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vez por mês Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e
costumes de outros tempos
Convento
de S. Francisco - Parte 2
ruínas que respiram história
O corpo da igreja
sofreu alterações importantes nos fins do séc. XVIII e primeira vintena do
imediato, que lhe modificaram a estrutura primitiva: nova capela-mor, e quatro
altares laterais se rasgaram nos prospectos (ocultando os santuários antigos),
dois por banda e sobranceiros, actualmente arruinadíssimos e com fragmentos de
retábulos de talha dourada e marmoreada, do estilo rococó e sem qualquer valor
artístico. Nos dois fronteiros, do lado do coro, subsistem imagens de certo
merecimento, ambas de madeira estofada, a saber: no do Evangelho, “Santo
Agostinho”, bela escultura da 2.ª metade do séc. XVII (alt. 1,35 m) e no da
Epístola, “S. Carlos Borromeu”, esta mais intensamente policromada e da
centúria seguinte (alt. 1,15 m).
Em alto silhar corre apainelado de azulejaria
híbrida, barroco-rococó, com decoração azul e esmalte branco disposto em
painéis de três tipos diversos mas comuns no tempo; no rodapé, azulejos de
figura avulsa enquadrados por molduras geométricas; no centro, quadros de
albarradas e golfinhos divididos por fachas barrocas, e remate ornamental de
urnas e tabelas florais, campaniformes, com cabeças de anjos engalanados de
vieiras. É conjunto populista de fabricação lisbonense de fornadas e épocas
diferentes (c.ª de 1715-40).
O púlpito, de mármore branco, quadrangular, com
faixa de lóbulos e peanha de andares, tem balaústres torneados e oferece
características do tempo de D. João V. Foi aqui, reconstituído, no actual
século, aproveitado da profanada igreja paroquial de Santiago, com deslocação
do primitivo, que era muito pobre e se situava no tramo imediato.
Curiosa portada de granito, obstruída, de acesso ao
claustro monástico, se rasga neste mesmo prospecto. De arco redondo e dois
colunelos emparelhados, é exemplar arcaizante do estilo manuelino, ornamentado
por capitéis encordoados e bases flordelizadas, de corda cilíndrica. Subsistem
as respectivas munhoneiras de repisas arredondadas, coetâneas, também de pedra.
As cinco capelas laterais, de alvores do
quinhentismo, rasgadas nos alçados da banda meridional, subsistem adulteradas.
Uma era tumular da Casa Vilalobos; de outra desconhece-se a invocação, e
identificam-se as restantes, dos nomes antigos da “Aparição”, “Santo Cristo” e
“Jesus Maria José”.
A capela da “Aparição”, jazigo da família Vargem,
no séc. XVII designada “Capela das Ricas”, é obra da fundação e foi
transformada, em tempos indeterminados, com passagem fácil do templo para a
cerca do cemitério. O portal, marmóreo, rococó, está datado: 9.bro / 1755.
De planta quadrangular, tem formoso tecto
polinervado, com artesões miúdos, de tijolo, muito encruzados, e bocetes de
granito, redondos, naturalistas, e o axial decorado pela Cruz de Cristo metida
em medalhão de corda.
Na mesma parede da
lápida das instituidoras foi afixado, em época recente e proveniente de local
indeterminado, um volumoso escudo de fantasia, marmóreo, aposto numa cartela
barroca, com timbre de elmo fechado. Esquartelado, parece ter a representação
heráldica dos Salemas, Botafogo, Cogominhos ou Chaves e Barretos.
A capela-mor actual,
de uma reforma profunda determinada em 1815 pelo padre mestre fr. Manuel de
Jesus Maria Monteiro, professor de Teologia, e concluída três anos depois, não
tem merecimento artístico. Na primeira fase das obras fez-se de novo a abóbada,
janelas gradeadas e reboco geral, externa e internamente. No ano seguinte,
estando provido na guardiania fr. José de Santa Ana Meneses, levantou-se o
retábulo de mármore de Montes-Claros, incluindo as bases, pilares, capitéis,
arquitrave e frisos de cimalha, e em 1817, se fizeram o trono, sacrário,
rodapés, portais e as peanhas destinadas aos Patriarcas “S. Domingos” e “S. Francisco de Assis”. A
empreitada importou em 2 165 355 rs.
