Quinta, 14 Abril 201
Os poucos que me conhecem sabem que não
deve haver coisa que me irrite mais do que um moralista. Pronto… um moralista
indignado consegue irritar-me mais.
E nestas coisas do moralismo ofendido parece não haver fronteiras entre os
que se afirmam de esquerda e os que se afirmam de direita, lançando-se todos
numa espécie de cruzada contra comportamentos que não se enquadram nos elevados
padrões da sua moralidade, transformada na única moral aceitável.
Vem esta conversa a propósito do grande
escândalo em torno de João Soares, que o levou a demitir-se do cargo de
ministro.
Antes de mais deixem-me dizer que não
nutro qualquer simpatia pessoal pela figura de Soares (pai ou filho) e que não
tenho opinião particularmente positiva sobre o seu exercício do cargo de
ministro.
Esta apreciação não me impede de achar
que o cidadão Soares tem os mesmos direitos que são atribuídos às pessoas que
supostamente ameaçou e que possa reagir da forma que entender assumindo,
naturalmente, as consequências do que escreveu.
Tudo se resumiu, de facto, a uma reacção
infantil a um artigo que o próprio considerou ofensivo da sua dignidade e com o
qual a generalidade dos cidadãos nada têm a ver.
É razão para ser “obrigado” a deixar o
cargo? Não me parece e ainda me parece menos que gente que passa a vida nas
redes sociais a insultar, ameaçar, desejar a morte a cidadãos que, por qualquer
razão não gostam ou defendem ideias diferentes, de repente achem
particularmente gravoso que alguém ameace com umas chapadas uns cronistas que
escrevem num qualquer jornal.
Dir-me-ão que o homem é ministro e que o
ministro não se pode dar ao luxo de tal destempero de linguagem e atitude, o
que me leva a concluir que, pelo facto de estar a exercer funções públicas,
está inibido de alguns direitos básicos como, por exemplo, a liberdade de
expressão. Será isto razoável? A mim não me parece.
De repente apareceram virgens ofendidas
que tomaram as dores dos dois cronistas, alegando que estava em causa o direito
à opinião e à liberdade de expressão, por causa de umas infantis chapadas
prometidas por alguém que se irritou com o que leu a seu respeito, como se o
“ameaçador” tivesse o poder de calar os ditos cronistas.
Gente que resolve as birras dos filhos à
chapada, de repente acha intolerável que um adulto prometa umas chapadas a
outro adulto num contexto mais literário que literal.
Ah… mas o homem é ministro. E depois?
A maior parte destes defensores da
moralidade, se fossem mimoseados com metade do que Vasco Pulido Valente escreve
semanalmente, estariam a dizer o que costumam dizer sobre os políticos de que
não gostam, seja justo ou injusto, verdade ou mentira.
Lembram-se daquele ministro da economia
que foi demitido por ter chamado cornudo a um deputado em plena Assembleia da
República? Foi bem demitido… mas pelas razões erradas. Deveria ter sido
demitido pelas desgraçadas opções políticas que prosseguiu e não porque se
irritou e fez um gesto que os miúdos faziam na escola do meu tempo.
Bem sei que não será
esta a minha crónica mais consensual, mas irritam-me tanto os moralistas
indignados que não posso deixar de exprimir esta opinião. Que é apenas a minha
a opinião. Longe de mim querer que passe a ser doutrina oficial e que os que
defendem o contrário sejam condenados aos suplícios da “novíssima” inquisição.
Faço minhas as palavras colocadas na
boca de Adriano, por Marguerite Yourcenar: “A moral é uma convenção privada; a
decência é uma questão pública”.
Até para a semana
Eduardo Luciano
2 comentários:
A decência, que nunca primou nos escritos de V.P.V.
Tem ofendido ao êxtase.
Boa crónica e, Boa Noite.
Aquilo das bofetadas não caiu bem. E não digo isto pelo facto de J.S. ser ministro. Ministros são como os chapéus.... há muitos. E muitos mais haverá ainda, tal como no passado os houve aos milhares. Haja sobre quem lançar impostos e nunca faltarão ministros.
Mas o VPV, que além de cronista também é historiador, historiador especializado em questões do fim do século XIX, ficaria muito mais em casa se o JS lhe tivesse prometido umas bengaladas, já que era essa a forma como estas questiúnculas políticas eram resolvidas nessa altura. Isto se acreditarmos no Eça de Queirós, pois em todos os romances que escreveu, e até nas cartas do Fradique, zurziam bengaladas de criar bicho.
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