Porque a memória perdura… espero desempenhar as funções que me
forem atribuídas na direcção da Misericórdia do Alandroal com o mesmo espírito
de dedicação e desprendimento material que sempre guiou o meu pai.
Espero honrar a Misericórdia do Alandroal.
A fotografia que acompanha este texto encontra-se no livro
História da Misericórdia do Alandroal, publicado no ano de 1982 por Francisco
Sanches Marques.
Nele se dá conta da riquíssima história da Misericórdia do
Alandroal, paralela à história das restantes misericórdias fundadas há mais de
500 anos… muitas por iniciativa de Dona Leonor.
A data da fundação da Misericórdia do Alandroal é incerta,
apontando-se o ano de 1505.
As Misericórdias sobreviveram ao longo dos tempos reflectindo a
própria evolução social e política do país.
Mas mantiveram muito da sua essência e não se podem comparar a
outro tipo de associações e confrarias.
É uma irmandade.
Uma irmandade que procura cumprir as 14 obras misericordiosas
expressas no compromisso de 1618 da Misericórdia de Lisboa, adoptado pelas
restantes Misericórdias… de que a do Alandroal não é excepção.
Passado cinco séculos, ao olharmos para a enunciação das obras
misericordiosas elas terão de ser necessariamente entendidas de acordo com a
evolução dos tempos e da sociedade… mas a essência está lá…
As Misericórdias preservam ainda a essência da sua fundação… uma
estrutura muitas vezes de carácter feudal… os sistemas de Morgados e Capelas.
Mantêm as suas duas vertentes assistenciais primárias… o apoio
aos idosos e aos doentes.
Os lares e hospitais das Misericórdias… a sua evolução no
presente século em que se reflectiu uma maior ou menor intervenção estatal…
O Hospital da Misericórdia foi um exemplo paradigmático.
Recordo o Dr. Xavier.
Dirigiu durante mais de 50 anos o Hospital da Misericórdia… o
Dr. Xavier era o médico do Alandroal.
Essa figura hoje já não existe… o médico da terra…
Encontrei paralelismos com a minha ideia de infância do Dr.
Xavier nos livros de Fernando Namora claro… imagino ainda que o Dr. Xavier se
tenha deslocado de carroça a alguns montes ermos… e nos mais de dois anos que
estive na Base das Lajes como médico… Eu e a Manuela… éramos os médicos da
Base… daquela comunidade… foi uma experiência muito enriquecedora e lembrava-me
muitas vezes do Dr. Xavier…
A minha Joana foi connosco, era uma bebé… Quando regressámos no
C130 para Lisboa trazíamos mais uma bebé… a Sofia… natural de Angra do
Heroísmo.
A Manela chorou no C130… porque amou aquela vida… porque mudar
custa sempre muito…
A Misericórdia esteve sempre presente na minha vida… não de
forma contínua… mas cruzando-se a espaços…
Lembro-me na escola do Alandroal… talvez no sétimo ano, ou teria
sido no sexto…. Quando pela primeira vez uma turma, com o apoio dos
professores, decidiu fazer um jornal.
Escrevi um artigo sobre a Misericórdia do Alandroal…. Passei
horas a desenhar o símbolo heráldico…
Lembro-me do cheiro das impressões do jornal… os cheiros são as
nossas memórias mais profundas… já não me recordo como se chamava a técnica de
impressão… mas lembro-me do fascínio das folhas azuis… e do Cabé… que como um
alquimista ia produzindo aquelas folhas que ficaram para sempre como uma
recordação de felicidade e recompensa pelo trabalho.
Recordo-me que a Patrícia escreveu um texto magnífico, creio que
sobre um gato… e dos desenhos da Paula… a Paula ainda deve ter guardado um
exemplar desse jornal.
A outra memória mais forte da Misericórdia foi a inauguração do
Lar.
A cerimónia solene… o orgulho e satisfação do meu pai pela obra
feita… percebo agora as dificuldades… o trabalho… as preocupações…
Foi inaugurada pelo então primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva.
Eu era uma criança…. Lembro-me de as entidades locais se
alinharem para os cumprimentos de despedida.
Fiquei ao lado do meu pai… era o último… Cumprimentou toda a
gente com a carestia emocional que só mais tarde lhe reconheci… que para mim
não é um defeito ou uma virtude… é a sua maneira de ser….
Tinha uma admiração enorme por aquele homem… fiquei
impressionado com a sua altura… a sua presença… e fiquei triste por ter olhado
para mim e seguido… sem me apertar a mão.
Só mais tarde se relativizam a importância das pequenas coisas.
Cruzei-me na vida mais duas ou três vezes com ele.
Uma delas numa cerimónia de homenagem quando regressei de uma
missão em Cabul… no Afeganistão.
Agradeceu-nos a todos… mas nessa altura já não era no
cumprimento ou agradecimento do Chefe Supremo das Forças Armadas… do Presidente
da República, no que eu pensava.
Nessa altura e durante os dias que estive em Cabul pensei sempre
no JP.
E ainda hoje me custa….
E por isso não escrevo mais.
Luís Manuel Monteiro Tátá
Luís Manuel Monteiro Tátá
1 comentário:
OBS.
A sustentável beleza e clareza desta escrita, transporta-nos para um tempo
em que a Vila já tinha tanto passado quanto tinha futuro.Além disso. e
curiosamente, é um relato que tanto invoca a sua terra, a escola e os
amigos próximos quanto o distante Afeganistão quase sempre em guerras
intestinas muito duras.
O que vem provar que, os alandroalenses, não são apenas parte de um só
mundo.Vão também sabendo percorrer e estar no mundo. Com mar ou sem ele.
Cumprimentos
Antonio Neves Berbem
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