Baseado em Textos do
Dr. Alexandre Laboreiro.
Cultura e Resistência
(Engenheiro, político e
intelectual Guineense)
Há alguns dias, a jornalista Bárbara Reis - em
editorial de despedida do Cargo de Directora do “Público” -
assinalaria a seguinte constatação: «Vencerá o jornalismo que for
relevante, incómodo, ético e independente
- já agora, o único pelo qual
vale a pena perder o sono. Sobreviverá quem conseguir manter isso e ao mesmo
tempo chegar aos leitores, conquistar assinantes e publicidade. Essa é a
pergunta “um milhão de dólares”. Dizer que os jornais estão numa complexa
encruzilhada é um cliché gasto, sobretudo desde que começaram a fechar jornais
nos Estados Unidos e as previsões apontavam para mortes em cadeia. A cascata
negra não se confirmou. Mas depois de os gurus terem dito tudo, e o seu
contrário, sobre como vai ser “o futuro”, estamos na mesma quanto ao essencial:
só os doidos têm certezas sobre como vamos estar daqui a dez anos.»
E, reconheçamos, continua a ser primordial o papel da
Imprensa (a par da Rádio, da Televisão, do Disco, do Cinema) na afirmação da
Democracia - enquanto fundamentais para fomentar a
formação de uma nova Cultura, e a de um
Homem Novo. Por isso, deverá imprimir-se-lhes uma orientação educativa e
libertá-los do seu caracter comercial, adoptando as medidas necessárias para
que as organizações sociais possam dispor desses meios e eliminando a presença
nefasta dos monopólios.
António Sérgio entendia e defendia que o princípio essencial
da Democracia, é o respeito da dignidade da pessoa humana. Considerava ele que
nunca devemos querer conduzir os homens sem que tais homens deêm por isso.
Sérgio via nesta atitude o cúmulo do desprezo; seria tratá-los como
inconscientes, como “coisas” , e não
como pessoas. Para ele, como democrata, é a de considerar os outros como
“meios”, e não como “fins”. A Democracia
- dizia ele - é o
sistema em que se deseja para o cidadão, o máximo de consciência: «queremos que
cada homem vá convencido e muito consciente, do caminho que segue; assim pensa,
também, o verdadeiro cristão» - afirmava ele.
Assim, será legítimo aceitar que -
na construção da cidadania em
cada Homem - será imprescindível o papel da Educação. Educar
significa favorecer o crescimento da capacidade de racionalização, de
espiritualização, de universalização, de superação de limites vários (que
confinam o indivíduo numa pátria ou grupo, numa localidade ou época) -
habilitando-nos portanto, a sermos educadores da sociedade: o fim da
educaçãoé ela própria, e um dos seus objectos, por isso, o não deixar perder
aos moços aquela plasticidade de inteligência, aquela vibratilidade espiritual
que os capacita para desenvolver-se. Assim, diria ele, «procurai o educador no
varão educável (no de espírito moço) e o homem bem educado no que tomou fome de
educar-se (de manter-se jovem). Para Sérgio, a primeira condição de uma escola
educativa, portanto, é ser um ambiente social: um ambiente social escolhido, simplificado,
purificado, com a quase exclusiva preocupação de a si próprio se aperfeiçoar.
E, admitamos, a cultura social de Sérgio -
fortemente inspirada no Cristianismo
- lembra-nos um poema de Antero:
«Irmãos! Irmãos! amemo-nos! é a hora!
// É de noite que os tristes se
procuram. // E paz e união entre si juram... //
Irmãos! Irmãos! amemo-nos agora! »
E, sem qualquer hesitação, é abissal o propósito humanista
da ideologia sócio-política de Sérgio -
ao compararmos a doutrina sócio-política sergiana, com a doutrinação do
Estado Novo. Adientemos um exemplo, com uma passagem de um dos discursos de
Salazar - onde ele define a Democracia como “o erro do
excesso de política” - pelo que o povo não estava preparado, nem
destinado a ser o sujeito (mas, sim o objecto) da política que o escol
salazarista definia - com o recurso à censura, à perseguição, à
prisão, ao exílio (como sucederia ao próprio António Sérgio). Assim, como
ressalta num curto texto (inserido in “A opinião pública actual”), «convém acrescentar:
que a consequência mais grave do exercício da censura consiste na agudização da
crise no transporte cultural de uma geração a outra, relativamente ao grau da
sua intervenção na difusão das normas e valores. O exercício da censura deixa
marcas, especialmente na identidade cultural, ao fazer diminuir a capacidade de autodefesa social, na sua
adaptação orgânica a novas medidas padronizadas do desenvolvimento, do qual
dependem os factores de integração».
Assim, como era
- para Sérgio - a
Democracia? Diz-nos ele: «É, sob o ponto de vista político, o regime em que são
fiscalizados os governos pelos representantes da opinião pública, e em que os
representantes da opinião pública votam as bases da legislação (sob um conjunto
de garantias rigorosamente determinadas) buscando, por aqueles meios, a
progressiva igualização de todos os membros da sociedade (aproximação da
sociedade sem classes).»
Porém, quem dá realidade à Democracia? Responde Sérgio: «O
cidadão (de carácter) e de espírito crítico, que consegue dominar os seus
próprios nervos e que sabe opor aos variados poderes (pelos seus juízos e
opiniões) uma resistência pacífica obstinada, lúcida - a
verdadeira reforma da sociedade não depende só de um remédio mecânico a ela
aplicado de uma vez para sempre: tem de estribar-se simultaneamente numa acção
moral de todos os dias. O socialismo eterno e mais profundo é o de carácter
ético e idealista, como Antero de Quental no-lo prègou.»
Dir-nos-ia ainda Sérgio que «Sempre em busca de soluções
mecânicas, muitos se resumem à ideia simplista de “extinguir o analfabetismo”,
de ensinar a ler a todo o povo. Tarefa (essa) não só inútil, mas digamos até
que contraproducente, quando considerada como a essencial. Ensine-se a ler,
claríssimo está: mas (façamo-lo)... tão só como mero instrumento da verdadeira
obra educativa, que é a realização da cultura crítica, da disciplina do homem
pelo seu próprio intelecto, da concentração (do espírito) e da mesura ética, da
lucidez (da objectividade), do movimento centrípeto - em
suma, da “vontade geral” - no ânimo de cada um de nós» -
palavras sublimes, as de Sérgio.
Vivemos, felizmente, em democracia (mais no campo legal, que
casuístico): abrindo assim possibilidades a uma sucessiva abrangência. Seria,
certamente, do mesmo modo o optimismo de
Antero de Quental, quando observou: «Se já alguma hora da história impôs aos
que falam alto entre os povos obrigações de seriedade, de profunda abnegação,
de sacrifício do “eu” às tristezas e misérias da humanidade, de trabalho e silencioso
pensamento; se alguma hora lhes mandou serem graves, puros, crentes é
certamente este dia de hoje.» Sem dúvida, que Antero nos leva a meditar e
reflectir.
In Montemorense –
Novembro 2016
Transcrição autorizada
pelo Autor
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