O fascismo infelizmente existiu
«A violência
preventiva era um esteio essencial da segurança
e da durabilidade do regime. Na desmobilização, no medo, na
interiorização da obediência, numa sociedade onde o peso social e cultural da
ruralidade se prolongou bem para além do seu peso económico, ou seja, na
eficácia real dessa violência preventiva assentou em larga medida o “saber
durar” salazarista.»
Fernando Rosas (Historiador)
(in “Salazar e o Poder”)
Recentemente, têm sido múltiplas as edições, embora bastantes
delas convidando a um “voyeurismo”,
que revisitam o tempo histórico português pautado pelo fascismo: publicações
onde, salvo honrosas excepções, há uma tendência muito forte no sentido de um
branqueamento desse passado de opressão, violência e submissão que o fascismo
revestiu.
Efectivamente, há biografias de Salazar e Marcelo Caetano,
relatos e cronologias desse período histórico
- que primam por historiar a
polícia política e os torcionários, no “interland”
temporal de um quotidiano amável e simpático (pretendendo suavizar as
brutalidades, humanizar os responsáveis, escondendo as causas, omitindo a carga
ideológica do percurso histórico, arvorando o bem do passado por oposição ao
mal do presente).
Uma das preocupações destes autores, num intuito de
desideoligização, é de tentar fazer passar que a ditadura de Salazar não era
fascista (sendo antes um regime autoritário, musculado, muito longe de fascismo
italiano ou alemão).
Porém, na verdade o “Estatuto do Trabalho Nacional” (como os
documentos congéneres de Franco, Petain, entre outros) inspira-se na lei
idêntica de Mussolini (a “Carta del Lavoro”)
- na pretensão de decretar uma
“paz social”, de reduzir os sindicatos à obediência (a par da corporativização
da actividade económica).
À semelhança das congéneres alemã e italiana, foi
criada -
para enfrentar a “ameaça” comunista
- a Legião Portuguesa (corpo
armado e uniformizado, que, depois dos ímpetos iniciais, veria truncada a sua
autonomia e seria subordinada à cadeia do comando militar).
Por outro lado, assistir-se-ia à
extinção dos partidos políticos, por imposição oficial: com a pressão
ditatorial sobre Ramada Curto para assinar a auto-dissolução do PS (1933) e a
fuga para a luta clandestina por parte do PCP. Por sua vez, a ditadura criava a
União Nacional (a grande ganhadora das eleições encenadas, e a única
concorrente às eleições na maior parte das vezes: realidades que encontramos,
para além das ditaduras alemã e italiana, também nas ditaduras coevas da
Áustria, da Polónia, da Grécia, da Hungria, de Espanha (tendo como Presidentes,
todas, oficiais generais): ditaduras que encontraríamos igualmente, na França
(de Petain), na Roménia, na Croácia e na Eslováquia.
Seguindo o modelo fascizante,
Salazar criaria a censura permanente a todas as publicações (em regra exercida
por militares, como nas outras ditaduras) -
e que Salazar justificava com a necessidade de «antes de tudo evitar
preventivamente que os meios de publicidade causem dano social».
Embora uma recente biografia de
Salazar procure fazer depreender uma
adesão entusiástica do povo, a natureza moderada do nacionalismo português e a
selecção criteriosa das elites governantes, a verdade é que assistíramos às
aparatosas manifestações organizadas e mobilizadas por legionários e caciques (mercê
de uma intensa propaganda oficial), a uma legislação colonial que oprimia os
“indígenas” africanos, a uma selecção ideológica dos governantes (todos fiéis
ao regime), à onda de perseguição (com demissão compulsiva) aos Professores
Universitários democratas, à vaga de repressão dos movimentos de trabalhadores
do campo e das fábricas, bem como à prisão de milhares de pessoas, sujeitas à
tortura e até à morte: tornando-se elucidativo que o regime político se
inscrevia numa ditadura fascista (embora certos autores tentem fazer acreditar
de que a violência política era moderada
- sendo o regime autoritário e
não totalitário).
Porém, é que a realidade era
outra: o medo generalizado da população, a intimidatória rede de agentes da
Polícia Política (6 milhões de portugueses com ficha na PIDE), dezenas de
milhar de presos políticos (em Caxias, Aljube, Angra de Heroísmo, Peniche, na
Sede da PIDE, em Machawa (Moçambique), S. Nicolau (Angola), Tarrafal (Cabo
Verde); como poderão omitir a memória ?)
Afinal, como podem os Homens
conscientes, que reflectem, agem, criam, investigam, educam, formam, ser
indiferentes à opressão, às tensões, às injustiças, às banalidades, ao mundo
que as envolve, como se vivessem numa “torre de marfim”?
E seria precisamente o homem não resignado,
quem -
numa batalha da memória - haveria de pôr termo ao fascismo do Portugal
do Estado Novo - em Abril de 1974.
José Alexandre Laboreiro
Publicado no Jornal "Folha de Montemor" e transcrito com a devida autorização do Autor - Abril 2014
2 comentários:
Sou um leitor atento do Dr. Laboreiro. Sempre os seus artigos me levam a procurar curiosidades com eles relacionadas. Alguns desses artigos confirmam coisas que eu já sabia, e outros dizem-me coisas novas. Quero agradecer-lhe as interessantes interpretações que sempre me faz chegar.
Aqui seguem os meus agradecimentos.
TAMBÉM A DEMOCRACIA EXISTE E É O QUE SE VÊ, VIVEMOS NA EUROPA MAS COM NÍVEL DE VIDA DE TERCEIRO MUNDO E COM VARIAS DITADURAS AO MESMO TEMPO, TROICAS E OUTRAS, MAS VIVEMOS EM "LIBERDADE" E TUDO ESTÁ CERTO.
O PROBLEMA DAS DEMOCRACIAS É QUE VALE MAIS A OPINIÃO DE MEIA DÚZIA DE IDIOTAS QUE A DE UM GÉNIO, E ESTÁ À VISTA O RESULTADO.
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