quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

POR UMA BOA CAUSA O LUÍS ESCREVEU….

Porque a memória perdura… espero desempenhar as funções que me forem atribuídas na direcção da Misericórdia do Alandroal com o mesmo espírito de dedicação e desprendimento material que sempre guiou o meu pai.
Espero honrar a Misericórdia do Alandroal.
A fotografia que acompanha este texto encontra-se no livro História da Misericórdia do Alandroal, publicado no ano de 1982 por Francisco Sanches Marques.
Nele se dá conta da riquíssima história da Misericórdia do Alandroal, paralela à história das restantes misericórdias fundadas há mais de 500 anos… muitas por iniciativa de Dona Leonor.
A data da fundação da Misericórdia do Alandroal é incerta, apontando-se o ano de 1505.
As Misericórdias sobreviveram ao longo dos tempos reflectindo a própria evolução social e política do país.
Mas mantiveram muito da sua essência e não se podem comparar a outro tipo de associações e confrarias.
É uma irmandade.
Uma irmandade que procura cumprir as 14 obras misericordiosas expressas no compromisso de 1618 da Misericórdia de Lisboa, adoptado pelas restantes Misericórdias… de que a do Alandroal não é excepção.
Passado cinco séculos, ao olharmos para a enunciação das obras misericordiosas elas terão de ser necessariamente entendidas de acordo com a evolução dos tempos e da sociedade… mas a essência está lá…
As Misericórdias preservam ainda a essência da sua fundação… uma estrutura muitas vezes de carácter feudal… os sistemas de Morgados e Capelas.
Mantêm as suas duas vertentes assistenciais primárias… o apoio aos idosos e aos doentes.
Os lares e hospitais das Misericórdias… a sua evolução no presente século em que se reflectiu uma maior ou menor intervenção estatal…
O Hospital da Misericórdia foi um exemplo paradigmático.
Recordo o Dr. Xavier.
Dirigiu durante mais de 50 anos o Hospital da Misericórdia… o Dr. Xavier era o médico do Alandroal.
Essa figura hoje já não existe… o médico da terra…
Encontrei paralelismos com a minha ideia de infância do Dr. Xavier nos livros de Fernando Namora claro… imagino ainda que o Dr. Xavier se tenha deslocado de carroça a alguns montes ermos… e nos mais de dois anos que estive na Base das Lajes como médico… Eu e a Manuela… éramos os médicos da Base… daquela comunidade… foi uma experiência muito enriquecedora e lembrava-me muitas vezes do Dr. Xavier…
A minha Joana foi connosco, era uma bebé… Quando regressámos no C130 para Lisboa trazíamos mais uma bebé… a Sofia… natural de Angra do Heroísmo.
A Manela chorou no C130… porque amou aquela vida… porque mudar custa sempre muito…
A Misericórdia esteve sempre presente na minha vida… não de forma contínua… mas cruzando-se a espaços…
Lembro-me na escola do Alandroal… talvez no sétimo ano, ou teria sido no sexto…. Quando pela primeira vez uma turma, com o apoio dos professores, decidiu fazer um jornal.
Escrevi um artigo sobre a Misericórdia do Alandroal…. Passei horas a desenhar o símbolo heráldico…
Lembro-me do cheiro das impressões do jornal… os cheiros são as nossas memórias mais profundas… já não me recordo como se chamava a técnica de impressão… mas lembro-me do fascínio das folhas azuis… e do Cabé… que como um alquimista ia produzindo aquelas folhas que ficaram para sempre como uma recordação de felicidade e recompensa pelo trabalho.
Recordo-me que a Patrícia escreveu um texto magnífico, creio que sobre um gato… e dos desenhos da Paula… a Paula ainda deve ter guardado um exemplar desse jornal.
A outra memória mais forte da Misericórdia foi a inauguração do Lar.
A cerimónia solene… o orgulho e satisfação do meu pai pela obra feita… percebo agora as dificuldades… o trabalho… as preocupações…
Foi inaugurada pelo então primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva.
Eu era uma criança…. Lembro-me de as entidades locais se alinharem para os cumprimentos de despedida.
Fiquei ao lado do meu pai… era o último… Cumprimentou toda a gente com a carestia emocional que só mais tarde lhe reconheci… que para mim não é um defeito ou uma virtude… é a sua maneira de ser….
Tinha uma admiração enorme por aquele homem… fiquei impressionado com a sua altura… a sua presença… e fiquei triste por ter olhado para mim e seguido… sem me apertar a mão.
Só mais tarde se relativizam a importância das pequenas coisas.
Cruzei-me na vida mais duas ou três vezes com ele.
Uma delas numa cerimónia de homenagem quando regressei de uma missão em Cabul… no Afeganistão.
Agradeceu-nos a todos… mas nessa altura já não era no cumprimento ou agradecimento do Chefe Supremo das Forças Armadas… do Presidente da República, no que eu pensava.
Nessa altura e durante os dias que estive em Cabul pensei sempre no JP.
E ainda hoje me custa….
E por isso não escrevo mais.
Luís Manuel Monteiro Tátá


1 comentário:

Anónimo disse...



OBS.


A sustentável beleza e clareza desta escrita, transporta-nos para um tempo

em que a Vila já tinha tanto passado quanto tinha futuro.Além disso. e

curiosamente, é um relato que tanto invoca a sua terra, a escola e os

amigos próximos quanto o distante Afeganistão quase sempre em guerras

intestinas muito duras.

O que vem provar que, os alandroalenses, não são apenas parte de um só

mundo.Vão também sabendo percorrer e estar no mundo. Com mar ou sem ele.

Cumprimentos


Antonio Neves Berbem