quarta-feira, 21 de setembro de 2016

LUGAR À CULTURA

         Baseado em Textos do Dr. Alexandre Laboreiro.

                                               A Liberdade e a Cidadania


 «O nosso défice actual não é de números. É de alma».
 Victor Ramalho
(in “Expresso”)

Com vista a uma Democracia dinâmica, e  -  como tal  -  altamente participada, ideologicamente bem fundamentada, vivenciada num clima relacional de autêntica cordialidade (em que predomine um diálogo assente num pensamento iluminado pelo bem público, pela justiça, pela valorização do ser humano mediante uma profunda aculturação, a par duma promoção económica no nível de vida de cada Sociedade), propõe-nos Alberto Martins:  «A regra de ouro da democracia apela ao debate contraditório, ao espírito crítico, ao incentivo da acção cívica esclarecida. A força das ideias desperta-nos para as causas e valores superiores que justificam a política. É preciso ter ideias, perigosas se necessário: uma ideia que não é perigosa não merece ser chamada uma ideia.» (in “Direito à Cidadania”).
Ora, com vista à inserção do indivíduo na sociedade (munindo-o de uma capacidade cultural de socialização), alerta-nos Bento de Jesus Caraça (in “Cultura e Emancipação”): «A preparação cultural dos indivíduos, conducente ao reconhecimento de si como seres relacionais e ao conhecimento de si como membros desse “organismo vivo e uno”, torna-se indispensável para que o ímpeto exceda “a revolta elementar e cega” e seja prosseguido pela consciência revolucionária. Porque revolução ... mais que um “tumulto num dia” ou resultado de qualquer fanatismo de uma “pequena sociedade de algibeira”, é “uma invenção mais admirável que a máquina a vapor; uma organização       técnica, intelectual, moral do trabalho sobre a Terra”, forjada na “escola da liberdade” que é a Cultura».
Ora, tal como Bento de Jesus Caraça, também António Sérgio defendia a participação cívica (dos cidadãos) no governo da Nação  -  mas, de uma forma activa: em função da sua opinião, que  -  no seu todo  -  constituiria uma força consubstanciada na “opinião pública”; assim, diz-nos ele nos seus “Ensaios”: «Decerto, aceitarão esta evidência: que, sendo os homens do governo, em Democracia, os executantes da opinião, quando tal opinião não existe podemo-nos queixar de que desgovernem (se podemos) mas não lhe podemos levar a mal que não governem democraticamente. Quer dizer: além dos governos (antes e acima deles) é necessária alguma coisa: é necessária a opinião pública; é necessária quem a faça; e como quem a faz são os intelectuais e os homens de elite de cada classe, é indispensável que esses homens saibam cumprir o seu dever. Democracia pressupõe elites, solidamente organizadas: grupos e apóstolos que pensam e agem, inspirados por uma boa ideia  -  ou técnica, ou política, ou económica, ou pedagógica».
E Sérgio lamentava: se a Democracia, como dissemos, é o controle do governo pela opinião pública  -  a primeira e essencial condição para a existência da Democracia, será a existência da opinião pública, consciente e organizada: coisa que em Portugal não se enxerga (lamenta ele).
Porém, salta-nos à evidência que, durante a ditadura do Estado Novo, constituiu um heroísmo fazer erguer uma opinião pública operacional que, clandestinamente, fosse criando um clima social, cultural, político (de modo a que os movimentos revolucionários de oposição ao regime, se movimentassem na clandestinidade, sentindo o apoio logístico aberto das populações) face à sua forte despolitização e devido à vigilância apertada do regime.
Porém, até a Revolução de Abril, a curta duração da I República, e a difícil politização das camadas populares durante o Estado Novo, não permitiu criar um espírito de cidadania, que envolvesse os sectores populares na intervenção política  -  sentindo-se mesmo, recentemente, fortes índices de abstencionismo nos processos eleitorais.
A intervenção cívica está, de certa forma, ligada à cultura política: cultura que esteve “apagada” durante dezenas de anos  -  e, ainda hoje, se não fez ressurgir como é desejável: a leitura de jornais, revistas, livros, a fruição de conferências, a apreensão estética de peças de teatro e cinema, e de concertos musicais (tudo isto com um cunho político e valor estético), foi sempre hábito limitado entre nós; ainda hoje.
Porém, ficaremos com a constatação de Lídia Jorge: «O futuro de um país lê-se no rosto dos seus habitantes».

 José Alexandre Laboreiro

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