quinta-feira, 31 de março de 2016

LUGAR À CULTURA – Baseado em Textos do Dr. Alexandre Laboreiro.

                        “Para que não se repita”
 «Quem queima livros, acaba por queimar homens».
 Christian Heine
(Escritor e poeta alemão - 1797/1856)

O Papa João XXIII, na Encíclica “Pacem in Terris”, preconiza: «A ordem que há-de vigorar na sociedade humana, é de natureza espiritual. Com efeito, é uma ordem que se funda na verdade, que se realizará segundo a justiça, que se animará e se consumará no amor, que se recomporá sempre   na liberdade, mas sempre também em novo equilíbrio cada vez mais humano. Ora, esta ordem moral  - universal, absoluta e imutável nos seus princípios  - encontra a sua origem e o seu fundamento no verdadeiro Deus, pessoal e transcendente.»
Por sua vez, o Papa Paulo VI (in “Populorum Progressio”), advertia: «O desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento económico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo, como justa e vincadamente sublinhou um eminente especialista: “não aceitamos que o económico se  separe do humano; nem o desenvolvimento, das civilizações em que ele se insere. O que conta para nós é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à Humanidade inteira”. »
Já mais recentemente, o Papa Francisco (in “A  Alegria do Evangelho”) adverte: «O grande risco do mundo actual, com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado.»
Ora, estas intervenções papais dirigidas às sociedades, manifestam um intuito de promoção do Homem, mercê do propósito de lhe criar condicionalismos de desenvolvimento económico, de lhe proporcionar um enriquecimento cultural, de lhe abrir o acesso à Informação e ao Conhecimento  -  inserindo-o no verdadeiro estatuto de cidadão: interrogando-nos nós se estes documentos papais seriam possíveis no Papado de Pio XII (portanto, em pleno Holocausto) -  num momento histórico em que a barbárie nazi e fascista obliterava o pensamento livre, obstruía o raciocínio que conduzisse ao progresso em Democracia, sendo impensável a Criatividade  -  criando o estado de espírito do medo, da desconfiança, da desunião (gerando o retrocesso e a destruição do Homem).
Vêm estas considerações a propósito da recente reedição do livro “Assim foi Auschwitz”                     -  escrito por Primo Levi, com a colaboração de Leonardo Benedetti; tendo a concepção da sua escrita, resultado duma solicitação do comando russo do campo de concentração de Auschwitz, no sentido de Primo Levi (químico de formação profissional) e Leonardo Benedetti (médico cirurgião) elaborarem um Relatório sobre as condições higiénicas, sociais, médicas, sanitárias e humanas deste campo de extermínio. Diga-se, porém, que Primo Levi (que escreveria ainda, sobre a sua experiência de deportado, o livro “Se isto é um Homem”) estava na condição de aguardar ser exterminado (em câmara de gaz)  -  salvando a vida, face à libertação do campo de concentração pelas tropas soviéticas, que puseram em fuga as tropas nazis alemãs. Levi salvar-se-ia por dois ou três dias (apenas)  -  dada a breve iminência de ser executado. E em “Assim foi Auschwitz”, perpassam  -  num léxico próprio dum dos melhores escritores italianos, como  Levi é considerado  -  os horrores que o Nazismo e o Fascismo trouxeram ao Mundo: as prepotências das tropas S.S., os transportes (em viagens de dias e dias seguidos de comboio) em vagões de gado, superlotados, de centenas de deportados, sem condições algumas de higiene, de alimentação ou alojamento, a expectativa constante dos prisioneiros, face à incógnita dos dias que lhes restavam de vida, a arrogância dos S.S. (polícia nazi) com que  -  dispondo da vida ou morte dos prisioneiros  -  se desfaziam dos velhos, crianças, doentes, dos diminuídos físicos para o trabalho; a desfaçatez com que separavam mães e crianças (filhos): desencadeando uma carnificina de milhares e milhares de seres humanos  -  não apenas em resultado do campo de batalha, mas  -  inclusivamente  -  em resultado de doenças (por falta de alimentação, gastrointestinais, devido ao frio, por infecções, doenças do trabalho, doenças oriundas de cirurgias mal sucedidas)  -  num conjunto sequencial de propósitos que tinham em vista “calar” as Democracias.
Nos tempos de hoje, os jovens do Mundo interrogam-se (ao familiarizarem-se e contextualizarem-se com a História da Guerra), desejando saber se foi verdade, ou não, o que lhes narraram as Palestras, as Exposições, os Simpósios; a Historiografia sobre a Guerra: “Para que se não repita”.   E as interrogações surgem nas Escolas, na Imprensa, nas visitas aos expositores temáticos; e a interrogação é esta: “Como foi possível? ” E admiram a “Resistência”.
Mário Vargas Losa (in “A Civilização do Espectáculo”) observa que numa sociedade aberta, ainda        que mantenha  a sua independência da vida oficial, é inevitável e necessário que a cultura e a política tenham relação e intercâmbios. Não só porque o Estado, sem restringir a liberdade de criação e de crítica, deve apoiar e propiciar a liberdade de criação e de comentar, bem como apoiar e propiciar actividades culturais  -  na preservação do património cultural, acima de tudo  -  até mesmo também porque a cultura deve exercer uma influência sobre a vida política, submetendo-a a uma avaliação crítica contínua e inculcando-lhe valores e formas que a impeçam de se degradar.
Daí que  -  em defesa do espírito crítico, na promoção de um Pensamento livre; num desenvolvimento e enriquecimento do interesse pelos valores culturais, no acentuar do propósito ao levantamento de dúvida, pela criação de espíritos eivados de amor à Verdade  -  é de instilar nos corações, um Humanismo que conduza os Homens a uma Cidadania plena de integridade: numa filantropia de tal maneira unida a um espírito cívico, irmanado com a Cultura, que construa em cada Humano um defensor da Paz, da Democracia, da Cultura; de uma Liberdade que leve todo o Cidadão a proporcionar um Mundo de Esperança: de amor aos livros, à Arte, ao seu semelhante, criando uma ambiência social que tudo faça em prol da dignidade humana. “Para que não se repita”
 José Alexandre Laboreiro                                                                                                                    
 In “o Montemorense”. Reprodução autorizada pelo Autor



1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns, Dr. Alexandre Laboreiro! Magnífico texto!