Terça, 18 Outubro 2016
Esta crónica é sobre a questão táxis vs
Uber e companhia, um assunto que aquece aqui agora, que já pôs outras capitais
de pernas para o ar e que revela vários problemas da contemporaneidade, por um
lado, e da fragilidade intergeracional de algumas mentalidades, inclusivamente
colectivas.
Formar opinião sobre
este assunto, como de resto com outros que nos dizem tangencialmente respeito,
implica “calçarmos os sapatos do outro”, uma metáfora comum, por vezes até
poética, sem deixar de ser política.
O que assistimos numa suposta
marcha-lenta de taxistas da passada semana foi a uma dupla sabotagem. Uma sabotagem
ao trabalho de uma empresa exclusivamente privada, com fins lucrativos e sem
benefícios próprios das que prestam serviço público, e que ao contrário dos
táxis segue as regras do mercado, tão desregrado. Foi uma sabotagem com
agressões reais a funcionários das empresas Uber ou Cabify no aeroporto
Humberto Delgado. A outra sabotagem foi uma auto-sabotagem. Uma marcha que
tinha um determinado percurso preparado dentro das regras, viu-se sabotada
pelos marchantes que revelaram, no mínimo e para não repetir o que não devia
ter nunca saído da boca de gente que lida com público, uma profunda ignorância
sobre as regras básicas da cidadania, quer estas se refiram a comportamentos em
sociedade quer da forma como actuam as corporações, os seus representantes e defensores
nos órgãos próprios, em regimes não ditatoriais nem monopolistas.
Pareceu-me que mais do que a
marcha-lenta, simbólica em várias formas de contestação que pretendam reunir
simpatizantes com as causas, ficará para o futuro o efeito desta auto-sabotagem.
Talvez até leve a alterações no relacionamento dos que, por várias razões e com
interesses diferentes, se puseram à partida e de forma irredutível do lado dos
que, afinal, só conseguiram passar a ideia de quererem continuar a ser um
monopólio. E sim falo de um partido político que oscila entre princípios que
umas vezes, sobretudo quando está no poder, flexibiliza e, noutros, quando
representa uma espécie de acionista de quem interessa manter a quota, se mostra
tão firme. Uma bota que vou querer ver como vai descalçar.
De volta ao calçado, então, importa
recordar que a palavra sabotagem vem precisamente de um movimento de
contestação que, para lá de todo o direito que num estado livre e democrático é
até saudável que se possa manifestar, revela uma desadequação ao que, no fundo,
é mesmo o interesse geral de acompanhar o progresso da humanidade, em nome de
uma instalada posição conquistada. Sabotagem vem da palavra francesa sabot que
designa precisamente um tipo de calçado, as socas de madeira. Os episódios que
lhe deram origem têm uma interessante semelhança, com a relativa distância do
tempo, com os desta marcha-lenta. É que na Europa Central da revolução
industrial os trabalhadores oriundos das zonas rurais que foram trabalhar para
as fábricas e se aperceberam de que a máquina iria substituir o trabalho braçal
para que estavam preparados e onde ganhavam em competência usavam as suas socas
de madeira para encravar as máquinas e parar a produção. Assuntos assim
tratados com os pés normalmente não têm grande efeito para os que os praticam.
A não ser no futebol, claro, mas até aí é preciso usar bem a cabeça.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira
Sem comentários:
Enviar um comentário