Terça, 20 Dezembro 2016
As épocas que se impõem festivas são um
bom exemplo do que como muito do que é feito em nome de um interesse comum
acaba por provocar tanto adeptos como dissidentes, gerando loas ou críticas,
aplausos ou vaias, empenho ou indiferença.
Os consensos são, pois,
virtudes que implicam sacrifícios (como, aliás, tantas outras virtudes que se
conquistam com dores de crescimento) e o mais bonito é quando estes se
distribuem por entre as partes. Além disso, em nome de determinados princípios,
os inabaláveis, consensualizar pode e deve ser, em várias circunstâncias,
impossível. Por vezes acontece tropeçarmos em quem mascara, com a alegação de
uma finalidade comum, percursos completamente enviesados em comportamentos que
são só por si reveladores de princípios bem diferentes. Há até um dito que joga
com os sentidos destas palavras e vaticina que quem não tem bom(s) princípio(s)
não tem bom fim…
Do espírito de Natal confesso que só
acredito nos que se declinam no plural, os de Dickens, os três espíritos que
visitam o avarento Scrooge nessa noite mágica. O primeiro é o espírito do
Passado que lhe devolve uma infância dourada e que é, no fundo, o que evocam
tantos dos que se reúnem com aqueles com quem conviveram nesses tempos, sejam
familiares ou amigos. O espírito do Presente alerta para a miséria e para a
ignorância, para o que se faz no colectivo e se reflecte no percurso individual
de quem o faz, chamando-nos à razão para uma vida social a não descurarmos,
apesar de haver nalguns tendências misantrópicas. O do Futuro mostra a Scrooge
a solidão, até como consequência de um Presente que se esquece do Passado, e
revela a morte inevitável. É com a ajuda desses espíritos que ultrapassamos
tantas vezes a pouca vontade de festejar entrando, precisamente, no espírito do
Natal, o tal que será, então, quando um homem quiser.
Além destes, que nos chegam mais
exacerbados por esta época, há outros quatro espíritos que valorizo muito. O
espírito crítico, atitude intelectual que não admite nenhuma asserção sem
reconhecer a sua legitimidade. O espírito de equipa, sentimento de união
partilhado pelos elementos de um grupo. O espírito de finura que Pascal,
matemático e filósofo francês do século XVII, define como uma aptidão
intuitiva, uma sagacidade e perspicácia que abençoam e ocupam alguns. E,
finalmente, o espírito geométrico, que só admiro se for o papel de embrulho que
contém os outros três, e que revela a aptidão discursiva e demonstrativa, num
encadeamento lógico das ideias.
Se estes espíritos nos fossem concedidos
talvez não atingíssemos a felicidade plena ao vivê-los em sociedades plurais e
diversificadas, mas se nos rodeássemos de gente bafejada por eles era mais
provável que conseguíssemos transformar alguma coisa nessa sociedade. Seriam
bons presentes no sapatinho, alimentando uma semana depois a esperança de um
novo começo ao passarmos de ano. Não sendo assim, fiquemo-nos por deixar
passar, naturalmente como na vida, o Passado, o Presente e o Futuro, ou seja o
Tempo, e juntemo-nos aos felizes comensais, ainda que às vezes para alguns um
bocadinho contrariados. É só às vezes. E a desculpa não somos nós, mas um
alguém que alguns acreditam andar a tratar de nós. Como a família e os amigos.
Bom Natal, boas festas e até para o ano!
Cláudia Sousa Preira
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