Terça, 20 Setembro 2016
É um prazer voltar às
crónicas em que, da letra à voz, a Rádio Diana me vai dando a oportunidade de
emitir opinião e, talvez até, fazer opinião junto daqueles que me ouvem ou lêem
com toda a paciência.
Tenho seguido uma norma, pessoal e possivelmente intransmissível, de
submeter as séries de crónicas a um motivo constante, à volta do qual surgem os
temas, ou assim os suscitam as circunstâncias, e que me vão levando a partilhar
a minha opinião. Já o fiz com ditados populares, com verbos, com estrangeirismos,
com citações de Vergílio Ferreira. Nesta série pensei na metáfora como pólo
agregador de ideias, argumentos, lógicas discursivas. E talvez seja por isso
interessante começar por ajustar o vastíssimo “mundo da metáfora”, muito
conhecido e esmiuçado para os relativamente poucos que trabalham as teorias e a
filosofia da linguagem, ao mundo dos cidadãos que entre as ondas hertzianas e
os bytes vão apanhando as palavras de que são feitas estas, e
quaisquer outras, crónicas de opinião.
A metáfora é talvez o recurso
expressivo que a linguagem humana mais utiliza. Por vezes até inconscientemente
e, pasme-se, por falta de vocabulário próprio para precisar uma ideia ou uma
definição. Isso acontece muito com as crianças que, com o seu ainda pequeno
dicionário, lançam mão de imagens que parecem até poesia a sério, intencional.
É que a metáfora consiste, num sentido lato, em usar-se um termo, ou uma
expressão, ou até mesmo uma ideia – quando o nível de elaboração do discurso é
mais estável e consolidado – com o sentido de outro termo, expressão ou ideia.
Obviamente que se mantém uma relação de semelhança, fazendo-se o transporte de
um sentido para o outro – num sentido para a criar, no outro para a decifrar -
ainda que por vezes difícil de descobrir, gerando verdadeiros quebra-cabeças a
quem queira entender exactamente o que se está a querer dizer. Aliás, começamos
por aprender que a metáfora é, e simplificando, uma comparação sem o “como”. O
que a partir daqui se pode fazer é que vai complicando a identificação de vários
recursos expressivos que se podem distinguir com base nesta relação simples ou
que simplificamos. Uma metáfora é uma imagem e nós sabemos como ela é tão
importante.
Mas o que é
verdadeiramente interessante para aqui, em meu entender, é o facto de a metáfora
ser sempre uma representação simbólica de alguma coisa. E como tal, ela
representa, nas dinâmicas próprias de todas as culturas, formas de regular
atitudes e comportamentos próprios de grupos, dos mais locais aos mais globais.
Muitas vezes, em diferentes línguas mas em contextos e referências semelhantes,
utilizam-se expressões metafóricas muito diferentes, que até se tornaram
expressões idiomáticas, completamente intraduzíveis, pelo menos à letra. De tão
banalizada a sua utilização este e outro tipo de metáforas podem até
considerar-se metáforas mortas, uma vez que a intenção do uso como recurso
estilístico já lá não está. Mas normalmente contam histórias muito
interessantes, também.
Ao longo desta série
de crónicas que nos levarão até às próximas eleições autárquicas, a propósito
de temas desta e de outras actualidades, não haverá com certeza falta de
metáforas, mais ou menos óbvias, que se aplicarão a várias circunstâncias. Como
estamos, por exemplo, a assistir a esta da “geringonça”. O tempo, sempre o
tempo acima do que nós fazemos, se encarregará de dizer se a metáfora,
inicialmente tão negativa, não se transformará, quem sabe, em sinónimo de
“coisa que funciona bem”. Ou se palavras que nada têm de metafórico, como
informação por exemplo, não estão cá no lugar de propaganda e não deva ser lida
como nos estando a “atirar-nos areia para os olhos”. E isto para arranharmos
desde já uma metáfora, ainda que com uma imagem sensorial um tanto dolorosa
que, de certa forma, nos alerta para uma atitude defensiva.
Cláudia Sousa Pereira
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