terça-feira, 20 de dezembro de 2016

HISTÓRIAS DO LUÍS DE MATOS

Assinalando a época Natalícia neste mês de Dezembro as histórias do Luís de Matos  são dedicadas aos mais novos.

                               JOÃO E A BOLA ARCO-ÍRIS
Era uma vez um rapaz chamado João.
João era ainda um menino, um pouco franzino, moreno e olhos castanhos, que gostava de pular e sonhar. Morava na zona mais antiga da vila e vivia mesmo ao lado da casa do Mau-Tempo, que ficava junto do castelo. Mau-Tempo, era a alcunha dada a um rapaz que brincava com o João e que tinha a mesma idade dele.
Um dia, a mãe levou-o a passear e a fazer compras na Feira de Nossa Senhora D’Aires, em Viana do Alentejo, que era a terra onde ele tinha nascido.
Era uma tarde de domingo, por sinal o último de Setembro. No horizonte viam-se duas ou três nuvens brancas que pareciam rolos de algodão colocados no céu. O sol iluminava a terra sem qualquer obstáculo, o que obrigava os romeiros a procurar a sombra para refrescar os corpos. 
A feira é um acontecimento anual que se realiza em finais do mês de Setembro. É tempo dos romeiros verem as oliveiras carregadas de azeitona grossa com os ramos pendurados quase a beijar o chão começarem a dar nas vistas. É tempo das pastagens amarelecidas e dos rebanhos de ovelhas comerem uma ou outra erva que acaba de vir ao mundo com as primeiras chuvas. Coitada da erva que não a deixam chegar à idade adulta. Mas, ela teima no seu ciclo de vida. O seu tempo de crescimento há-de chegar com a passagem do Outono, Inverno, Primavera e parte do Verão e ficar amarelecida na próxima Feira D`Aires.
Para esta feira, muitas são as pessoas que se deslocam de todas as cidades, vilas, aldeias e montes em redor, deixando as casas onde moram e as ruas praticamente vazias. 
Naquele dia, quando João chegou à feira, ficou muito admirado por ver tanta gente junta. Dava mostras de ter medo e apertava com força a mão da mãe. 
As barracas dos feirantes estavam muito bem alinhadas no recinto da feira. Os feirantes tinham muitas coisas expostas para venda e tudo estava muito bem arrumado, para as pessoas poderem ver e escolher melhor o que queriam comprar.
Havia bonecas de papelão, carrinhos e camionetas de madeira, flautas de barro pintadas de muitas cores, pentes, pratos e potes de barro de cores muito vivas, copos de vidro, canivetes, balões, bolas de borracha, roupas, calçado e muitas, muitas coisas. Eram tantas coisas novas, que o João nunca tinha visto. Para ele, tudo era novidade.
As pessoas eram tantas, que o João não sabia por onde andar com tanto encontrão que levava. Tinha medo de ficar no meio de toda aquela gente, que ele nunca tinha visto e cada vez apertava mais a mão da mãe.
- Vá lá, menino, vamos andando que ainda há muita coisa para ver e eu tenho que comprar uns pratos e uns copos para levar para casa.
- Mas, mãe, eu quero uma camioneta de madeira. Não a vistes ali? Era tão bonita! Estava pintada de várias cores!
- Não sejas tonto, menino. Compro-te outra coisa. 
- Então quero um canivete.
- Um canivete? Onde é que já se viu uma coisa destas? Não, isso também não te compro. Vamos. Toca a andar! 
- Então quero uma bola, pronto! 
João começava já quase a fazer birra. Então a mãe, resolveu comprar-lhe um par de ténis, porque estava mesmo a precisar deles.
- Isto é que tem utilidade, desabafou a mãe e o João gostou muito dos seus ténis novos. Ficou tão contente com os seus ténis, que nunca mais se lembrou da camioneta de madeira, do canivete e da bola. E logo disse à mãe: Mal chegue a casa, vou logo calçá-los.
