terça-feira, 27 de dezembro de 2016

TRADIÇÕES - Por Tiago Salgueiro

                                           O AILÉ
O “Ailé” era uma cantiga regional, praticada em Vila Viçosa e no seu termo, usada somente na apanha da azeitona, desde tempos imemoriais.
A antiguidade deste canto secular era, no início do século XX, comprovada pelo facto dos calipolenses, quando queriam fazer referência a um facto passado no período das colheitas azeitoneiras, salientarem: “isso foi no tempo do “Ailé”, ou “isso é tão velho como o “Alié”.
Por tradição e disciplina popular, o “Ailé” só era cantado pelos homens dos ranchos que ripavam ou varejavam as oliveiras, quando estavam empoleirados nas árvores ou nas escadas de madeira. Todo o varão do rancho azeitoneiro que estivesse no chão e pretendesse entrar no coro do “Ailé”, era impiedosamente vaiado e coagido a calar-se.
As mulheres apenas podiam cantar o “Ailé” no último dia da apanha da azeitona, quando todo o rancho, em séquito festivo, seguia do último olival para a casa do proprietário que o assalariava., de bandeira enfeitada à frente, entoando canções apropriadas no acto, entre as quais predominava o “Ailé”.
Este coroamento da faina das colheitas, que em certas zonas do Alentejo Central se designava ADIAFA, constituía uma festa de regozijo e de cunho tradicionalista, que os ranchos praticavam com recurso a cânticos. Nesse dia, o proprietário oferecia aos azeitoneiros um banquete de confraternização, regado de vinho e com a clássica tiborna de azeite como complemento.
Durante o percurso referido, os elementos femininos podiam agregar-se ao cantar do “Ailé”, que os homens iam entoando. Em qualquer outra circunstância, as mulheres não podiam participar neste ritual cantado.
Não se ouvia o “Ailé” em qualquer outra época fora do tempo da apanha da azeitona, porque este canto era próprio deste período do ano, imperando desde os Santos (início de Novembro) até ao São Sebastião (20 de Janeiro), respetivamente início e fim do período da apanha azeitoneira.
Tinha uma periodicidade de três meses e era caracterizado pela dolência suave do seu ritmo, pelos significados regionais das letras, pelos cenários onde se produzia a sua entoação e pela sua singularidade.
Executava-se assim:
Um dos homens do rancho, pendurado na oliveira, erguia a voz iniciando o canto e, no meio deste, entravam no coro todos os restantes do agrupamento, produzindo, ao longe, um conjunto de vozes harmoniosas, de efeito estranho, talvez uma reminiscência acentuada da canção árabe.
O ritmo peculiar da canção, lento e cadenciado, com uma letra adequada à época bucólica da apanha da azeitona, representava um verdadeiro cenário de poesia rural, num período em que esta actividade tinha uma enorme relevância do ponto de vista socioeconómico no concelho e na região. Vila Viçosa teve até meados nos anos 60 uma das mais importantes áreas de olival do Alto Alentejo.
Será que ainda alguém sabe cantar o “Ailé”? Haverá algum registo sonoro?
Será que o Michel Giacometti efetuou alguma gravação nesta zona, para o seu trabalho sobre o “Cancioneiro Popular Português”? Não encontrei nenhuma referência. Sendo uma tradição específica desta zona, talvez mereça um estudo mais detalhado.

FONTES CONSULTADAS:
ETNOGRAFIA CALIPOLENSE, por Lopes Manso, Revista Portuguesa, nº 1, Janeiro de 1928.


Sem comentários: