Caravelas
(Foto: autor
desconhecido)
E quando nada nem ninguém poderia
prever, um breve dilúvio abateu-se sobre Montemor no dia 11 de Maio, abrindo uma
ferida profunda numa das praças mais emblemáticas da cidade. O Jardim Público,
elemento arquitectónico com largas décadas de existência, faz da Praça da
República, juntamente com as sociedades Carlista e Pedrista, um conjunto
perfeito com a arquitectura do prédio em frente, onde se situa o Café Almansor,
cujos nome e história se confundem com o nome e a história do próprio largo,
onde desaguam sete das ruas da nossa terra. Parte do muro do Jardim ruiu em
consequência de um deslizamento de terras que forçou a antiga armação a cair
para o lado da Rua de Olivença. Não houve registo de feridos, felizmente,
embora um carro ali estacionado tivesse ficado danificado.
Ainda não li qualquer reacção por parte dos partidos
da Oposição que, normalmente, e como é da praxe, procuram atribuir
responsabilidades por este tipo de situações e que quase sempre apontam a
Maioria como principal alvo das suas críticas. Desta vez, e à data deste
escrito, ainda não o fizeram. Nem serei tão pouco eu a fazê-lo. Porque não sei
como se pode evitar estas catástrofes e porque penso que os responsáveis
autárquicos, maioria e oposição, já terão pensado em tornar efectiva uma
vistoria rigorosa a todos os edifícios do centro histórico que se encontram em
situação de iminente desmoronamento. A chuva, o sol, o vento e a poluição que
têm vindo, ao longo de décadas, a conviver com os edifícios das décadas de 20,
30 e 40 do séc. XX, começam a fazer os seus efeitos erosivos, sobretudo em
imóveis devolutos e cujos proprietários não se encontram financeiramente em
condições de proceder aos necessários melhoramentos e, muito menos, a uma total
reconstrução dos seus imóveis antigos.
Há vários anos que muitos montemorenses, quer
verbalmente, quer por escrito nos jornais da terra, vêm a alertar para o estado
de degradação de alguns dos edifícios da histórica “encosta do Castelo” e
daqueles que circundam outro largo emblemático da cidade – o Largo General
Humberto Delgado. Mais quatro ou cinco tempestades como a que destruiu o muro
do Jardim bastarão para deitar abaixo alguns prédios do mítico largo onde se
ergue o Monumento aos Combatentes da Primeira Guerra.
Se, aparentemente, houve algum desleixo com o estado
do muro Jardim Público, que este acontecimento nefasto, que para nós,
montemorenses, tem o valor de uma verdadeira tragédia patrimonial, sirva para
alertar quem de direito, de modo a, urgentemente, evitar-se repetições.
Montemor não pode ser visto como uma velha caravela, esventrada, abandonada ao
sabor das intempéries, que, por falta dos contínuos e necessários cuidados de
manutenção, deu à costa, mil tempestades depois, a gritar por socorro. Exigimos
da autarquia uma maior vigilância e os meios necessários para prevenir estas
situações que deixam na traça da cidade cicatrizes difíceis de sarar. Como? Não
me compete a mim dizê-lo. E, já agora, que não apliquem as modernices habituais
nas reconstruções do género. Queremos um muro exactamente igual ao que lá
estava.
João Luís Nabo
In "O Montemorense",
Maio de 2016
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