Baseado em Textos do
Dr. Alexandre Laboreiro.
A Liberdade e a Cidadania
(in “Expresso”)
Com vista a uma Democracia dinâmica, e - como
tal -
altamente participada, ideologicamente bem fundamentada, vivenciada num
clima relacional de autêntica cordialidade (em que predomine um diálogo assente
num pensamento iluminado pelo bem público, pela justiça, pela valorização do
ser humano mediante uma profunda aculturação, a par duma promoção económica no
nível de vida de cada Sociedade), propõe-nos Alberto Martins: «A regra de ouro da democracia apela ao
debate contraditório, ao espírito crítico, ao incentivo da acção cívica
esclarecida. A força das ideias desperta-nos para as causas e valores
superiores que justificam a política. É preciso ter ideias, perigosas se
necessário: uma ideia que não é perigosa não merece ser chamada uma ideia.» (in
“Direito à Cidadania”).
Ora, com vista à inserção do indivíduo na sociedade
(munindo-o de uma capacidade cultural de socialização), alerta-nos Bento de
Jesus Caraça (in “Cultura e Emancipação”): «A preparação cultural dos
indivíduos, conducente ao reconhecimento de si como seres relacionais e ao conhecimento
de si como membros desse “organismo vivo e uno”, torna-se indispensável para
que o ímpeto exceda “a revolta elementar e cega” e seja prosseguido pela
consciência revolucionária. Porque revolução ... mais que um “tumulto num dia”
ou resultado de qualquer fanatismo de uma “pequena sociedade de algibeira”, é
“uma invenção mais admirável que a máquina a vapor; uma organização técnica, intelectual, moral do trabalho
sobre a Terra”, forjada na “escola da liberdade” que é a Cultura».
Ora, tal como Bento de Jesus Caraça, também António Sérgio
defendia a participação cívica (dos cidadãos) no governo da Nação - mas,
de uma forma activa: em função da sua opinião, que - no
seu todo - constituiria uma força consubstanciada na
“opinião pública”; assim, diz-nos ele nos seus “Ensaios”: «Decerto, aceitarão
esta evidência: que, sendo os homens do governo, em Democracia, os executantes
da opinião, quando tal opinião não existe podemo-nos queixar de que desgovernem
(se podemos) mas não lhe podemos levar a mal que não governem democraticamente.
Quer dizer: além dos governos (antes e acima deles) é necessária alguma coisa:
é necessária a opinião pública; é necessária quem a faça; e como quem a faz são
os intelectuais e os homens de elite de cada classe, é indispensável que esses
homens saibam cumprir o seu dever. Democracia pressupõe elites, solidamente
organizadas: grupos e apóstolos que pensam e agem, inspirados por uma boa
ideia -
ou técnica, ou política, ou económica, ou pedagógica».
E Sérgio lamentava: se a Democracia, como dissemos, é o
controle do governo pela opinião pública
- a primeira e essencial condição
para a existência da Democracia, será a existência da opinião pública,
consciente e organizada: coisa que em Portugal não se enxerga (lamenta ele).
Porém, salta-nos à evidência que, durante a ditadura do
Estado Novo, constituiu um heroísmo fazer erguer uma opinião pública
operacional que, clandestinamente, fosse criando um clima social, cultural,
político (de modo a que os movimentos revolucionários de oposição ao regime, se
movimentassem na clandestinidade, sentindo o apoio logístico aberto das
populações) face à sua forte despolitização e devido à vigilância apertada do
regime.
Porém, até a Revolução de Abril, a curta duração da I
República, e a difícil politização das camadas populares durante o Estado Novo,
não permitiu criar um espírito de cidadania, que envolvesse os sectores
populares na intervenção política - sentindo-se mesmo, recentemente, fortes
índices de abstencionismo nos processos eleitorais.
A intervenção cívica está, de certa forma, ligada à cultura
política: cultura que esteve “apagada” durante dezenas de anos - e,
ainda hoje, se não fez ressurgir como é desejável: a leitura de jornais,
revistas, livros, a fruição de conferências, a apreensão estética de peças de
teatro e cinema, e de concertos musicais (tudo isto com um cunho político e
valor estético), foi sempre hábito limitado entre nós; ainda hoje.
Porém, ficaremos com a constatação de Lídia Jorge: «O futuro
de um país lê-se no rosto dos seus habitantes».
José Alexandre Laboreiro
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