terça-feira, 4 de outubro de 2016

VASCULHAR O PASSADO - Por Augusto Mesquita

Uma vez por mês Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e costumes de                                                                                    outros tempos

                                                           A Marquesa de Montemor
           Isabel Perestrelo de Noronha, filha de D. Pedro de Noronha, Bispo de Évora e depois, Arcebispo de Lisboa, e de Branca Dias Perestrelo, foi legitimada por carta régia de 13 de Agosto de 1444. Era sobrinha de Constança de Noronha, Duquesa de Bragança, e como tal, prima da Rainha de Castela.
            D. João V preparou pessoalmente o casamento de D. João de Bragança (futuro Marquês de Montemor) e escolheu para sua esposa, D. Isabel de Noronha. O enlace ocorreu a 25 de Julho de 1460 e foi apadrinhado pelo Rei D. Afonso V e pela tia da noiva, Constança de Noronha, Duquesa de Bragança.
            Em 15 de Janeiro de 1465 “O Africano” nomeou D. João de Bragança como Alcaide-Mor de Montemor-o-Novo.
            Na sequência da rendição de Tânger ocorrida em 25 de Agosto de 1471, e na qual participou activamente D. João de Bragança, por carta passada em Lisboa, a 30 de Outubro desse ano, ofereceu ao Alcaide-Mor de Montemor, a vila e seu termo.
            A simpatia do monarca pelo Alcaide era evidente, pois a 5 de Abril de 1473 D. Afonso V concedeu o título de “Marquês de Montemor”, e a dignidade de “Condestável de Portugal”, a segunda personagem da hierarquia militar nacional, depois do Rei de Portugal.
            Com o decorrer do tempo, o príncipe D. João foi-se apercebendo do oportunismo dos Braganças, que conseguiam as mais diversas benesses, cedidas por seu pai, e isso, originou um ódio enorme à Casa de Bragança.
            D. João II sucedeu ao seu pai após a sua abdicação em 1477, mas só ascendeu ao trono depois da sua morte em 28 de Agosto de 1481. Quando foi coroado rei, terá afirmado que o pai o deixara apenas “rei das estradas e dos caminhos”.
            Os grandes senhores do reino, em particular os da Casa de Bragança, sentem que têm pela frente um inimigo.
            A primeira grande medida do novo rei, foi combater os privilégios da grande nobreza, dando início a um processo de centralização real, assente numa completa obediência ao monarca.
            Muita da nobreza, habituada aos favores de D. Afonso V, não aceitava as alterações impostas por D. João II.
            Estas medidas levaram o Marquês de Montemor a protestar, declarando-as lesivas da sua dignidade, e excessivamente rigorosas, sendo nesta atitude, acompanhado dos irmãos João, Afonso e Álvaro, e do Duque de Viseu.
            A luta que rebentou entre D. João II e a Casa de Bragança, era uma luta de morte, porque ou havia de elevar-se o absolutismo do rei, ou havia de triunfar o poder exorbitante dos grandes vassalos, habituados, no reinado antecedente, a considerarem o príncipe como primeiro dos seus iguais, e não como o supremo chefe, e cabeça da Casa Real. Este conflito, que receavam os mais prudentes, foi a consequência triste, mas irremediável, das discórdias civis da menoridade, e das aventuras e generosidade do governo de D. Afonso V.
            Ao contrário de seu pai, D. João II, não estava habituado a recuar. Encarou as resistências sem temor, e opôs às ameaças e arrogância da nobreza, umas vezes, a dissimulação e a astúcia, outras, os golpes rápidos e seguros de uma vontade inabalável e determinada.
            Durante as Cortes de Évora, a cidade foi ameaçada de peste, e El-Rei com sua corte, em Janeiro de 1482, mudou-se para Montemor-o-Novo, para aqui acabar de despachar os assuntos discutidos nas cortes iniciadas em Évora. Vivia-se ainda, o luto pela morte de D. Afonso V, e por isso, iam “todos vestidos de burel e almafega”, em homenagem à memória do rei.
            O Marquês de Montemor, querendo dar a entender ao monarca que tinha muito prazer e contentamento dele reinar, foi esperá-lo ao caminho com o mais aliviado luto. O rei não entendeu, ou não quis entender, a atitude do marquês, e, por isso, lembrou-lhe que o rei por quem ele trazia “tal dó”, o fizera marquês e lhe dera Montemor, além de muitas honras e mercês. E como se tal repreensão não bastasse, pouco depois ordenou ao marquês, que logo naquele dia, saísse da Vila de Montemor, e no prazo de cinco dias, se passasse para além do Tejo, onde se manteria à sua mercê.
