quarta-feira, 7 de setembro de 2016

HISTÓRIAS DO LUÍS DE MATOS

Desde sempre que o Al Tejo tem dedicado uma atenção muito especial, às histórias, e aos hábitos e costumes da nossa gente, recordando pessoas que pela sua peculiar maneira de enfrentar a vida foram um marco na comunidade do Concelho do Alandroal.
A par, temos, desde sempre, tentado divulgar os nossos locais de referência, uns mais conhecidos, outros nem tanto, mas que no entanto merecem uma atenção especial.
Luís de Matos, nascido e criado na Vila de Terena tem um vasto percurso na arte de relatar episódios, inventar histórias, dar a conhecer gentes e locais muitas vezes ficcionando histórias que se tornam um regalo lê-las.
Com várias obras já editadas, destaque para: Diário da Guerra Colonial da GuinéCágado Gaspar – Lontra Li – a escrita do Luís prende-nos pela sua facilidade de leitura, tal como pela descoberta de gentes e locais que marcaram a história do nosso Concelho.
Atento a toda a divulgação da sua Obra, solicitei ao Autor a devida autorização para publicar aqui neste espaço algumas histórias (incluindo também as dedicadas a um publico infantil – e que deviam ser divulgadas em todas as Escolas do Concelho, tal como, as que referem sítios e locais de referência do Concelho o deviam ser no Secundário.)
Amavelmente o Luís de Matos, acedeu ao meu pedido permitindo assim que o seu nome se junte ao rol de colaboradores que graças à sua boa vontade contribuem para a manutenção do Al Tejo.
Obrigado Luís e sejas bem-vindo.

