segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

VASCULHAR O PASSADO

  Mensalmente Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e costumes de outros tempos


                                     Ermida de Nossa Senhora da Purificação da Represa


            De acordo com Mestre Túlio Espanca a extinta sede de freguesia, anexa a Santa Sofia, por decreto arquiepiscopal de 8-XII-1966, pertence actualmente à freguesia de Nª Sª da Vila. Está situada a c.ª de 13 Km de Montemor-o-Novo, atingindo-se pela Estrada Nacional n.º 4, no caminho de Arraiolos e percorrendo 2 Km de estrada vicinal. A freguesia da Represa foi, durante séculos, sede da Comenda da Ordem Militar de Santiago, a qual a partir do século XVI, pertenceu aos barões de Alvito.
            Antigo curado da Ordem de Santiago e comenda do conde-barão de Alvito, da apresentação da Mesa da Consciência, ignora-se a data da sua fundação que, todavia, parece remontar a alvores do sec. XVI. A herdade, todavia, é conhecida a partir de 1217, porquanto documentos originais a mencionam na doação de D. Sancho II, ao bispo de Évora, da herdade de Arraiolos, assim como na composição feita entre a Ordem de S. Tiago e D. Martinho, prelado da mesma diocese. Foi visitada eclesiasticamente em 1534. Desse tempo, porém apenas se conservam vestígios do corpo da abside, com acréscimos evidentes das centúrias imediatas.

