DO
CINEMATÓGRAFO PARA A PÓLIS, por Henrique José Lopes
REGRESSO
AO PASSADO?
Um
dia deste revi um dos mais fascinantes filmes do italiano Bernardo Bertolucci:
“Antes da Revolução”, datado de 1964. Um filme poético e encantador. Motivado
por tal revisão, passado uns dias, encetei uma nova viagem pela obra de
Bertolucci: revisão pela enésima vez de “1900” (Novecento). Obra monumental, no tamanho (mais de 300 minutos…é só
fazerem as contas) e na qualidade, realizada no já distante ano de 1976. Talvez
aqui e ali um pouco datado na abordagem politica, mas permanece ainda um fresco
histórico notável. Quem o viu não mais esquece a fotografia de Vittorio Storaro
ou a banda sonora de Ennio Morricone. De Bertolucci, muitos se recordam sobretudo
de obras como polémico “o Ultimo tango em Paris” ou o muito oscarizado “Último
Imperador”. Mas a sua relação com Montemor-o-Novo, nasce de uma visita sua em
1995 no âmbito do “Festival Sete Sois Sete Luas” e nesse contexto, recordo um
jantar (no qual estive presente) em Lavre, a lembrar parte do cenário do filme “1900”.
A
que pressupostos surgem estes filmes agora à ribalta desta rubrica? Será o
prazer de (re)ver cinema, ainda que limitado a um qualquer ecrã caseiro? Quem
viu o 1900 no cineteatro curvo Semedo ainda na década de 70, sabe bem da
imponência e respiração visual que o filme (hoje algo como o Widescreen)
transportava (e transportará sempre que for projetado condignamente) consigo. Não
esquecer que se trata de uma obra cinematográfica de uma imensa metáfora
politica.
A
revisão deste filme fez-me lembrar a importância da revolução dos cravos. A sua
pureza original ou como escreveu Sofia de Melo Breyner: “essa é a madrugada que
eu esperava/ O dia inicial inteiro e limpo/ onde emergemos da noite e do
silêncio/ e livres habitamos a substância do tempo”. Tal também significa dizer
que a data comemorativa desse dia mágico, não merece ser partidarizada, instrumentalizada,
a fim de se proteger a sua limpidez e a sua pureza que Salgueiro Maia tão
admiravelmente protagonizou. Devolveu-a a todos nós sem nada reivindicar ou
lucrar para si. O 25 de abril é, pois, também a voz da Liberdade vista pelo
“olhar dos cravos”.
Quando
se assiste ao cúmulo de uma tentativa mascarada de (falsos) cravos de um
impaciente regresso ao passado, com o dia 25 de abril deste ano a servir de
anuncio da continuidade da coligação PSD/CDS para as próximas eleições, estamos
para lá da ficção, do cinematográfico.
Dias
depois, vimos Passos Coelho a elogiar publicamente Dias Loureiro, como se
ninguém se lembrasse do BPN. Um exemplo na opinião de Passos Coelho de quem
quer vencer na vida. Alguns dias depois percebe-se também pela boca do
primeiro-ministro, num muito recente evento comemorativo do PSD, que o “senhor
da cimeira dos Açores”, Durão Barroso, será um possível candidato à grelha de
partida para as presidências. Será mesmo?
Por
estas e por outras, não é que a canção “Oh tempo, volta p’ra trás” cantada pelo
António Mourão (quem? …), ultimamente não me tem saído da cabeça. Será uma
premonição para um eventual regresso do nacional cançonetismo (ou de uma
qualquer versão atualizada do mesmo), como o antigo regime tanto gostava? Há
que entreter as pessoas. Qual José Afonso ou Sérgio Godinho. Põe-las a pensar o
menos possível. Torná-las conformistas. Sabiam que aquela que porventura será
obra-prima de Bertolucci se chama “O Conformista” (quem não conhece o filme não
conhece verdadeiramente o cinema)? As coincidências, essas, ficam só pelo
titulo. E já agora, talvez eles não se esqueçam de nos voltarem a brindar com
obras cinematográficas “inesquecíveis” como “Sarilho de fraldas” (1967). Qual
Pedro Costa (quantos saberão que se trata de um dos maiores cineastas vivos…) e
outros “chatos”? Gente que nos quer “angustiar” com pensamentos, visões
profundas e nos teima em mostrar o mundo tal como ele é.
Não
nos “preocupemos” com isso, pois já percebemos e até já conseguimos enquadrar
melhor o contexto da decisão da escolha pela coligação Coelho/Portas da data do
dia 25 de abril: é que há muito que desconfiamos que Passos Coelho anda com o
livro biográfico de Salazar no banco de trás do automóvel. No fundo, a
“sossegar-nos” de quem se compromete a pensar e a decidir por nós. E nós? Alegres
e felizes em fieis filas de acomodação. Passos Coelho deu a matriz numa visita
recente a Évora: “Ninguém tem interesse em que se aumente o seu salário para
perder o emprego”. Será que é preciso fazer um desenho? …
Henrique
Lopes
(In Folha de Montemor, junho de 2015)
2 comentários:
Excelente artigo.
Ainda deixando a "Pólis" arredada deste comentário.
Já reparámos que o articulista sabe do que fala.
E que tal se o articulista nos falasse, a propósito de Bernardo Bertolucci, de "Um Chá no Deserto"?
Cumprimentos.
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