O “Ailé” era uma cantiga regional, praticada em Vila Viçosa e
no seu termo, usada somente na apanha da azeitona, desde tempos imemoriais.
A antiguidade
deste canto secular era, no início do século XX, comprovada pelo facto dos
calipolenses, quando queriam fazer referência a um facto passado no período das
colheitas azeitoneiras, salientarem: “isso foi no tempo do “Ailé”, ou “isso é tão velho como o “Alié”.
Por tradição
e disciplina popular, o “Ailé” só era cantado
pelos homens dos ranchos que ripavam ou varejavam as oliveiras, quando estavam
empoleirados nas árvores ou nas escadas de madeira. Todo o varão do rancho
azeitoneiro que estivesse no chão e pretendesse entrar no coro do “Ailé”, era impiedosamente vaiado e coagido a calar-se.
As mulheres
apenas podiam cantar o “Ailé” no último dia da
apanha da azeitona, quando todo o rancho, em séquito festivo, seguia do último
olival para a casa do proprietário que o assalariava., de bandeira enfeitada à
frente, entoando canções apropriadas no acto, entre as quais predominava o “Ailé”.
Este
coroamento da faina das colheitas, que em certas zonas do Alentejo Central se
designava ADIAFA, constituía uma festa de regozijo e de cunho tradicionalista,
que os ranchos praticavam com recurso a cânticos. Nesse dia, o proprietário
oferecia aos azeitoneiros um banquete de confraternização, regado de vinho e
com a clássica tiborna de azeite como complemento.
Durante o
percurso referido, os elementos femininos podiam agregar-se ao cantar do “Ailé”, que os homens iam entoando. Em qualquer outra
circunstância, as mulheres não podiam participar neste ritual cantado.
Não se ouvia
o “Ailé” em qualquer outra época fora do tempo da apanha da
azeitona, porque este canto era próprio deste período do ano, imperando desde
os Santos (início de Novembro) até ao São Sebastião (20 de Janeiro),
respetivamente início e fim do período da apanha azeitoneira.
Tinha uma
periodicidade de três meses e era caracterizado pela dolência suave do seu
ritmo, pelos significados regionais das letras, pelos cenários onde se produzia
a sua entoação e pela sua singularidade.
Executava-se
assim:
Um dos homens
do rancho, pendurado na oliveira, erguia a voz iniciando o canto e, no meio
deste, entravam no coro todos os restantes do agrupamento, produzindo, ao
longe, um conjunto de vozes harmoniosas, de efeito estranho, talvez uma
reminiscência acentuada da canção árabe.
O ritmo
peculiar da canção, lento e cadenciado, com uma letra adequada à época bucólica
da apanha da azeitona, representava um verdadeiro cenário de poesia rural, num
período em que esta actividade tinha uma enorme relevância do ponto de vista
socioeconómico no concelho e na região. Vila Viçosa teve até meados nos anos 60
uma das mais importantes áreas de olival do Alto Alentejo.
Será que
ainda alguém sabe cantar o “Ailé”? Haverá algum
registo sonoro?
Será que o
Michel Giacometti efetuou alguma gravação nesta zona, para o seu trabalho sobre
o “Cancioneiro Popular Português”? Não encontrei nenhuma referência. Sendo uma
tradição específica desta zona, talvez mereça um estudo mais detalhado.
FONTES
CONSULTADAS:
ETNOGRAFIA
CALIPOLENSE, por Lopes Manso, Revista Portuguesa, nº 1, Janeiro de 1928.
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