Mas o João ficou ainda mais contente, quase doido de alegria, com a bola que o tio Manuel, que morava em Aguiar e já não via há muito tempo, lhe queria comprar. 
Era uma bola feita com material muito especial e com muitas cores. 
- Isto sim, é que é uma bola, disse o João.
O rapaz experimentou bater a bola no chão e viu que ela pulava muito. 
A bola pulava tanto, tanto, como ele um dia sonhou saltar tão alto. Sonhou que tinha ultrapassado as nuvens e chegado à lua e que passeava no céu pelo meio das estrelas. Ou, senão lhe fosse possível chegar à lua, pelo menos, quando desse um pulo, chegasse até ao cimo da torre mais alta do castelo, para depois, lá de cima, poder ver os pombos nos telhados e os passarinhos nas árvores da serra. João podia ainda, lá do alto do castelo, ver tudo em redor, até onde a sua vista alcançasse. Se isso acontecesse, João já se dava por satisfeito.
- Que bom, tio Manuel, dizia o João, com um grande sorriso de orelha a orelha. 
Gosto muito desta bola. É tão colorida! Até parece o arco-íris que se vê além por detrás da serra.
Estás a ver? É bonito o arco-íris, não é? Vais comprar-ma, tio Manuel?
- Vamos ver, vamos ver, respondeu o tio, enquanto dava uma piscadela de olho à mãe, deixando criar alguma expectativa no João.
Entretanto, João ia assistindo à compra e já começava a ficar aflito, porque nunca mais o tio chegava a acordo com o vendedor que pedia muito dinheiro pela bola e o tio não estava disposto a pagar tanto.
- Não senhor, não dou tanto dinheiro, dizia o tio do João para o vendedor. 
João começava a ficar impaciente porque nunca mais tinha a bola nas suas mãos, assim como se fosse sua. Como já a tinha experimentado e gostava tanto dela, aquela conversa entre o tio e o vendedor, não lhe interessava para nada. Custasse lá o que custasse, João o que queria era a bola.
Finalmente, os dois homens chegaram a acordo. A bola já era dele. Estava radiante e desejoso de ir para casa para poder jogar com os amigos na sua rua calçada com pedras extraídas das entranhas da serra, ou no largo do castelo, que era também um dos seus lugares preferidos. 
João começou logo a pensar nos dias em que não tinha escola, ou ao final da tarde, podia ir jogar com os amigos no campo de futebol, onde só jogavam os homens ao fim de semana, o que fazia sentir-se muito importante.
João ainda teve de andar com a mãe um pouco mais na feira e pode admirar muita coisa que nunca tinha visto. Viu, por exemplo a barraquinha do algodão doce e das pipocas de várias cores. 
Viu o carrossel com cavalinhos, girafas e outras figuras de animais que os meninos montavam. Quando o carrossel girava, os meninos riam e agarravam-se ao pescoço dos cavalinhos e das girafas.
João disse à mãe que queria andar no carrossel, mas ela disse-lhe que não tinha moedas. Além disso, estava com pressa de regressar a casa. 
A um canto do santuário estava um homem vestido com umas roupas muito largas e de várias cores. Dava para perceber que era magro e tinha barba um pouco comprida. Junto do homem, estava um pano preto estendido no chão.
O homem tocava flauta e uma cobra que estava dentro de um cesto, levantava a cabeça ao som da música. A cobra não saia do cesto e parecia não se incomodar com as pessoas que iam passando, ou paravam para ver o espectáculo. A cobra parecia ser amiga do homem.
João viu também uma carrinha com uns grandes cartazes coloridos, que passava a anunciar o espectáculo de circo.
A um outro canto, junto da igreja, num palco improvisado, viu um artista que manipulava marionetas muito bonitas. Em volta do palco estavam muitas crianças a assistir ao espectáculo que o João conhecia muito bem, porque algumas delas andavam com ele na escola. 
João parecia que estava num mundo de magia. Estava a gostar tanto da Feira e andava tão descontraído, que já não apertava a mão da mãe.
