quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

VASCULHAR O PASSADO

Uma vez por mês Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e costumes de outros tempos

                     Convento de S. Francisco -  Parte 2
                                     ruínas que respiram história
            O corpo da igreja sofreu alterações importantes nos fins do séc. XVIII e primeira vintena do imediato, que lhe modificaram a estrutura primitiva: nova capela-mor, e quatro altares laterais se rasgaram nos prospectos (ocultando os santuários antigos), dois por banda e sobranceiros, actualmente arruinadíssimos e com fragmentos de retábulos de talha dourada e marmoreada, do estilo rococó e sem qualquer valor artístico. Nos dois fronteiros, do lado do coro, subsistem imagens de certo merecimento, ambas de madeira estofada, a saber: no do Evangelho, “Santo Agostinho”, bela escultura da 2.ª metade do séc. XVII (alt. 1,35 m) e no da Epístola, “S. Carlos Borromeu”, esta mais intensamente policromada e da centúria seguinte (alt. 1,15 m).
Em alto silhar corre apainelado de azulejaria híbrida, barroco-rococó, com decoração azul e esmalte branco disposto em painéis de três tipos diversos mas comuns no tempo; no rodapé, azulejos de figura avulsa enquadrados por molduras geométricas; no centro, quadros de albarradas e golfinhos divididos por fachas barrocas, e remate ornamental de urnas e tabelas florais, campaniformes, com cabeças de anjos engalanados de vieiras. É conjunto populista de fabricação lisbonense de fornadas e épocas diferentes (c.ª de 1715-40).
O púlpito, de mármore branco, quadrangular, com faixa de lóbulos e peanha de andares, tem balaústres torneados e oferece características do tempo de D. João V. Foi aqui, reconstituído, no actual século, aproveitado da profanada igreja paroquial de Santiago, com deslocação do primitivo, que era muito pobre e se situava no tramo imediato.
Curiosa portada de granito, obstruída, de acesso ao claustro monástico, se rasga neste mesmo prospecto. De arco redondo e dois colunelos emparelhados, é exemplar arcaizante do estilo manuelino, ornamentado por capitéis encordoados e bases flordelizadas, de corda cilíndrica. Subsistem as respectivas munhoneiras de repisas arredondadas, coetâneas, também de pedra.
As cinco capelas laterais, de alvores do quinhentismo, rasgadas nos alçados da banda meridional, subsistem adulteradas. Uma era tumular da Casa Vilalobos; de outra desconhece-se a invocação, e identificam-se as restantes, dos nomes antigos da “Aparição”, “Santo Cristo” e “Jesus Maria José”.
A capela da “Aparição”, jazigo da família Vargem, no séc. XVII designada “Capela das Ricas”, é obra da fundação e foi transformada, em tempos indeterminados, com passagem fácil do templo para a cerca do cemitério. O portal, marmóreo, rococó, está datado: 9.bro   /  1755.
De planta quadrangular, tem formoso tecto polinervado, com artesões miúdos, de tijolo, muito encruzados, e bocetes de granito, redondos, naturalistas, e o axial decorado pela Cruz de Cristo metida em medalhão de corda.
            Na mesma parede da lápida das instituidoras foi afixado, em época recente e proveniente de local indeterminado, um volumoso escudo de fantasia, marmóreo, aposto numa cartela barroca, com timbre de elmo fechado. Esquartelado, parece ter a representação heráldica dos Salemas, Botafogo, Cogominhos ou Chaves e Barretos.
            A capela-mor actual, de uma reforma profunda determinada em 1815 pelo padre mestre fr. Manuel de Jesus Maria Monteiro, professor de Teologia, e concluída três anos depois, não tem merecimento artístico. Na primeira fase das obras fez-se de novo a abóbada, janelas gradeadas e reboco geral, externa e internamente. No ano seguinte, estando provido na guardiania fr. José de Santa Ana Meneses, levantou-se o retábulo de mármore de Montes-Claros, incluindo as bases, pilares, capitéis, arquitrave e frisos de cimalha, e em 1817, se fizeram o trono, sacrário, rodapés, portais e as peanhas destinadas aos Patriarcas “S. Domingos” e “S. Francisco de Assis”. A empreitada importou em 2 165 355 rs.
