 2017



4 comentários:

Anónimo disse...



OBS.


1.É isto mesmo. A Sociedade da Musica era assim.Tudo o que o Sr. Francisco m.descreve em termos fisicos e depois humanos referindo-se, por exemplo, à Maria do Cesário está à altura do que ali acontecia. Mas já que estamos neste campo, lembram-se também do contínuo Sr. Batata, mulher e filhos ( um dos quais era muito meu amigo) penitenciando-me,desde já, por já não me lembrar dos seus nomes originais. O Sr. Batata como não gostava de bola (era um homem de foguetes) e quando os putos estavam a ver o Domingo Desportivo apagava-nos a Televisão. E pronto, merd@ qual Benfica qual caraças...

2.Por outro lado, soa-nos ainda aos ouvidos e,claro, vem-nos à memória (em linguagem mais actual) que a Sociedade da Musica era menos elitista, mais socialista e popular enquanto a SARA era mais selectiva e cosmopolita. Foi esta uma das suas marcas genéticas enquanto as duas existiram. Paz à sua alma recreativa e aos seus frequentadores nocturnos.

3. Há,no entanto, um dado muito importante que convém repetidamente destacar na Sociedade da Musica. Ali foram formados dezenas de musicos. DE bons musicos trabalhados por bons mestres.E julgo mesmo que todos os que ali aprendiam e ensaiavam "as Marchas que depois Arruavam" devem ter ficado com uma enorme recordação e carinho por esses tempos.Tanto os músicos como todos os alandroalenses embevecidos com a sua Banda. E se, a Banda hoje continua a existir deve-o em parte a esse criativo e mutuo enlevo musical e social. Tocado e partilhado de geração em geração.

4. Finalmente.

Vamos acrescentar que, se podemos estar de acordo com a demolição do velho casarão, é também uma oportunidade que nos cabe para perguntar onde é que foi parar (ou onde ainda poderá estar?) o Espólio ou parte do Espólio da S.M. de que a nossa memória afinal não anda assim tão esquecida. E já que a Banda era Municipal, a Autarquia poderá dizer-nos alguma coisa sobre este ponto?


5. Na parte mais lúdica deste escrito e quanto aos tais "Paso-Dobles" que ali eram dançados, direi que foi uma das melhores invenções da Sociedade da Musica. Uma imagem de marca do quanto aquela bela quadrada Laje branca ( uma obra esquadrinhada pelo Mestre Zé Gato, pai do Juvenal) deu muitos filhos ao Alandroal. Dançados como agulha em palheiro aquilo era um Mar e um ver se te avias. Assim foi. Ainda bem que assim foi. A Sociedade da Musica é mais um marco cultural da nossa Vila. INesquecível!

Por hoje,fiquemos por aqui.

Saudações Democraticas


Antonio Neves Berbem

Anónimo disse...

Pergunta pertinente do comentador acima.
Com a certeza que muito do espólio terá sido transferido para outros locais, falaremos então, digo eu, de instrumentos, mobiliário, etc.
Ora, todo o material respeitante aos instrumentos musicais presume-se que tenha seguido com a referida banda, que ainda hoje existe, o mobiliário, não sendo de última geração e, presumo que sem a devida manutenção, não terá tido igual sorte. Poderá, eventualmente, ter sido “evacuada” para a ladeira das Pedras.
Não me parece, todavia, que estejamos tão perto do golfo de Áden, cercados de piratas somalis e iemenitas, e entregues a actos de pirataria e saque. Digo eu.
Resta-nos, portanto, e concordando com o administrador, falar do restante espólio possível, que seriam outros seres que coabitavam harmoniosamente o interior da S.M, nomeadamente alguns (talvez bastantes) roedores, baratas, percevejos, e afins.
Talvez, tais seres ainda se recordem da bela música que por lá se tocava, e, recordando esses belos tempos, ainda por lá dancem uns belos "Pasos-Dobles".
Neste caso concreto, talvez seja atinente o contacto de entidades referenciadas e especialistas destes seres vivos, para serem devidamente reencaminhados para preservação das respectivas espécies. Afinal, todos os animais, mesmo os rastejantes, têm o direito à vida.
Adérito Borralho

Anónimo disse...

Ora bolas, então só se lembrou disso?
Então que dizer do "trem" de cozinha?
As colheres de pau, a sertã, o fogão de dois bicos?
O passe-vit, o gral, o rolo da massa?
O imprescindível funil?
Será que foi feito o devido inventário deste precioso material de copa?

Anunciação Matelo

Anónimo disse...



OBS.


1. De facto, a história dos espólios ( ricos, artísticos, pobres e com ou sem piada) é quase sempre uma sucessão acidentada. Mas convém recordar que os grandes e os pequenos acontecimentos, andam sempre de mão dada e mostram a toda a hora as visões e narrativas que vamos metendo nas nossas cabeças.

Assim como não é difícil perceber que a a História ( a grande e a pequena) se molda ao nosso proprio modo de falar de " percevejos e de roedores" e fazermos destes bichinhos uma qualquer forma de dizer uma coisas íntimas e simplistas.Será somente uma questão de perspectiva?

2. Vistas bem as coisas não será apenas mais uma maneira já antiga de pormos sempre " a cauda a abanar o cão" ladeira abaixo. Estaline dizia sempre que " os vencedores nunca são culpados de nada". A História afinal desmentiu-o.

3. Sem ponta de azedume, vamos apenas acrescentar ( e adiantar aos dois comentários lidos) que procurámos acompanhar ( o Sr. F.M. Tata) valorizando a Sociedade da Musica destacando-lhe especialmente a vertente da Formação de bons e jovens Musicos.

4. Pela nossa parte foi só isto. Devemos contudo mais uma vez historiar (e lembrar),de passagem, que foi com «Colheres de Pau» que durante seculos e seculos as pessoas comiam. Uma utilidade histórica inegável que, em Portugal, até durou bastante mais tempo do que devia. Ou não foi assim, e a nossa memoria também já deixou de ser o que era e qualquer dia tornamos sabe-se lá a comer à mão?

Com os meus melhores cumprimentos


Antonio Neves Berbem