Chico Manuel


                                                       LUZ SE FEZ
                       No segredo das águas… Terras do Endovélico
Há muitos, muitos anos, nasceu uma menina a que foi dado o nome de Lucefécit.
A menina não tinha casa. Tinha nascido sob a luz da lua e das estrelas, junto a uma pequena aldeia chamada Santiago Rio de Moinhos, próximo da Serra de Ossa. Apesar da aldeia ser muito bonita e gostar do sítio onde vivia, Lucefécit começou a pensar que gostaria de conhecer outras meninas e meninos e ser feliz.
Foi com este pensamento que adormeceu. Nessa noite, Lucefécit dormiu um sono profundo, daqueles que dá saúde, retemperar as forças e enfrentar um novo dia. Quaisquer meninos e meninas que encontrasse iria falar com eles. Tentar conhecê-los e depois, talvez viessem a ser amigos.
Lucefécit, não fazia ideia dos amigos que iria encontrar e quem eram, mas uma coisa, ela tinha a certeza, seguiria o seu caminho e esforçar-se-ia para concretizar o seu desejo. Sabia de onde vinha, desconhecia o seu percurso e não sabia onde iria terminar a sua viagem.
Assim, logo pela manhã, ainda o sol não tinha nascido, levantou-se, esfregou os olhos, espreguiçou-se e preparou-se para iniciar o caminho à procura de possíveis amigos.
Estava um bonito dia de sol de Primavera. Atravessou a aldeia, devagarinho, andou, andou sempre pela planície alentejana até que encontrou pela frente, uma enorme montanha. Era o seu primeiro obstáculo e uma grande confusão.
Que montanha tão grande e com tantas árvores!
Lucefécit teve algum receio, mas tinha de continuar a sua viagem para ir procurar os possíveis amigos deixando para trás, do seu lado direito, a montanha que se chamava Serra d `Ossa. Continuou a sua marcha, mas eis que, a uma curva graciosa, ao seu lado direito, dá de caras com a Fonte e a Igreja de Nossa Senhora da Fonte Santa. Olhou para elas, virou à esquerda e continuou o seu caminho. Tinha agora à sua frente, um enorme obstáculo rochoso e muito alto, que era para ela completamente novo e que a Lucefécit nunca tinha visto, chamado Rocha da Mina. Como não o pôde vencer, passou-lhe ao lado direito, deu uma grande curva para seguir em frente e encontrar do mesmo lado, o Moinho da Rocha da Mina. A seguir passou por baixo da Ponte dos Ouros, deixando do lado esquerdo, o Moinho do mesmo nome.
No seu percurso já difícil, um pouco mais abaixo, encontrou do seu lado direito, uma menina, pequenina como ela, chamada Ribeira da Silveirinha. Deste encontro nasceu uma boa amizade e a Lucefécit ficou muito feliz por ter encontrado a sua primeira amiguinha. Seguiram as duas juntas, de mãos dadas, até encontrarem, desta vez do seu lado esquerdo, um menino chamado Ribeiro da Mota.
- Queres vir comigo menino amigo? - perguntou-lhe Lucefécit.
- Que convite misterioso, pensou desconfiado, mas ao mesmo tempo com vontade de satisfazer o desejo de uma menina tão bonita como Lucefécit, embora não soubesse onde o podia levar e por que o estaria a convidar. Resolve então perguntar-lhe: para onde te diriges?
- Não sei. Não faço a mínima ideia. Talvez para o mar ou para um rio, respondeu Lucefécit. Quando saí da terra onde nasci, foi com a intenção de conhecer outras meninas e meninos e ser feliz.
-Pensei que ias fugir de alguma coisa, pois tenho vindo a reparar que às vezes fazes grandes curvas, como que a quereres esconder-te de alguém.
-Eu, fugir de quê? respondeu Lucefécit.
-Não sei, apenas fiz uma pergunta. O ribeiro disse-lhe que se chamava Ribeiro da Mota e que devido à aridez dos montes onde tem vivido, anunciou-se aos tropeções, entregando-se depois ao prazer visual de admirar as flores da esteva, do rosmaninho e da rosa silvestre, como só o engenho das crianças transportam para o mundo dos sonhos.
-Bem sei que as rosas e o rosmaninho são flores de luxo, cujo perfume me entontece e talvez por isso, me vi obrigada a dar tantas curvas, desculpou-se Lucefécit.
Entretanto e logo a seguir, do lado direito, surgiu um outro ribeiro chamado Alfardagão. Imediatamente se fizeram amigos e os quatro lá foram cantando e rindo à descoberta de novas emoções.
Iam todos de mãos dadas, brincando, saltando aqui e ali por entre rochedos que insistiam em dificultar o seu caminho, rodeando algumas encostas de pequenos montes que, para os quatro amigos lhes pareciam enormes.
À medida que ia conhecendo outros vales e montes, Lucefécit deparava-se com novas dificuldades. Eis que, um pouco mais abaixo, do lado esquerdo, encontrou um esporão rochoso e paredes quase a pique, a que deram o nome de Castelinho. Contornou-o, mas eis que surge imediatamente a seguir e do seu lado direito, um rochedo tão alto, que se erguia como uma torre, chamado Castelo Velho.
Lucefécit, pôs-se a pensar como o conseguiria vencer mas, logo se apercebeu que era uma missão impossível e decidiu então, passar-lhe pelo lado esquerdo.
Ultrapassado este obstáculo, foi encontrar, do seu lado direito, um outro menino chamado Ribeiro do Lobo. Era mais um menino simpático e acolheu-o de braços abertos, tal como viria a fazer com o Ribeiro do Olival da Rocha que encontrou um pouco mais abaixo do seu lado esquerdo.
Lucefécit, que se tinha levantado muito cedo, apresentava já sinais de cansaço. Por isso mesmo, foi andando devagarinho e conversando com o seu amigo. Quando mal se aperceberam, tinham pela frente, do lado esquerdo, um outeiro muito grande chamado S. Miguel da Mota. Durante a viagem, Lucefécit já tinha ouvido dizer que a lua se escondia por detrás daquele outeiro muito alto e que dominava uma boa parte da planície. Ouviu ainda mais: - ouviu dizer que, naquele local, existiu há milhares de anos, um guardião muito famoso pelos seus feitos sagrados, chamado Deus Endovélico.
A Serra de Ossa, a Fonte Santa e a Igreja de Nossa Senhora da Fonte Santa, já tinham ficado para trás e do seu lado direito. Agora, Lucefécit, deixava o Deus Endovélico lá bem no alto e do seu lado esquerdo, tendo continuado a descer, para encontrar logo a seguir e do mesmo lado, outro amigo, chamado Ribeiro do Bragado.
Lucefécit tropeçava e hesitava aqui e acolá, sempre com o desejo de descobrir terras nunca vistas e sonhadas. Lucefécit, estava ansiosa por terminar a sua viagem. Andou mais para baixo e encontrou-se com outra amiga que já vinha de longe, chamada Ribeira do Alandroal, vestida de saia e blusa da cor das flores dos alandros.
Ao fazer esta nova amizade, Lucefécit, era já uma senhora e tinha feito muitos amigos, mas como tinha de continuar o seu caminho, foi em linha reta até ao Moinho da Volta, para logo a seguir dar de caras com o Alto de São Gens, que lhe barrava o caminho. Como não o podia passar, virou à sua direita e, serenamente, passou pela Ponte Velha. Andou um pouco mais para baixo, até que encontrou do seu lado direito, um outro menino chamado, Ribeiro da Cruz, que vinha dos lados de Terena e acolheu-o no seu regaço.
Olhou para cima e, lá ao longe, viu Terena com o seu imponente Castelo que, lá do alto da colina vigia tudo à sua volta.
Lucefécit não se deixou intimidar pela imponência do castelo. Olhou para ele, de soslaio e deixou-o ao seu lado direito. Até ao momento, tinha galgado terreno agreste, passando agora a dar lugar à horizontalidade da terra, e assim seguir em frente pela planície, já mais aberta e ampla a perder de vista, até que chegou à Igreja de Nossa Senhora da Boa Nova. Quase a beijou e decidiu descansar um pouco sob um manto de lírios e malmequeres brancos e amarelos.
Seguiu novamente em linha recta para receber mais abaixo, nos seus braços, três amigos chamados Ribeiro dos Barrancos, que surgia ao seu lado direito, Ribeiro do Negro e Ribeira do Alcalate, que surgiam ao seu lado esquerdo.
Continuando o seu caminho pela planície adentro, feita a amizade com os Ribeiros do Belo e dos Apóstolos que vêm do seu lado esquerdo, um pouco mais abaixo, do seu lado direito, Lucefécit não consegue vencer um esporão rochoso chamado Castelinhos, para logo a seguir, acenar pela última vez,ao Moinho e à Igreja de Nossa Senhora das Neves, ao Moinho e aos montes do Roncão e do Aguilhão, que lá do alto, vigiam o rio Guadiana.
Lucefécit, inicialmente plena de energia e apesar da força acumulada ao longo do seu difícil caminho, já não tem força para vencer a Rocha de Santa Catarina. É aqui, que dá então o seu primeiro e receoso mergulho no Rio Guadiana.
E assim, decide terminar a sua longa e penosa viagem, mas ao mesmo tempo muito rica, pois tinha feito muitos amigos, tal como havia imaginado poder vir a acontecer.
Luís de Matos

