Com a aprovação do Documento de Estratégia Orçamental,
hoje vulgarmente conhecido por DEO, parece haver novamente boas notícias. É
claro que a forma como o Governo apresentou o documento espelha a visão do
Governo. Mais: espelha a visão do Governo em vésperas de eleições - nisso, este
Governo não se distingue de todos os outros.
Na realidade, ao que parece, há nesse documento medidas que ninguém
esperava que fossem tomadas, como o aumento da TSU ou o aumento do IVA, ambas
medidas que, a meu ver, dão um novo sinal errado à economia. Mas, no cômputo
geral, da forma como foi o DEO apresentado, parece haver mais medidas positivas
do que negativas. Ficará, então, por saber se o caminho agora encetado é para
durar. E quando digo durar, é durar para lá das eleições legislativas de 2015,
já que se o prazo de incidência deste documento vai para lá de 2015, as medidas
e a forma como foram apresentadas também teve evidentemente em conta as
eleições legislativas de 2015.
A única diferença é que as medidas negativas são de
execução imediata, enquanto as medidas positivas são de execução posterior, não
passando ainda de promessas.
Dito isto e tomando por boas as boas notícias anunciadas,
há uma dúvida que tenho que, não sendo nova, continua por esclarecer. Essa
dúvida diz respeito ao Dr. Vítor Gaspar ou, melhor, à verdadeira razão ou
razões pelas quais o antigo Ministro das Finanças saiu do Governo, na altura em
que saiu e pelas razões que diz ter saído.
Na verdade, os resultados orçamentais que Portugal tem
vindo a apresentar reportam-se, na origem, a medidas tomadas pelo Governo
quando Vítor Gaspar era Ministro das Finanças – e, já agora, quando Álvaro
Santos Pereira era Ministro da Economia. Ora, o antigo Ministro das Finanças,
tendo sido, aliás, substituído por uma sua seguidora, Maria Luís Albuquerque,
que deu continuidade sem desvios à sua política de austeridade, poderia hoje,
com autoridade, estar ele a colher os louros dos resultados que agora têm vindo
a ser anunciados. E, portanto, das duas, uma: ou Vítor Gaspar saiu do Governo
porque teve de tomar medidas adicionais de austeridade que julgava já não ter
de tomar (como, por exemplo, o enorme aumento de impostos) impedindo-o de
avançar com a diminuição da TSU ou para a Reforma do Estado que ele reconheceu
nem sequer ter o Governo iniciado – daí ter afirmado que perdera credibilidade
perante a Troika – ou não acreditou que as medidas adicionais tomadas tivessem
resultados positivos tão depressa. Há, evidentemente, uma terceira razão, mais
prosaica, que por aí se diz, que atribui a sua saída à circunstância de estar
farto da politiquice – mas esta, mesmo que tenha sido uma razão, não pode nunca
ser razão suficiente para uma decisão daquela natureza.
Em conclusão, ou Vítor Gaspar saiu porque se enganou nas
medidas que tomou antes de ter de avançar para um enorme aumento de impostos
ou, no pressuposto de que são verdadeiros os bons resultados anunciados e de
que são definitivas as boas medidas previstas no DEO, Vítor Gaspar saiu porque
não previu que as consequências das medidas por si tomadas fossem tão rápidas e
tão boas quanto as anunciadas agora pelo Governo. Ora, face à reputação
sobretudo profissional de que goza o anterior Ministro das Finanças que foi,
aliás, recentemente confirmada com a sua ida para o FMI, sempre me pareceu e
continua a parecer não ser crível que se tenha demitido do Governo por aquelas
razões, as únicas que, de fora, consigo identificar.
Seja como for, se o Documento de Estratégia Orçamental ora
aprovado e anunciado tem, manifestamente, o dedo de muitos outros governantes,
a começar pelo do Vice-primeiro-ministro, os resultados orçamentais e
económicos até agora anunciados, esses, têm, todos, e ainda, o dedo, eu diria,
a mão invisível de Vítor Gaspar.
Parece-me, pois, que o discurso do Governo está em mudança. Ou , para ser
mais rigoroso, em processo de sublimação. Só não sei se em mudança do estado
sólido para o estado gasoso se do estado gasoso para o estado sólido, já que
nada parece ser líquido.
Ourém, 1 de Maio de 2014
Martim Borges de Freitas
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