Antecedida por ancho arco triunfal de meio ponto, ornado de estuques escaiolados e armorejado com as insígnias franciscanas, na cimafronte, ostenta altar do estilo neoclássico, da ordem compósita e colunas de mármores regionais. Volumoso frontão com enrolamento completa o nicho axial, aberto e guarnecido da imagem de “Jesus Cristo”, de madeira vulgar: sotoposto, tabernáculo esculpido com a representação do “Cordeiro Místico”. Apainelados geométricos, laterais, de pinturas de tinta-de- água, também feitos em 1818 e retocados no ano de 1901, são centrados por cruzes da Ordem de Malta e medalhões parietais na cobertura, de secção elíptica, figurados pela “Caridade” (central), “Fé” e “Esperança” (laterais).
                Cobrindo o chão do templo identificam-se algumas sepulturas. Num dos sepulcros, encontra-se enterrado o fidalgo montemorense D. Vasco Mascarenhas, vice-rei do Brasil e da Índia,  falecido em 15 de Julho de 1678. A Câmara da época, deliberou atribuir o nome do aristocrata à rua onde ele morou, e assim nasceu a Rua de D. Vasco (que nada tem a ver com Vasco da Gama, como muitas vezes se comenta).
            Anexo ao Convento, foi instalada a Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco. Depois de albergar durante anos famílias necessitadas, o devoluto espaço, por iniciativa do saudoso Padre Alberto e do Capitão Tregeira, recebeu na década de oitenta do século passado, o Agrupamento 894 do Corpo Nacional de Escutas.
                Após a Convenção de Evoramonte que pôs termo à Guerra Civil Portuguesa (1828 – 1834), surgiu o decreto de 30 de Maio de 1834, da autoria do Ministro da Justiça, Joaquim António de Aguiar, que determinou “a imediata extinção de todas as casas de religiosos e a incorporação dos seus bens na Fazenda Nacional, à excepção dos vasos sagrados e paramentos que seriam entregues aos ordinários das dioceses.
                Onze anos depois da  extinção do Convento de S. Francisco, a Câmara Municipal decidiu instalar na cerca do mosteiro o Cemitério Público. No portão exterior da necrópole, feito de ferro fundido,  está gravada a data de 1845.
No convento, instalaram-se depois, o Quartel de Cavalaria e a Estação Telegráfica, até ser cedido à Câmara Municipal por troca com um foro anual de 50 000 rs., que o município recebia pelo terreno actualmente ocupado pelo polígono de Vendas Novas. Esta permuta foi autorizada por portaria de 10 de Janeiro de 1871.
Posteriormente, vários serviços municipais se instalaram no devoluto convento: serviços de abegoaria, higiene e limpeza, cocheiras para as muares que recolhiam o lixo e o depositavam na lixeira, e já depois de Abril de 1974, oficinas de mecânica e de serralharia.
Numa das Festas das Colheitas / Feira da Luz que se realizou no espaço hoje ocupado pelo Parque Urbano, Campo da Feira e Piscinas Municipais (o folheto do evento não refere a data), o Convento de S. Francisco acolheu uma exposição denominada “Memórias do Trabalho”. Podemos apreciar trabalhos executados por abegões, ferreiros, ferradores, albardeiros e correeiros existentes no concelho.
Desde 1996, o convento está a ser utilizado pelas Oficinas do Convento – Associação Cultural de Arte e Comunicação ao abrigo de um protocolo de utilização.
Em 19 de Janeiro de 2010, através da Portaria n.º 63/2010, o conjunto constituído pela Igreja e Convento de S. Francisco foi classificado como Imóvel de Interesse Público.