3 comentários:

Luís de Matos disse...

Sabes Xico Manel, escrever sempre foi para mim uma forma de dizer às pessoas que estou vivo. E tentar, pelo menos, sensibilizar os nossos concidadãos para a leitura, para que sejam mais ricos. Povo que não lê, fica mais à mercê dos exploradores, sejam eles de que cariz for. E por outro lado, tento que a minha escrita chegue às nossas crianças. Das minhas edições, um enorme número de livros são oferecidos por esse país fora onde vou fazer apresentações, embora reconheça que não se deva fazer. Mas o que hei-de fazer? Se o coração fala mais alto? Efectivamente tenho algumas dezenas de estórias, algumas ilustradas, prontas a ir para a gráfica, mas depois falta aquilo com que se compram os melões. Na medida do possível, vou enviar-te umas pequenas estórias para o AL TEJO. Quero agradecer-te as palavras elogiosas sobre a minha pessoa. Sabes que a nossa terra sempre me mereceu o maior carinho e tudo farei para a engrandecer nem que seja no fim do mundo. As nossas raízes são sempre a terra que nos viu nascer e eu, tento manter esta máxima. Um abraço amigo. LM

Anónimo disse...

Gostei de ler. Revi-me em muitos dos locais referenciados. É sempre bom recordar.
Parabens
José Manuel

Anónimo disse...

Boa tarde, concordo com o comentário do Sr Luís de Matos. Também gosto muito de ler e escrever.
Estou a seguir com muito interesse as suas estória. Sou natural de Terena e conheço os nomes (tanto das pessoas como dos locais) que muito bem ilustram as suas estórias, algumas com casos reais. Obrigada por nos recordar tempos passados. Muito bom. Espero que continue assim.
Maria Mira