Mas, ao João ainda lhe era reservada outra surpresa. Iria assistir ao desfile do cortejo etnográfico que naquele momento passava junto à Igreja de Nossa Senhora D’Aires.
Integrado no cortejo, desfilava um carneiro com chifres muito recurvados e a lã era tão branca como a neve. Ele pensava para com ele, como a lã devia ser fofinha! O dono do carneiro tinha-lhe colocado um chocalho no pescoço e enfeitado com flores vermelhas o que fazia com que o animal ainda ficasse mais bonito. Colocou-lhe também uns arreios para puxar uma pequena carroça pintada de vermelho, verde, azul e amarelo que tinha sido mandada fazer a um carpinteiro de Alcáçovas, propositadamente para desfilar no cortejo. 
O carneiro era conduzido por um rapaz que tinha mais ou menos a idade do João e que ele conhecia de uma terra vizinha. O rapaz era amigo do João e filho de um pastor chamado José da Malha. 
Malha, não era o nome do homem. Era a alcunha do pastor por ter um pequeno defeito na cara. O homem era das Alcáçovas e tinha muitas ovelhas, o que lhe foi fácil escolher um carneiro que fosse o melhor exemplar para participar no cortejo etnográfico. O animal era de fazer inveja a todos os pastores da região.
O homem fez questão de levar ao cortejo, o melhor animal do seu rebanho. O senhor Malha gabava-se de ter o melhor carneiro das redondezas e queria-o mostrar a toda a gente, porque também era bom para o seu negócio.
Com um carneiro assim tão bom, a ovelha que tivesse filhos daquele pai carneiro, também seriam grandes e fortes e renderiam muito dinheiro, dizia o senhor Malha.
Naquela tarde, João teve ainda uma surpresa maior, quando viu chegar ao recinto do santuário uma enorme fila de cavaleiros e cavalos muito bem arreados que puxavam charretes engalanadas. Os cavalos eram conduzidos por pessoas muito bem vestidas com trajes muito bonitos. João nunca tinha visto uma coisa tão linda. Estava mesmo muito, muito feliz. Tinha passado uma boa parte do dia a ver muitas coisas novas. Aprendeu muita coisa e teve oportunidade de rever amigos. Eram amigos de muitas brincadeiras e que o João não via há muito tempo.
Ao fim de todo aquele tempo de andar na feira e quando a mãe já tinha feito as compras todas que queria, João ajudou a mãe a arrumar as compras no automóvel e os dois voltaram para casa. 
Durante o caminho, João apertava contra o peito a bola colorida, que ele não se cansava de dizer que era tão colorida como o arco-íris.
João vinha tão contente, tão feliz, e dizia à mãe que tinha passado um dia bestial. Este dia, ia ser inesquecível.
-Achas mesmo? Perguntou a mãe.
-Sim. Foi um dia incrível! Nunca mais me vou esquecer do dia de hoje.
E o João gostava tanto da sua bola, que não cabia em si de contente. Pensava nos amigos da sua rua que, certamente, também iriam ficar contentes e ao mesmo tempo surpreendidos, quando ele os convidasse a ir jogar com a sua bola nova. 
João tinha um coração bom. Tinha nobres sentimentos e desejava que a bola da cor do arco-íris fosse um forte motivo para juntar todos os amigos. Queria mesmo muito que a alegria e a amizade entre eles estivessem sempre presentes. 
João estava muito agradecido ao tio Manuel por lhe ter oferecido uma bola tão especial e mágica como o arco-íris.
João e a Bola Arco-Íris
A bola pula
e rola.
É bela a bola.
É vermelha,
uma paixão.
É alaranjada,
uma ilusão.
É amarela,
uma lembrança.
É verde,
uma esperança.
É azul,
o frio do mar.
É anil,
uma história de encantar.
É violeta,
o sétimo lar.
É um gosto.
É paixão.
É ilusão.
É simplesmente uma bola,
que pula e rola.
Meu amigo, meu irmão,
é bela a bola do João.
Évora, Outubro/2010 Luís de Matos 
Ilustração de 
João de Matos

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