Antecedida por ancho arco triunfal de meio ponto,
ornado de estuques escaiolados e armorejado com as insígnias franciscanas, na
cimafronte, ostenta altar do estilo neoclássico, da ordem compósita e colunas
de mármores regionais. Volumoso frontão com enrolamento completa o nicho axial,
aberto e guarnecido da imagem de “Jesus Cristo”, de madeira vulgar: sotoposto,
tabernáculo esculpido com a representação do “Cordeiro Místico”. Apainelados
geométricos, laterais, de pinturas de tinta-de- água, também feitos em 1818 e
retocados no ano de 1901, são centrados por cruzes da Ordem de Malta e
medalhões parietais na cobertura, de secção elíptica, figurados pela “Caridade” (central), “Fé” e “Esperança” (laterais).
Cobrindo o chão do templo
identificam-se algumas sepulturas. Num dos sepulcros, encontra-se enterrado o
fidalgo montemorense D. Vasco Mascarenhas, vice-rei do Brasil e da Índia, falecido em 15 de Julho de 1678. A Câmara da
época, deliberou atribuir o nome do aristocrata à rua onde ele morou, e assim
nasceu a Rua de D. Vasco (que nada tem a ver com Vasco da Gama, como muitas
vezes se comenta).
Anexo ao Convento,
foi instalada a Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco. Depois
de albergar durante anos famílias necessitadas, o devoluto espaço, por
iniciativa do saudoso Padre Alberto e do Capitão Tregeira, recebeu na década de
oitenta do século passado, o Agrupamento 894 do Corpo Nacional de Escutas.
Após
a Convenção de Evoramonte que pôs termo à Guerra Civil Portuguesa (1828 –
1834), surgiu o decreto de 30 de Maio de 1834, da autoria do Ministro da
Justiça, Joaquim António de Aguiar, que determinou “a imediata extinção de
todas as casas de religiosos e a incorporação dos seus bens na Fazenda
Nacional, à excepção dos vasos sagrados e paramentos que seriam entregues aos
ordinários das dioceses.
Onze
anos depois da extinção do Convento de
S. Francisco, a Câmara Municipal decidiu instalar na cerca do mosteiro o
Cemitério Público. No portão exterior da necrópole, feito de ferro
fundido, está gravada a data de 1845.
No convento, instalaram-se depois, o Quartel de
Cavalaria e a Estação Telegráfica, até ser cedido à Câmara Municipal por troca
com um foro anual de 50 000 rs., que o município recebia pelo terreno
actualmente ocupado pelo polígono de Vendas Novas. Esta permuta foi autorizada
por portaria de 10 de Janeiro de 1871.
Posteriormente, vários serviços municipais se
instalaram no devoluto convento: serviços de abegoaria, higiene e limpeza,
cocheiras para as muares que recolhiam o lixo e o depositavam na lixeira, e já
depois de Abril de 1974, oficinas de mecânica e de serralharia.
Numa das Festas das Colheitas / Feira da Luz que se
realizou no espaço hoje ocupado pelo Parque Urbano, Campo da Feira e Piscinas
Municipais (o folheto do evento não refere a data), o Convento de S. Francisco
acolheu uma exposição denominada “Memórias do Trabalho”. Podemos apreciar
trabalhos executados por abegões, ferreiros, ferradores, albardeiros e
correeiros existentes no concelho.
Desde 1996, o convento está a ser utilizado pelas
Oficinas do Convento – Associação Cultural de Arte e Comunicação ao abrigo de
um protocolo de utilização.
Em 19 de Janeiro de 2010, através da Portaria n.º
63/2010, o conjunto constituído pela Igreja e Convento de S. Francisco foi
classificado como Imóvel de Interesse Público.