A ermida

            Está situada em sítio ameno e em colina suave, abraçada, ao norte e oriente de velhas casas do primitivo aldeamento. Teve as irmandades de Nª Sª dos Prazeres, das Almas e do Rosário.
            A fachada axial da igreja, voltada ao poente, defrontando atarracado cruzeiro granítico, com degraus assentes em base de grossa alvenaria, tem alpendre de três arcos redondos, com terraço aberto, defendidos por gigantes de molduras almofadadas e de ornatos de volutas, caiados de branco e de guarnições escaioladas. Porta vulgar, de jambas e lintel graníticos, e tecto de barrete de clérigo. A face lateral sul é protegida de botaréus, existindo, no último, posterior, um relógio de sol, de secção cúbita, marmóreo e incompleto. O lado oposto está envolvido de edificações: sacristia, arrecadação, alpendre, carneiro e escada de acesso ao terraço. A cabeceira apoia-se em gigantes angulares e tem facial alterosa com empena triangular ladeada de pináculos de andares, rematada por cruz de mármore com emblema sacro: sotoposta pomposa cartela barroca, estucada e de relevo em forma ovóide, guarnecida da cruz de Santiago amparada por carnudo anjo afrentado.
            O campanário, de dois olhais, ergue-se na frontaleira principal: apilastrado e com frontão de enrolamento, ostenta sinos de bronze fundido setecentista e de cruzes relevadas, estreloides. O maior tem o cronograma de 1731, e o menor numa só linha da campânula, esta inscrição:
ESTE SINO SE FEZ SD.º P. R.º R. D.º P.º BARS
(BRAS) FR.º DVARTE. ANNO. DE 1735. Diâm. 48 cm.
                Interior – A nave, de planta rectangular e de quatro tramos, com abóbada de berço reforçada por arcos semicilíndricos, de alvenaria rebocada de caio, é revestida, na totalidade, por gracioso, quente e policromo conjunto de azulejaria seiscentista, do tipo de tapete e de vária padronagem flórica e geométrica, de fabrico lisbonense do 1.º terço da centúria.
            O coro de baixo, de arco abatido, forrado de pinturas parietais, de ornatos, conserva duas interessantes composições nos alçados laterais, com legendas latinas, sumidas pelo tempo, mas de figuração típica ou anedótica, da vida rural alentejana da época de D. João V, a saber: Cenas de caça grossa, de cavalo e a pé, pastorícias, lavradores, lavadeiras, pastor conduzindo vara de porcos, mãe amamentando uma criança, cavaleiro arremessado da sela pelo corcel, tourada à vara larga, etc.
            Púlpito, de base rectangular, marmórea, antigo, e caixa de estuque ornamentado ao moderno. O Baptistério é de planta quadrada e de tecto disposto em forma de leque gomeado, assente em pendentes lisos: Toque de tintas-de- água nos prospectos. Pia baptismal de granito e secção poligonal, primitiva (Séc. XVI).
            A taça de água benta colocada na porta lateral, de pedra, ovulada, é esculpida por volutas, vieiras e corações estilizados, do período filipino.
            Duas capelas colaterais compõem o falso cruzeiro, de arcos cegos, igualmente recobertos de cerâmica colorida e de belas faixas molduradas. São ambos decorados por altares retabulares de talha dourada e policromada, do tipo de pilastra e de frontões de baldaquino, típicos do estilo rococó joanino e de mesas de altar do género de urna (c.ª de 1750). Tem dedicações:
            Evangelho: “Capela de N.ª S.ª do Rosário” – A imagem titular, de madeira estofada, coetânea, é curiosa: mede, de alt. 1,00 m. Nas mísulas envolventes, duas pequenas esculturas, vulgares, também de lenho colorido.
            Epístola: “Capela do Senhor Crucificado” ou do “Calvário” – O padroeiro, com Crucifixo de madeira, é do género corrente, somente devocional. Nas consolas entalhadas veneram-se as imagens de “Santa Rosa de Lima” (?), seiscentista e de boa factura (alt. 65 cm) e “S. Miguel”, policromada mas vulgar e da centúria posterior (70 cm).
            O arco-mestre do presbitério, de volta perfeita, está forrado, na totalidade, por cerâmica igual à da nave, enquadrada pelo painel policromo do “Calvário”, na figuração de “Cristo Morto na Cruz”, envolvido de Anjos, sob a Veneração deNossa Senhora,Santa Maria Madalena” e “S. João Evangelista”. Valioso por estar cronografado de 1630, encontra-se muito atingido por ruína e foi restaurado no ano de 1865 (data sobrepujante), período em que todo este núcleo sofreu tentativa infeliz de fixação, sendo-lhe opostos azulejos avulsos, alguns fragmentados e outros de padrão solto, interessantes. Menos acertada foi, ainda, a imitação esponjada da cimafronte, feita de tintas industriais.
            A abside, de planta quadrada, da 2.ª metade do séc. XVI, mas totalmente reformada em meados de setecentos e alindada nos fins do séc. XIX, tem cobertura de meio canhão engalanada, axialmente por composição heráldica das armas reais de Portugal, da Ordem de Santiago e dos donatários Lobos da Silveira, condes-barões de Alvito. Forro alto de azulejos policrómicos, dividido em duas partes distintas e de épocas bem diferenciadas; rodapé, de silhares flóricos, de finais do reinado de Filipe IV, e corpo superior, de fabrico e qualidade medíocre, apenas valorizado pelo cronograma de 1693. Contra o arco triunfal, angularmente, conservam-se duas das primitivas mísulas de granito, quinhentista, servindo de repisas de nichos moldurados, hoje despidas de imaginária.
            O altar-mor é constituído por opulento retábulo de madeira, discretamente entalhado, do tipo barroco joanino, com colunas salomónicas, grande sacrário e tímpano guarnecido de anjos simbólicos da expansão da Igreja, segurando o Sol e a Lua. Poucos vestígios dourados conservam, e foi pintado de azul em tempos modernos.
            A imagem titular de “Nª Sª da Represa” – Virgem com o Menino - , de pedra de Ançã, estofada e de período final do gótico, subsiste no camarim, onde fora entronizado após a “Visitação” de 1534 (alt. 95 cm). Em consolas laterais vêem-se as esculturas de “S. Sebastião” (70 cm) e “Santo António” (80 cm), ambas de madeira policromada; a primeira do séc. XVII e a do glorioso taumaturgo português, da centúria seguinte e de menor valia artística.
            Na sacristia, nada de especial se recomenda, além do lavabo, marmóreo, em forma de urna, e baixo lambril de azulejos coloridos, de tipos dispersos sobrantes da encomenda seiscentista da nave.
            Do templo saíram na década de 1950, para restauro no Laboratório Dr. José de Figueiredo, do Museu Nacional de Arte Antiga, de Lisboa, dois painéis de pintura sobre tábua, do ciclo maneirista post-tridentino, que representavam “S. Tiago aos Moiros” e “Apresentação do Menino no Templo”. São os padroeiros da igreja e pertenceram, segundo se admite, ao primitivo retábulo do presbitério.
            A capela encontrava-se na posse do lavrador José Félix de Mira, que foi Governador Civil de Évora, e donatário da Herdade da Represa.
            Dimensões do edifício: nave – comp. 17,50 x larg. 5,70 m, capela-mor – 3,95 x 3,95 m.
            Esta ermida foi classificada “Imóvel de Interesse Público”, em 7 de Janeiro de 2015.

Augusto Mesquita

Publicado no Mensário “folha de Montemor” Fevereiro  2016. Reprodução autorizada pelo Autor







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