A LENDA DOS TRÊS RIOS
Conta a lenda, que havia três rios gémeos, que tinham nascido e crescido juntos em Espanha.
Conta a lenda, que havia três rios gémeos, que tinham nascido e crescido juntos em Espanha.
Não queriam saber como se chamavam, apenas lhe interessava saber
que eram irmãos, mas tal como os homens, passaram a usar um nome para não se
confundirem.
Um chamou-se Douro, outro Tejo e o último, Guadiana. Na terra
onde viviam, levavam uma vida calma e feliz. Mas um dia pensaram sair desta
monotonia, conhecer outras terras e ir até ao Mar. Como já tinham um nome como
os homens, também passou a haver ambição e rivalidade entre eles. Certo dia, um
deles disse para os outros; Esta é a última noite castelhana que dormimos
juntos. Logo pela manhã, cada um por seu lado, vai tentar ser o primeiro a
chegar ao Mar. Concordaram, e os três rios irmãos foram-se deitar.
De madrugada, ainda quase não se via, Guadiana, levantou-se em
bicos de pés, sem fazer qualquer ruído para não acordar os dois irmãos, partiu
sem dizer nada. Para trás ficaram os dois irmãos, que dormiam um sono de
chumbo. Quando o Tejo acordou, não viu o Guadiana, zangado pôs-se a caminho,
nem se lembrou de avisar o Douro. Finalmente, o Douro acordou sobressaltado.
Zangado de se ver só, no início faz algumas curvas em volta de Sória, mas
depressa se lançou numa correria em perseguição dos irmãos, em busca do Mar,
para ver se chegava primeiro. Ainda meio a dormir, acabou por se orientar a
caminho do Mar. Chega a Almazán e parte em linha recta a caminho de Aranda del
Duero, passa perto de Valhadolid, Tordesilhas, e roça Zamora, cego na sua
carreira, esbarra com as altas terras de Trás-os-Montes, dá a volta, passa por
Miranda do Douro, saltando aqui e acolá, sempre apertado entre os montes, chega
a Freixo de Espada à Cinta e vai em direção a Peso da Régua, mas antes
espreguiça-se calmamente pelo Pinhão. Antes de chegar a Castelo de Paiva,
recebe nos seus braços o Rio Ovil, olha para cima para os vinhedos de Baião com
folhas verdes na Primavera e douradas no Outono, escondendo belos cachos de
uvas maduras e o Rio Tâmega, na sua largura e águas calmas, beija Marco de
Canavezes. Continuou a sua caminhada, rompendo por onde pôde, só parando no
Porto, para se lançar no mar, após uma correria desenfreada.
Por sua vez o Tejo, inquieto com o avanço dos seus irmãos Guadiana
e Douro, não encontrou logo o seu rumo. Após algumas voltas, ficou encantado
com a beleza de Toledo, e lançou-lhe um abraço. Vai em linha recta para a
Extremadura espanhola, e entra em Portugal por Alcântara. Sem grande pressa,
chega às portas de Ródão, já com a meta à vista, chega às lezírias ribatejanas,
passa a Ponte Salgueiro Maia, em Santarém e deleita-se nas suas margens. Sem
pressa, desenha com toda a beleza o estuário de Lisboa, para que seja o mais
belo porto natural do Mundo, e assim termina a sua viagem.
Vamos ver o Guadiana. Este foi o primeiro a acordar. Partiu de
madrugada, ainda sem luz, o que levou quase a perder-se. Primeiro desceu para
sul, mas perde-se junto a Ciudad Real e segue mais para Norte. Andou meio
perdido, até que encontra Mérida e Badajoz. Por fim, avista terras de Portugal.
Fez-se amigo do Caia, que também queria ver o mar. Olha de soslaio para Elvas,
passa a Ponte da Ajuda, olha para o céu, beija Juromenha e mal toca na planície
alentejana. Um pouco mais adiante, recebe nos seus braços a Ribeira do
Lucefécit, que entretanto tinha deixado para trás o Endovélico e o Santuário da
Boa Nova, em Terena e vai em direção a Mértola. Volta a olhar para cima,
manda-lhe um beijo e segue o seu caminho por terras baixas e secas. Mais tarde,
rompe por entre rochedos queimados pelo sol, sem pressa, para Vila Real de
Santo António e Ayamonte, para o seu mergulho nas águas do mar.
O Guadiana foi um rio preguiçoso e medroso, tal como receou a
correria e a competitividade dos irmãos, Tejo e Douro. Quis ganhar tempo e
preferiu a correria para o sul. Entre o Guadiana e o Tejo, fica muita terra sem
água. Esta terra, que podia ter sido ganha por Guadiana, tal como fez o irmão
Douro, que se apoderou dos vinhedos debruçados sobre as suas águas, o Guadiana
não soube conquistá-la para si. Foi o seu irmão Tejo, que deu o nome às terras
de entre o Tejo e Guadiana, chamando-se, Alentejo.
Luís de Matos
1 comentário:
Um encanto de prosa, simplesmente!
Quem havia de dizer que naquele corpinho havia uma alma de poeta.
Um abraço para o Luís.
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