Terça, 15 Abril 2014 09:41
É Páscoa, semana santa, vou falar de ovos. Podia falar de
coelhos, mas não me apetece, o bicho anda com más conotações, coitado; podia
falar de folares, mas o que os torna desta época é o ovo que os acatita; podia
falar de cabrito ou borrego, mas de sacrifícios andamos todos “por aqui”; e
podia falar de amêndoas mas, lá está, caímos no ovo que é do que elas se
mascaram nesta quadra.
Podem supor, como eu supus, o quão difícil seria encontrar uma frase ou
pensamento de autor, mais ou menos erudito, em torno de ovos, mas nem por isso.
A grande maioria relaciona-o, ao ovo, ao tempo que há-de vir, ao futuro, à
paciência, entre outros conceitos mais ou menos inusitados. É que me apetecia
mesmo falar de como os ovos são ou uma espécie de caixinha de surpresas,
normalmente boas, ou, no extremo oposto, uma terrível caixa de pandora. Que
deles saem fofos pintainhos ou patinhos ou passarinhos, enfim bichos de penugem
que deixam qualquer um mais lamechas. Como saem répteis que logo evocam
bestiários do mal, mais imaginados e simbólicos do que reais. Como saem espécies
que são chocadas por outras espécies, como os do cuco, que para os pôr, lá tem
que ser, perpetuar a espécie e manter a linhagem, mas para os chocar, que é o
que dá trabalho e moengas, espera aí que tenho mais que fazer… Como há, ainda,
os ovos que sendo podres cheiram logo mal e se denunciam quando se partem, e os
outros, de que é mais frequente encontrarmos vítimas o que me leva a pensar que
são por isso os mais perigosos, que aparentemente de bom estado albergam a
maldita e quiçá mortífera salmonela.
Afinal, eu queria falar do ovo e parece que acabei a falar
da espécie humana que também lá tem, no fundo, no fundo, o ovo como génese.
Isto está tudo ligado e por isso é que é em torno de histórias que se explica a
religião, que religa tudo, e voltamos à Páscoa que está ligada ao Natal, como o
nascimento está ligado à morte, e encontrar linhas, que são as histórias, que
unam estes pontos é ir mostrando o caminho.
Oscilei, por tudo isto, entre uma citação de Andersen, um
autor por quem tenho um afeto muito especial, e que a propósito do Patinho
Feio, claro, dizia que «nascer numa quinta de patos não fazia mal, desde que
não se saísse de um ovo de cisne»; ou outra de um autor com quem convivo
bastante, C.S. Lewis das Crónicas
de Nárnia que dizia que «pode
ser difícil para um ovo transformar-se num pássaro: seria uma visão divertida,
e mais difícil para o pássaro, aprender a voar permanecendo um ovo. No tempo
presente, somos como o ovo. E não se pode continuar indefinidamente a ser
apenas um ovo comum, decente. Deve-se ser chocado e eclodir ou apodrecemos.»
Ora, afinal, estes dois autores de chamada literatura
infanto-juvenil sabiam bem que isto de embalar as crias ao som de bons avisos e
princípios, como os que estão nas entrelinhas das boas histórias e sem
necessidade de grandes lições de moral a rematar, é meio caminho andado para
que saibamos que o que de um ovo saia, retirada a casca, ou é o que se espera
ou é uma surpresa para a qual devemos estar alerta.
Boa Páscoa e até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira
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