            O Marquês de Montemor partiu de imediato para Castelo Branco, mas com ele levou um ódio ainda mais fundo contra o rei. Chegado à Beira Baixa escreve uma carta a seu irmão, o Duque de Bragança que estava em Vila Viçosa, a relatar-lhe o sucedido. Na sequência deste contacto, foi preparada uma conspiração contra D. João II.
            No ano de 1483 o Duque de Bragança juntamente com os seus irmãos e outros aristocratas lidera uma conspiração contra o rei D. João II.
            Descoberta a traição, D. João II reputou-a como crime de lesa-majestade. O Duque de Bragança, acusado de alta traição, foi preso em Évora pelo próprio rei, no dia 30 de Maio de 1483. No julgamento que se seguiu, foi condenado à morte, e executado publicamente na Praça do Geraldo a 20 de Junho desse ano.
            Melhor sorte, tiveram D. Afonso, D. Álvaro e o Marquês de Montemor, que conseguiram fugir para Castela.
            A Casa de Bragança é extinta, e o seu colossal património foi absorvido pela Coroa.
            O Marquês de Montemor foi sentenciado e decapitado em efígie na cidade de Abrantes a 12 de Setembro do fatídico ano de 1483. Nesta ocasião, estava o marquês na cidade de Sevilha, onde recebeu a notícia da sua triste sorte em Portugal.
            Após a conspiração de 1483, a marquesa ficou em Montemor-o-Novo. Ao contrário do que seria de supor, D. João II, protegeu-a, e na mesma vila, onze dias depois, deu-lhe em carta de privilégio a renda das pensões dos tabeliões de Lisboa, que tinha pertencido ao seu marido.
            Com o objectivo de se juntar ao seu amado, acabou por abalar para Sevilha, com Catarina da Costa, irmã do célebre cardeal de Alpedrinha, e esposa de Pedro de Albuquerque, Almirante Mor de Portugal.
            A marquesa instalou-se em Sevilha, na Rua Francos (cale Francos), vivendo num palácio rodeada de uma verdadeira corte de serviçais. O bairro era o mais nobre da cidade, onde se localizava o Alcázar, os Cabidos e o Palácio Episcopal. O palácio da Marquesa de Montemor-o-Novo era um verdadeiro centro da comunidade portuguesa de Sevilha. Ocorreram nesta palácio cerimónias de iniciação a ordens militares portuguesas.
            Graças aos rendimentos que recebia de Portugal e aos que obtinha dos reis espanhóis, pode manter em Sevilha uma corte de serviçais e envolver-se nos negócios das Índias. Foram já identificados mais de 20 criados, o que diz bem do poder que esta marquesa possuía na cidade.
            A marquesa possuía múltiplos negócios em Espanha, como por exemplo o negócio de escravos e financiamento de expedições às índias espanholas.
            A marquesa assumiu o papel de matriarca da nobreza portuguesa exilada em Sevilha.
            Depois da morte do marido, ocorrida a 30 de Abril de 1484 na Guerra de Granada, a marquesa continuou a viver em Sevilha, tornando-se a padroeira do Convento de Santa Paula, fundado em 1475 por Dona Ana de Santillán y Guzmán para os religiosos da Ordem dos Frades Jerónimos. A construção da igreja entre 1483 e 1489 foi custeada pela marquesa.
            Após a morte de D. João II, ocorrida em 25 de Outubro de 1495, os Braganças foram perdoados. É neste contexto que D. Manuel I, a 11 de Janeiro de 1500 concede à marquesa a tensa do seu casamento de 45.000 reais. Em 1514 recebia também uma tensa abonada com as rendas da sisa do pescado e madeira de Lisboa.
            Para a realização do portal do Convento de Santa Paula, D. Isabel contratou, em 1504, o célebre ceramista italiano Francisco Niculoso Pisano.
            Isabel de Noronha, conhecida em Espanha por “Marquesa de Montemayor” ou “Marquesa de Portugal”, não deixou descendência. Morreu a 29 de Maio de 1529, tendo deixado a maior parte da sua fortuna às freiras de S. Jerónimo do Convento de Santa Paula.
Em 1493 adquirira os direitos de transformar a Capela Maior num panteão familiar, onde se encontra sepultada com o seu marido. O Marquês de Montemor está do lado do Evangelho, e D. Isabel do lado da Epístola.
            Uma inscrição colocada na igreja, no final do século XVI, assinala este facto:
            “El muy magnífico señor don Juan condestable de Portugal, y marques de nontemayor, bizneto del rey don Juan de Portugal, murió yendo à la guerra de Granada à postrero de Abril de M.CCCC.LXXXIV. El qual yle muy ilustre magnifica señora sua muger la marquesa doña Isabel Henriquez, bisneta de rey don Henrique de castilla, y del rey dom Fernando de Portugal, que edificó esta iglesia, estan en esta sepultada.”

Augusto Mesquita
Setembro 2016

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