Face à degradação do conjunto recentemente classificado, a firma A2P Consult – Estudos e Projectos, Ld.ª elaborou o projecto de Reabilitação e Reforço Estrutural do Convento de S. Francisco. O referido projecto contempla fundamentalmente uma intervenção de tipo estrutural com a proposta de medidas correctivas a aplicar em função das anomalias existentes. O conjunto de trabalhos aí previstos inclui, para além dos reforços estruturais, intervenções ao nível das coberturas, drenagem de águas pluviais, reabilitação de paredes e tectos, colocação de pavimentos, reposição de caixilharias e pintura geral do edifício. Em resultado da programação seguida para aquela procedimento nos termos estabelecidos pelo Município, ficaram de fora do âmbito desse projecto de execução, o conjunto de trabalhos de arquitectura necessários para garantir a funcionalidade plena daquele equipamento.
Nesse sentido, o município mandou o seu Gabinete de Projectos, coordenado pelo Engenheiro António Abreu, elaborar o indispensável projecto de arquitectura. Coube ao talentoso Arquitecto Daniel Carapa, elaborar o requisitado projecto. Da sua Memória Descritiva, seleccionei os seguintes pontos:
            A obra que agora se pretende promover incide, no fundamental, na reabilitação e requalificação genérica do edifício. Para esse efeito promovem-se medidas que visam garantir a eficaz utilização do espaço, bem como a dotação das condições necessárias para a operacionalidade das Oficinas do Convento, tanto pela melhoria de espaços e infra-estruturas como pela criação ou aproveitamento de novos espaços.
            O espaço da igreja será destinado à função de auditório, passando assim a colher eventos destinados ao público. As excepcionais características interiores, pela sua dimensão e riqueza arquitectónica, permitem antever um espaço vocacionado para diversos tipo de ocupações, tais como eventos musicais, realização de conferências, etc.
            Resumo do Programa Funcional
            Convento de São Francisco – Este sector do edificado está destinado às Oficinas do Convento. Entre as várias funções aí acolhidas encontram-se ateliers, espaços de arrumo, gabinetes e funções diversas de apoio. Para além da recuperação dos espaços do edifício, importa contemplar a dotação das correctas infra-estruturas de apoio às actividades que aí se exercem, em particular no que respeita aos trabalhos de natureza oficial de maior expressão.
            Térreo – oficina das artes /refeitório monástico – atelier; oficinas – ateliers de actividades; arrumos / reservas – salas de arrecadação de materiais e obras de arte; sala nobre / sala do capítulo – sala para pequenos eventos; gabinetes – actividades diversas; lounge /hospedaria de peregrinos – apoio artistas; instalações sanitárias – apoio a artistas, i. s. + balneários; instalações sanitárias – pessoal; terraços – espaço não encerrado destinado a estadia.
            Módulos – fotografia – instalação localizada no interior do edifício (atelier polivalente).
            Igreja de São Francisco – Temos assim, para este sector do edificado, as seguintes definições: térreo – átrio / nartex – espaço não encerrado; igreja / auditório – sala com utência máxima de ocupação de público prevista na ordem dos 144 lugares – 284.00 m2; recepção / foyer – sala de recepção de público e entrada para as Oficinas do Convento; um posto de trabalho permanente; zona de espera; bar e zona de público – instalações de apoio ao bar; instalações sanitárias – público.
            1.º andar – balcão /coro alto – área de acesso ao público; gabinete /sala.
            O projecto de recuperação do imóvel, foi aprovado pela Direcção Regional de Cultura do Alentejo. Em 15 de Março de 2012 procedeu-se à sua apresentação pública.
 A obra, orçada em 1,6 milhões de euros, aguarda a atribuição de apoios comunitários.

Augusto Mesquita
Dezembro/2016

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