Face à degradação do conjunto recentemente classificado,
a firma A2P Consult – Estudos e Projectos, Ld.ª elaborou o projecto de
Reabilitação e Reforço Estrutural do Convento de S. Francisco. O referido
projecto contempla fundamentalmente uma intervenção de tipo estrutural com a
proposta de medidas correctivas a aplicar em função das anomalias existentes. O
conjunto de trabalhos aí previstos inclui, para além dos reforços estruturais,
intervenções ao nível das coberturas, drenagem de águas pluviais, reabilitação
de paredes e tectos, colocação de pavimentos, reposição de caixilharias e
pintura geral do edifício. Em resultado da programação seguida para aquela
procedimento nos termos estabelecidos pelo Município, ficaram de fora do âmbito
desse projecto de execução, o conjunto de trabalhos de arquitectura necessários
para garantir a funcionalidade plena daquele equipamento.
Nesse sentido, o município mandou o seu Gabinete de
Projectos, coordenado pelo Engenheiro António Abreu, elaborar o indispensável
projecto de arquitectura. Coube ao talentoso Arquitecto Daniel Carapa, elaborar
o requisitado projecto. Da sua Memória Descritiva, seleccionei os seguintes
pontos:
A obra que agora se
pretende promover incide, no fundamental, na reabilitação e requalificação
genérica do edifício. Para esse efeito promovem-se medidas que visam garantir a
eficaz utilização do espaço, bem como a dotação das condições necessárias para
a operacionalidade das Oficinas do Convento, tanto pela melhoria de espaços e
infra-estruturas como pela criação ou aproveitamento de novos espaços.
O espaço da igreja
será destinado à função de auditório, passando assim a colher eventos
destinados ao público. As excepcionais características interiores, pela sua
dimensão e riqueza arquitectónica, permitem antever um espaço vocacionado para
diversos tipo de ocupações, tais como eventos musicais, realização de
conferências, etc.
Resumo do Programa
Funcional
Convento de São
Francisco – Este sector do edificado está destinado às Oficinas do Convento.
Entre as várias funções aí acolhidas encontram-se ateliers, espaços de arrumo,
gabinetes e funções diversas de apoio. Para além da recuperação dos espaços do
edifício, importa contemplar a dotação das correctas infra-estruturas de apoio
às actividades que aí se exercem, em particular no que respeita aos trabalhos
de natureza oficial de maior expressão.
Térreo – oficina das
artes /refeitório monástico – atelier; oficinas – ateliers de actividades;
arrumos / reservas – salas de arrecadação de materiais e obras de arte; sala
nobre / sala do capítulo – sala para pequenos eventos; gabinetes – actividades
diversas; lounge /hospedaria de peregrinos – apoio artistas; instalações
sanitárias – apoio a artistas, i. s. + balneários; instalações sanitárias –
pessoal; terraços – espaço não encerrado destinado a estadia.
Módulos – fotografia
– instalação localizada no interior do edifício (atelier polivalente).
Igreja de São
Francisco – Temos assim, para este sector do edificado, as seguintes
definições: térreo – átrio / nartex – espaço não encerrado; igreja / auditório
– sala com utência máxima de ocupação de público prevista na ordem dos 144
lugares – 284.00 m2; recepção / foyer – sala de recepção de público e entrada
para as Oficinas do Convento; um posto de trabalho permanente; zona de espera;
bar e zona de público – instalações de apoio ao bar; instalações sanitárias –
público.
1.º andar – balcão
/coro alto – área de acesso ao público; gabinete /sala.
O projecto de
recuperação do imóvel, foi aprovado pela Direcção Regional de Cultura do
Alentejo. Em 15 de Março de 2012 procedeu-se à sua apresentação pública.
A obra, orçada em 1,6 milhões de euros,
aguarda a atribuição de apoios comunitários.
Augusto
Mesquita
Dezembro/2016
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