Deixei num dos meus espaços das redes sociais um agradecimento a todos os
amigos que nos abraçaram, directa ou indirectamente, pelo falecimento da nossa
Mãe, Sogra e Avó, Nita Casadinho, e aproveito também este espaço de liberdade, vai para uma quinzena
de anos, para reescrever o texto que por lá vai ficar mas que se colará para
sempre na garganta e no coração de quem sabe amar e respeitar os conceitos e as
práticas da família, do respeito e da amizade. É provável que, neste texto que
agora inicio, haja uns acrescentos, porque quando escrevemos num dia nunca
somos os mesmos quando o fazemos uns dias depois...
As nossas Mães, quando partem, nunca chegam a partir. Há-de haver sempre
uma ligação que permanece ao longo de todos os tempos até ao último segundo das
nossas vidas. Nascemos delas, estivemos com elas mais tempo, fomos delas mais
horas, mais dias, mais meses. Somos sempre os seus meninos, porque, para os
nossos Pais, a partir dos 10 anos, já teremos de ser uns homenzinhos... Pois, a
nossa Mãe, Sogra, Avó e Amiga despediu-se no Sábado, com a família à sua volta,
e todos sentimos, muito secretamente, que o fim estava próximo. E vocês sabem o
que isso é: sentir que já não há solução e que nos resta enganarmo-nos a nós
próprios e enganar os outros que estão connosco, à espera do suspiro final.
Sentimos que a nossa Mãe Nita, com uma vida cheia de filhos e netos (e uma
bisneta quase a nascer) ia partir com alegrias no coração e com mágoas que
nunca mais ninguém poderia curar. Mas a nossa Mãe ficou, sobretudo, a saber que
o amor que por ela sentimos, e continuaremos a sentir, é maior do que qualquer
mágoa, é mais forte do que qualquer dos vendavais que lhe sobressaltou os dias,
mais terno do que todas as nuvens de algodão em tempo de Verão e de dias de Sol
brilhante.
Ela foi, nos últimos meses, depois da partida de todos os outros nossos
Pais, o nosso ponto de referência, a nossa “matriarca”, a nossa “chefe”, o
nosso único Sol e o Sol dos filhos e dos netos que nunca deixaram de a amar,
que nunca a abandonaram, dos amigos dos seus netos que lhe chamavam também avó
Nita e também da vizinha Maria, uma irmã, uma enfermeira, uma amiga para quem
não temos palavras suficientemente fortes que expressem o agradecimento que ela
merece. A nossa vizinha Maria, e eu sei que ela acredita nesse destino, tem o
Céu à sua espera.
Por outro lado, a Nita sabe que, enquanto o último de nós por cá andar, o
seu nome, a sua memória e a memória do seu querido Valério continuarão vivos e
eternos na história da nossa família e nas histórias de todos os amigos, e
foram muitos, mas muitos, a quem eles fizeram bem. E vão todos eles, os quatro
e o avô Tony, a continuar nos nossos almoços de família e a serem recordados
com saudade nos seus aniversários e nos aniversários de todos nós.
Há, no entanto, algumas pessoas que, pela sua formação, continuam a
preferir criar abismos em vez de pontes, a escavar valas profundas e quase
intransponíveis em vez de estradas direitas onde todos pudéssemos caminhar lado
a lado, com as nossas diferenças, mas com os pontos comuns que ainda nos ligam.
Todos nós vivemos este tipo de experiências, porque não há famílias perfeitas.
Todos sentimos que o Mal e o Bem residem mesmo ao lado um do outro mas que,
como forças eternamente antagónicas e irreconciliáveis, afastam qualquer
possibilidade de diálogo e atiram para cada vez mais longe a solução do que
poderia ser solucionável.
Ninguém foge ao que a vida lhes vai, aos poucos, preparando. Melhor: todos
se deitarão na cama que fizerem e só a eles lhes poderá ser pedida a
responsabilidade dos seus actos. Os santos estão nos altares e alguns,
provavelmente, com uma boa parte da sua santidade aberta à discussão, mas nós,
os humanos, nós não somos santos. Por isso, desconheço as minhas penalizações e
as minhas recompensas quando um dia, como a Nita, partir para sempre. Não sei
quem irei encontrar no outro lado vida, nem estou muito interessado, por agora.
Sei, no entanto, que o poeta, já preocupado com as atitudes, tantas vezes
incompreensíveis dos mais velhos, desabafou numa frase, aparentemente inocente:
“Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…”
Não há bons nem maus nesta vida. Há gente que vive de acordo com as
circunstâncias, lidando com a própria dor, com a incapacidade intelectual de
procurar soluções para o bem estar dos que lhes estão mais próximos, ao mesmo
tempo que fomentam a divisão e a violência, gozando, aparentemente felizes, do
alto da sua importância o sofrimento que vão causando. Como dizia tantas vezes
a minha Mãe, saudosa e muito amiga da sua comadre Nita: “Há mais marés
que marinheiros e, acredite, comadre, este género de pessoas, se não lhes dão a
mão, acabarão sozinhas, desprezadas e inúteis para sempre.”
Hoje, o Valério e a Nita já se reencontraram. Queremos acreditar assim,
para que tudo se torne menos doloroso e mais pacífico. Por isso, acreditamos
que já se encontraram, já se beijaram e já deram as mãos para todo o sempre. E
cremos que as dores, todas as dores, ficaram por cá, para que sejamos nós,
agora, a suportá-las por eles, depois do seu merecido descanso.
Acreditamos também que o tempo tudo cura, tudo muda, tudo mata, tudo leva e
tudo recupera.
Feliz Natal a todos os que leram este texto, a todos os que não o leram e a
todos os que fingiram que não o leram.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Dezembro de 2016
Sem comentários:
Enviar um comentário